terça-feira, 28 de dezembro de 2021

A ESSÊNCIA DOS ENSINAMENTOS DE KRISHNAMURTI

 



                   J. Krishnamurti publicou centenas de livros. A grande maioria foram compilações de palestras e diálogos que ele fazia quase que diariamente. Por incrível que pareça, a sua hiper produção que, em tese, deveria ajudar a esclarecer seu pensamento, teve, em muitos casos, o efeito contrário.

                   A questão, me parece, é que JK não queria dar respostas fáceis e prontas. Ele queria que o ouvinte fosse capaz de investigar a questão juntamente com ele, acompanhando seu direcionamento. Por isso, ele sempre começava do começo, lançando as bases, destruindo ilusões e, só então, chegava à conclusão final.

                 Tendo isso em vista, seria possível fazer um resumo da sua mensagem sem grandes imprecisões e mantendo-se fiel à essência dos seus ensinamentos?

                  Penso que sim. De fato, Krishnamurti ensina algo extremamente elementar: como ver/encarar/observar 'aquilo que é'.

                  O problema é que, em geral, as pessoas se excluem do fato quando deveriam ver a si mesmas- seus pensamentos, sentimentos, reações e emoções - como parte integrante do fato. Vamos pegar um exemplo: a ansiedade é o fato. Mas me separo do fato, tentando ficar livre dele. Nesse momento crio um outro fato: a separação observador ( aquele que vê o fato de estar ansioso) e a coisa observada (a ansiedade). E aí gera-se o conflito que passa a ser outro fato. E no momento em que vejo todo esse processo e tento dele me libertar crio um novo fato. Isso vai aumentando o conflito, a neurose e agravando o sofrimento.

                    Então, se formos fiéis aos apontamentos de Krishnamurti bastaria ver o fato a que chamamos "ansiedade" sem dar-lhe nome e, por conseguinte, sem tentar controlá-lo,  modificá-lo, nem mesmo observá-lo já que a "observação" já aconteceu no momento em que você se dá conta do fato.

                    Em suma, é ver "aquilo que é'  sem a interferência da palavra ou pensamento. E, caso ocorra a interferência, vê-la como parte inevitável do fato e não tentar modificá-lo. E, pronto, eis a essência dos ensinamentos de Krishnamurti.

Alsibar Paz 22/12/21

Participe do nosso grupo de MENTORIA para o DESPERTAR.(Contribuições voluntárias). Link :

https://chat.whatsapp.com/GxqM2vlJeglAP2Lc54rCr6

sexta-feira, 10 de dezembro de 2021

A NOVA MODA DA TURMINHA 'PINEO-ADVAITA'.



Tenho observado, de uns tempos para cá, um considerável aumento de indivíduos se apoderando dos conhecimentos espiritualistas, notadamente - mas não exclusivamente - do advaita-vedanta sob um viés perigoso. Aparentemente, tais sujeitos - muitos deles com sérios transtornos psíquicos  - encontraram nessa tradição milenar o veículo ideal para darem vazão à sua própria confusão e loucura. 

 A última mania dos mesmos é dizer que tudo que não presta em si mesmos e nos outros é do 'personagem' . E aquilo que está de acordo com o que eles consideram correto/bom vem do tal "Ser".

Todavia, a primeira pergunta que salta aos olhos é: quem faz esta divisão? Quem julga o que é do personagem e o que é do ' Ser'?

Fiz, certa vez, essa pergunta a uma pessoa adepta desse conhecimento  superficial de inspiração advaita e ela me respondeu: é o Ser!. Mas será que é mesmo? 

Ora, quem é que divide? Quem é que percebe? Quem classifica, analisa e julga senão a própria pessoa baseada em seus referenciais mentais (background)? No que leu, no que fantasiou, no que interpretou e acha que compreendeu? 

Ou seja, quando classifico : tal atitude é do ser e tal atitude é do personagem (ego) quem faz esse trabalho é o próprio ego. E por mais que o ego o negue, continua sendo ele que está à frente de tais procedimentos.

Aquilo que as pessoas conhecem como "ser" não é o verdadeiro Ser, pois esse não pode ser conhecido, muito menos seus atributos e qualidades. Quando a mente qualifica a atitude de outrem como sendo egoica e a de si mesma como sendo 'divina', isso nada mais é do que a própria mente, o  pensamento, o próprio ego do sujeito em ação.

Alguém pode perguntar: mas e suas análises Alsibar, não são também egoicas?

E eu respondo: alguma vez eu disse que não eram? 

É claro que toda minha análise - inclusive esta que estou fazendo agora - parte do meu ego. Mas eu  admito isso, ao contrário daqueles que me acusam de estar sendo vítima do  'personagem'. Estou, agora mesmo, admitindo e  confirmando o que eu próprio ensino: sim, é o ego que  pensa, reflete, raciocina, escreve, analisa e "julga". Eu sou o personagem, eu sou o ego! Nunca me consideraria o Ser pois quem se considera o Ser não é o Ser.

O  que estou falando vem da minha própria experiência, mas  tem respaldo nas mensagens de outros grandes mestres:

Buda, Krishnamurti e UG passaram uma vida afirmando: você nada mais é do que memória, desejo, medo, esperança, ansiedade, conflito, pensamentos, etc. Ou seja, ego/personagem. Em meio a esse caos, criamos uma entidade acima e além de nós mesmos a que chamamos de Ser, Atman, Deus, Consciência, etc. Mas, esse deus nada mais é do que uma ilusão mental, uma idealização, uma fuga.

Ora, qual é o fato?

O fato é que só existe o personagem formado por milênios de cultura, educação, memórias, condicionamentos, tradição, etc. O tal " Ser'  foi inventado pelo próprio personagem para dar a si mesmo um status de nobreza, dignidade, permanência  e elevação espiritual.  Mas, essa entidade ainda é a extensão do próprio 'eu', ou seja, de sua mesquinhez, de sua confusão, de sua mediocridade.

Agora, quando você identifica e vê claramente essa artimanha sutil do ego/personagem aí sim,  começa  a libertação dessa que talvez seja a mais poderosa de todas as ilusões: aquela em que o próprio ego se disfarça de Ser para melhor "passar" e continuar controlando tudo de forma escondida, achando que seu 'plano' nunca será descoberto. Lamento decepcioná-lo.

Por Alsibar Paz

10/12/21

terça-feira, 7 de dezembro de 2021

A PIMENTEIRA (Aroeira): A ÁRVORE DA ILUMINAÇÃO DE KRISHNAMURTI

 



Ojai é abençoado com uma abundância de árvores de todas as variedades, mas nenhuma é mais ilustre do que a velha e retorcida pimenteira na extremidade leste do vale, onde Krishnamurti teve um nascimento espiritual. Ele tinha 27 anos e a árvore era apenas uma muda. Krishnamurti teve seu nascimento físico em 1895, em Madanapalle, uma pequena cidade no sul da Índia, mas seu nascimento espiritual - aquele que importava para o mundo - ocorreu em 1922, logo depois que ele e seu irmão chegaram pela primeira vez a Ojai. Quando ele morreu, em 1986, a árvore havia crescido enorme e pesada e caiu uma noite durante uma tempestade. Mas suas raízes ainda eram vitais e desde então cresceu magnificamente. Evidentemente, a árvore é imortal e sua história dura para sempre.

A sequência de eventos que trouxe Krishnamurti a Ojai abrangeu três continentes e quase um século. A força motriz neste drama foi Annie Besant, a escritora, oradora e ativista social que conquistou Londres em 1877. Annie foi a primeira mulher a se defender perante um tribunal na Inglaterra. Em questão estava o direito de publicar um pequeno volume, composto por um médico americano, com o título desarmante de “Frutos da Filosofia”. O subtítulo do livro talvez fosse mais indicativo de seu conteúdo: “The Private Companion of Young Married Couples”. A intenção geral de “Frutos da Filosofia” era fornecer as informações mais precisas então disponíveis para a prática do controle de natalidade.

Besant e seu associado, Charles Bradlaugh, presidente da Sociedade de Pensamento Livre, publicaram uma reimpressão de “Frutos da Filosofia” e foram prontamente presos sob a acusação de disseminação de obscenidade. Eles passaram a noite na prisão. Após a sua libertação, Bradlaugh implorou a ela que concordasse em interromper a distribuição de "Frutos da Filosofia". Annie Besant, de 27 anos, recusou. Ela não poderia ceder diante de uma lei tão manifestamente injusta e negar às mulheres tais informações essenciais. Ela defendeu seu caso no tribunal por três dias, examinando o mérito da questão de todos os ângulos - legal, médico, social e ético. O poder de sua voz falando, juntamente com sua lógica rígida, a catapultou para a fama. No ano seguinte à sua vitória no tribunal, “Fruits of Philosophy” vendeu mais de 100.000 cópias.

A carreira de Besant foi caracterizada por sua eloqüência pública, sua defesa apaixonada dos direitos das mulheres e sua defesa precoce e poderosa pela independência da Índia. Ao longo do caminho, ela teve uma longa ligação com George Bernard Shaw. A maior conquista de sua vida, no entanto, pelo menos em sua opinião, foi sua liderança na Sociedade Teosófica, começando com sua eleição como presidente em 1907. A Sociedade Teosófica (TS) era uma organização nascente, quase religiosa, dedicada à irmandade do homem e a descoberta de poderes inexplorados no universo. Os fundamentos da ST eram ocultos e esotéricos, mas com a visão de Besant, a Sociedade adotou uma missão decididamente mais prática. 

Besant declarou que o estudo da história revela que a humanidade é guiada nas horas mais sombrias pela presença de um Instrutor do Mundo, alguém como Jesus ou Buda, que pode apontar o caminho em direção a uma forma nova e mais elevada de consciência. Era missão da Sociedade, afirmou ela, descobrir um jovem que pudesse mais uma vez cumprir esse papel e treiná-lo e alimentá-lo adequadamente.

Dois anos depois que Annie assumiu a presidência da ST, ela encontrou o que procurava. Em 1909, Krishnamurti era um menino de 14 anos, o oitavo de onze filhos, que vivia em bairros primitivos fora do complexo que abrigava a sede internacional da Sociedade Teosófica, em Adyar, na costa sudeste da Índia, do outro lado do rio Adyar de Madras . Seu pai era um teosofista que serviu como clérigo para a ST. Krishna, como era chamado, às vezes brincava na praia à tarde com seu irmão mais novo, Nityananda. O sócio de Annie, Charles Leadbeater, observou Krishnamurti ali e declarou que sua aura não continha partícula de interesse próprio. As investigações clarividentes de Leadbeater nas vidas passadas de Krishna revelaram uma linhagem ilustre, e em sua próxima visita a Adyar,

Krishna e Nitya eram inseparáveis, então Annie colocou os dois sob sua proteção. Ela os levou para a Inglaterra, contra as objeções do pai, onde foram devidamente alojados, vestidos, ensinados e expostos aos melhores elementos da sociedade inglesa. Krishna desenvolveu um gosto pela qualidade em roupas e carros, e adquiriu tal habilidade no golfe que seu handicap estava abaixo do esperado. 

Por mais de dez anos, Krishna concordou com as expectativas extraordinárias que Annie impôs a ele. Ele parecia aceitar sem questionar o edifício da ideologia teosófica, incluindo a crença nos "Mestres ascensionados", uma espécie de panteão de indivíduos espirituais, residentes no plano astral, que se interessavam pelos assuntos da humanidade e às vezes exerciam poderes ocultos para o benefício da humanidade. Krishna carregava o manto de seu futuro ostensivo com leveza e às vezes até brincava sobre isso entre aqueles de quem era próximo. Mas ele escreveu artigos para revistas teosóficas, apareceu em eventos teosóficos e parecia, para todos os efeitos, estar no caminho para cumprir o destino que Annie traçara para ele.

Sob a superfície, entretanto, outra realidade estava se revelando. Quando chegou aos vinte e poucos anos, uma sutil sensação de descontentamento estava se enraizando dentro dele e, pouco depois de chegar a Ojai, veio à tona de uma forma altamente incomum. 

Dois anos antes de os irmãos virem para Ojai, Nitya contraiu tuberculose, e sua saúde tornou-se um motivo de preocupação cada vez maior. Como resultado dos deslocamentos geológicos causados ​​pela Falha de San Andreas, onde duas placas continentais estão se movendo inexoravelmente em direções opostas, o Vale Ojai é torcido em uma orientação leste-oeste. Como consequência, o vale recebe uma quantidade maior de luz solar do que receberia de outra forma, e sua proximidade com o oceano e ligeira elevação também contribuem para um clima mediterrâneo. Por esta razão, o vale foi outrora considerado propício para o tratamento da tuberculose. AP Warrington, o presidente da seção americana da ST, recomendou que Krishna e Nitya viessem a Ojai, onde havia uma propriedade de seis acres, pertencente a uma família teosófica,

Duas estruturas residenciais existiam na propriedade. Uma era uma longa e rústica casa de fazenda conhecida como Arya Vihara (residência nobre); o outro era um prédio menor chamado Pine Cottage. Tinha um quarto e uma sala, um alpendre com vista para o vale e era ladeado por uma pimenteira jovem. 

Quando Krishna e Nitya chegaram ao porto de São Francisco, a caminho da Austrália, em julho de 1922, foi a primeira vez que pisaram em solo americano. Acompanhados pelo Sr. Warrington, eles pegaram um trem para o sul, para Ojai, e se estabeleceram na propriedade na extremidade leste do vale. Foi também a primeira vez que os irmãos ficaram por conta própria desde que Krishna fora descoberto, oito anos antes.

Pouco depois de sua chegada, Nitya descreveu o vale nestes termos:

Em um vale longo e estreito de pomares de damascos e laranjais é nossa casa, e o sol quente brilha dia após dia para nos lembrar de Adyar, mas ao anoitecer o ar fresco vem da cadeia de colinas de cada lado. Muito além da extremidade inferior do vale corre a longa e perfeita estrada de Seattle em Washington até San Diego no sul da Califórnia, cerca de 3.200 quilômetros, com um fluxo incessante de tráfego turbulento, mas nosso vale permanece feliz, desconhecido e esquecido, por um a estrada vagueia por dentro, mas não conhece saída. Os índios americanos chamavam nosso vale de Ojai ou o ninho, e por séculos devem tê-lo buscado como refúgio.

Duas semanas depois de chegar a Ojai, Krishna começou a tomar medidas para resolver seu crescente descontentamento consigo mesmo e com a vida que estava levando. Ele começou a meditar por meia hora todas as manhãs com a intenção geral, conforme escreveu em uma carta a um amigo, “para aniquilar as acumulações erradas dos últimos anos”. No início, ele relatou um bom progresso e afirmou que estava trazendo um maior senso de harmonia aos vários níveis de sua personalidade. Em poucas semanas, porém, um conjunto de sintomas bastante perturbador começou a surgir. O que aconteceu depois disso foi registrado em longos e detalhados relatos escritos separadamente por Nitya e Krishna; suas lembranças independentes se encaixam em muitos aspectos, embora uma tenha sido escrita de uma perspectiva objetiva e a outra conforme os eventos foram vivenciados subjetivamente. A avaliação geral de Nitya foi que suas vidas mudaram para sempre; como ele disse: "Nossa bússola encontrou sua estrela guia."

As dificuldades começaram uma noite com uma dor na nuca de Krishna, e Nitya observou ali um caroço, como se de um músculo contraído, mais ou menos do tamanho de uma bola de gude. Na manhã seguinte, os sintomas tornaram-se sistêmicos e mais agudos. Krishna reclamou de calor escaldante alternando-se com períodos de tremores intensos. A dor em seu pescoço se espalhava para sua cabeça e coluna, e às vezes ele ficava incoerente. Ele dormiu a noite toda, mas os sintomas recomeçaram com ainda mais força no dia seguinte.

Esses e outros sintomas persistiram por três dias. Na noite do terceiro dia, de acordo com Nitya, Krishna declarou seu desejo de dar um passeio na floresta:

Agora ele soluçava alto, não ousávamos tocá-lo e não sabíamos o que fazer; ele havia deixado sua cama e se sentou em um canto escuro do quarto no chão, soluçando alto que queria ir para a floresta na Índia. De repente, ele anunciou sua intenção de dar um passeio sozinho, mas com isso conseguimos dissuadi-lo, pois não achávamos que ele estivesse em condições de deambulação noturna.

Então, quando ele expressou um desejo de solidão, nós o deixamos e nos reunimos do lado de fora na varanda, onde em poucos minutos ele se juntou a nós, carregando uma almofada na mão e sentando-se o mais longe possível de nós. Força e consciência suficientes foram concedidas a ele para sair, mas mais uma vez ele desapareceu de nós, e seu corpo, murmurando incoerências, foi deixado sentado na varanda….

O sol se pôs há uma hora e estávamos sentados de frente para as colinas distantes, roxas contra o céu pálido no crepúsculo que escurecia, falando pouco, e a sensação veio sobre nós de um clímax iminente; todos os nossos pensamentos e emoções estavam tensos com uma expectativa estranhamente pacífica de algum grande acontecimento.

É nesse ponto que a pimenteira entra em ação. A narrativa de Nitya continua,

Então o Sr. Warrington teve uma inspiração enviada do céu. Em frente à casa, a poucos metros de distância, ergue-se uma pimenteira jovem, com folhas delicadas de um verde tenro, agora carregadas de flores perfumadas, e o dia todo é o 'murmúrio das abelhas', pequenos canários e brilhantes beija-flores. Ele gentilmente exortou Krishna a ir para debaixo daquela árvore, mas a princípio Krishna não o fez, então foi por conta própria.

Evidentemente, sentar-se sob a árvore teve um efeito notável sobre o estado de espírito de Krishnamurti e efetivamente pôs fim ao período de três dias de provação e sofrimento. Na verdade, a árvore parecia precipitar uma culminação extraordinária para toda a sequência de eventos. Nitya lutou para interpretar o que ocorreu em termos teosóficos, embora Krishna tenha traduzido em uma linguagem mais secular. Em qualquer caso, o que aconteceu a seguir agora é lenda. Continuando com a narrativa de Nitya,

Agora estávamos em uma escuridão estrelada e Krishna estava sentado sob um teto de delicadas folhas negras contra o céu. Ele ainda estava murmurando inconscientemente, mas logo veio um suspiro de alívio e ele nos chamou: "Oh, por que você não me mandou aqui antes?" Então veio um breve silêncio.

E agora ele começou a cantar…. Enquanto Krishna, sob a jovem pimenteira, terminava sua canção de adoração, pensei no Tathagata [o Buda] sob a árvore Bo, e novamente senti invadindo o vale pacífico uma onda daquele esplendor, como se novamente Ele tivesse enviado um bênção sobre Krishna.

Ficamos sentados com os olhos fixos na árvore, imaginando se tudo estava bem, pois agora havia um silêncio perfeito, e enquanto olhávamos, vi de repente por um momento uma grande estrela brilhando acima da árvore ... Inclinei-me e contei ao Sr. Warrington sobre o Estrela….

No dia seguinte, novamente, houve uma recorrência do estremecimento e da consciência semi-desperta em Krishna, embora agora durasse apenas alguns minutos e em longos intervalos. O dia todo ele ficou debaixo da árvore em Samadhi…. Desde então e todas as noites ele se senta em meditação sob a árvore.

A descrição de Krishna do que ocorreu foi escrita alguns dias após os eventos:

No primeiro dia, enquanto estava naquele estado e mais consciente das coisas ao meu redor, tive a primeira experiência mais extraordinária. Havia um homem consertando a estrada; aquele homem era eu mesmo; a picareta que ele segurava era eu; a própria pedra que ele estava quebrando era uma parte de mim; a tenra folha de grama era meu próprio ser, e a árvore ao lado do homem era eu mesmo. Quase conseguia sentir e pensar como o curador de estradas, podia sentir o vento passando pela árvore e a formiguinha na folha de grama que eu podia sentir. Os pássaros, a poeira e o próprio barulho faziam parte de mim. Nesse momento, um carro passou a alguma distância; Eu era o motorista, o motor e os pneus; conforme o carro se afastava de mim, eu estava me afastando de mim mesmo. Eu estava em tudo, ou melhor, tudo estava em mim, inanimado e animado, a montanha, o verme,

Krishna descreveu a noite do terceiro dia da seguinte forma:

Naquela noite ... me senti pior do que nunca. Não queria que ninguém perto de mim nem me tocasse. Eu estava me sentindo extremamente cansado e fraco. Acho que estava chorando de mera exaustão e falta de controle físico. Minha cabeça estava muito ruim e a parte superior parecia como se muitas agulhas estivessem sendo introduzidas….

Eventualmente, eu vaguei pela varanda e sentei-me por alguns momentos exausto e um pouco mais calmo. Comecei a voltar a mim mesmo e finalmente o Sr. Warrington me pediu para ir para debaixo da pimenteira que fica perto da casa. Lá eu me sentei de pernas cruzadas na postura de meditação. Depois de algum tempo sentado assim, senti que estava saindo do corpo. Eu me vi sentado com as delicadas folhas tenras da árvore sobre mim. Eu estava voltado para o leste. Na minha frente estava o meu corpo e sobre a minha cabeça eu vi a estrela, brilhante e clara….

Havia uma calma profunda tanto no ar quanto dentro de mim, a calma do fundo de um lago profundo e insondável. Como o lago, eu sentia que meu corpo físico, com sua mente e emoções, poderia ser revolvido na superfície, mas nada, nada, poderia perturbar a calma de minha alma.

Fiquei extremamente feliz, pois tinha visto. Nada poderia ser o mesmo. Bebi das águas límpidas e puras da fonte da fonte da vida e minha sede foi saciada. Nunca mais poderia estar com sede, nunca mais poderia estar na escuridão total. Eu vi a luz. Toquei a compaixão que cura todas as tristezas e sofrimentos; não é para mim, mas para o mundo.

Já se passaram cem anos desde que Krishnamurti foi descoberto na praia de Adyar, e o significado de sua vida e obra ainda não emergiu totalmente. Sete anos após os eventos sob a pimenteira, ele se afastou totalmente da Sociedade Teosófica. Declarando que “a verdade é uma terra sem caminhos”, ele afirmou que nenhuma organização, por mais benigna que seja suas intenções, poderia ajudar alguém a descobrir a verdade ou levar uma vida de liberdade psicológica. Ele dedicou o resto de sua vida a proferir palestras públicas destinadas a elucidar os contornos da vida diária e da consciência. Ele insistiu que não estava falando como qualquer tipo de autoridade, espiritual ou não, e fez questão de que suas próprias experiências, incluindo os eventos sob a pimenteira, não fossem divulgadas publicamente até o fim de sua vida.

Krishnamurti morreu de câncer pancreático em Ojai, em sua casa em Pine Cottage, em 1986. A pimenteira permaneceu como uma sentinela, protetora e acolhedora, o tempo todo. Alguns anos antes de sua morte, um muro baixo de pedra foi construído ao redor da árvore para proteger suas raízes e seu enorme tronco. Mesmo assim, em 1994, a árvore tombou em sua base uma noite no meio de uma tempestade. Em vista de sua história, os zeladores da árvore se abstiveram de removê-la e ela teve um renascimento notável. Suas raízes ainda estão vivas e novos ramos e folhas frescas continuam a crescer até hoje.

O significado último do que aconteceu a Krishnamurti sob a pimenteira é uma questão que ocupará as gerações futuras. Foi este um momento crucial em seu desenvolvimento como o Instrutor do Mundo, como Annie Besant previra que ele se tornaria? Ou marcou o início de sua ruptura com a Teosofia? Ou, paradoxalmente, eram os dois? Talvez só a pimenteira saiba com certeza.

Postado em 6 de março de 2015 por Eric Williamson

Fonte:

http://krishnamurti-america.blogspot.com/2015/03/the-tree-where-krishnamurti-was-born.html

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

UMA MATRIX DENTRO DA MATRIX

 


Há uma tendência entre os espiritualistas modernos a condenar as crenças tradicionais. Deus, céu, salvação, fé, oração, virtude, etc. são, muitas vezes, vistos com desdém. Para eles, acreditar nessas coisas é dormir o sono da Matrix, ou seja, aquele sujeito ainda não "despertou" do sono da 3D.

 

Ao longo de quase quarenta anos de pesquisas e investigações, cheguei à conclusão de que esses espiritualistas, apesar de condenarem as crenças alheias, também têm suas próprias prisões conceituais. Senão, vejamos:

 

A crença no Deus tradicional, antropomórfico, foi substituída pela crença em uma "Luz", algo abstrato, amorfo, indefinível, universal, eterno, onipotente e onipresente. A crença na salvação foi substituída pela crença na Iluminação - um estado de completa conexão com a luz divina que, quando alcançado, tornará o sujeito rico, próspero, saudável, bem casado e eternamente feliz. A crença no diabo medieval foi substituída pela crença na Matrix, em Maya, nos Arcontes, nos reptilianos e nos iluminates. Os santos tradicionais foram substituídos pelos gurus, espíritos de luz, deuses com quatro braços e cabeça de animais, mestres ascencionados, etc.

 

Não estou criticando as crenças de ninguém mas apenas apontando que nenhuma crença se torna melhor do que a outra simplesmente por que uma foi abandonada e a outra aceita como verdade absoluta; continua sendo crença.

 

Em suma: tudo aquilo que não é vivenciado e experimentado é uma crença, seja o que for. Sei que muitos podem contra-argumentar dizendo que viram os mestres, os ets, que tiveram contato com eles em sonhos, viagens astrais, viram e ouviram tudo aquilo que afirmam ser verdade. Mas os manicômios ainda estão cheios de gente que veem, ouvem e interagem com um monte de coisas imaginárias. Assim, qual seria a atitude mais sábia?

 

Não tenha nada como uma verdade absoluta. E nunca ache que suas crenças são mais verdadeiras do que as dos outros simplesmente por serem suas. Isso o protegerá de suas próprias ilusões. Afinal de contas, você não tem como saber até que ponto você mesmo, com suas crenças, não criou sua própria Matrix dentro da grande e poderosa Matrix.

 

(Alsibar Paz)

29/11/21

Participe do nosso grupo de Mentoria para o Despertar no whatsapp. Link abaixo:

https://chat.whatsapp.com/DdBzIwsxbzY9FbLzHCKOYx


sexta-feira, 26 de novembro de 2021

A UNIDADE DA CONSCIÊNCIA E A CONSCIÊNCIA DA UNIDADE

 




Uma reflexão sobre o texto do vídeo “CONSCIOUSNESS WITHOUT LIMITS” ( CONSCIÊNCIA SEM LIMITES)

Acabei de assistir ao vídeo, “ Consciousness Without Limits” (Consciência Sem Limites) pela quarta vez. O vídeo é sem dúvidas muito bom e muito bem narrado, todavia, passa a impressão de ser  o último palito de fósforo na escuridão da caverna da ilusão. Lamento decepcioná-lo mas não é. Apesar da boa intenção, das lindas figuras de linguagem, das belas imagens, do ótimo som e da narração primorosa, em termos de conteúdo não apresenta muita novidade. É o mesmo clichê das tradições e dos gurus, um pouco mais floreado, sem dúvidas. E, talvez, resida aí o seu grande perigo.

O vídeo começa criando um ambiente de expectativa ao afirmar que ele lhe proporcionará uma experiência única. Sim, como eu disse, é um vídeo muito bem produzido e, obviamente, que em casos assim, a experiência é bem diferente mesmo. Mas, insisto, aí reside mais um motivo de prudência e cuidado: apesar do vídeo proporcionar uma experiência bastante singular aos sentidos, ele pode criar a ilusão de que aquilo que é sentido ao longo da audição  é uma pequena amostra do despertar. Não é. Explico: através dos diversos estímulos sensoriais, o vídeo cria uma experiência muito parecida com aquelas produzidas festas "raves" e tecno. É exatamente a mesma coisa: estimulação dos sentidos e nada mais. Todavia, no caso em questão, com uma roupagem mais “nobre” para dar um quê de espiritual.

Mas o conteúdo se supera em imprecisões e confusões ao misturar verdades profundas  com afirmações duvidosas. Vamos analisar algumas:

1. Reconhecimento da Realidade

Esse é um dos maiores erros dos gurus e de seus seguidores. Por definição, a Realidade é sempre o Desconhecido, portanto, não pode ser re-conhecida. Como pode se ela é viva, sempre nova e se está sempre se renovando? Aquilo que é re-conhecido foi conhecido anteriormente e, se foi conhecido, NÃO é o verdadeiro Desconhecido. Sendo assim NÃO é a Verdade Atemporal.

2. A limitação da linguagem

O vídeo acerta quando fala da limitação da linguagem. Mas erra quando, contrariando sua própria premissa, adentra em um campo onde a linguagem não pode penetrar sob o risco de imprecisões e adulterações. Daí por que você só pode atuar dentro dos limites do conhecido e nunca tentar penetrar no Desconhecido. A linguagem pode apenas apontá-lo vagamente.

 

3. O limite entre o “eu” e o “não-eu”

O vídeo fala de uma forma como se houvesse realmente um limite, visto que esse seria o “primeiro limite que traçamos”. Logo depois ele afirma que não existe limite nenhum. Na verdade tanto o “eu”, quanto o “não-eu” e os “limites” são todos conceituais, tudo está no campo do eu, do conhecido. Ou seja, o próprio “não-eu” — enquanto conceito, ideia, percepção — é a continuidade do eu.

4. Quem tira o “limite primário”?

Outro equívoco importante;  o vídeo diz: “ se tirarmos esse limite primário, todo o edifício se desmorona”. A pergunta é : quem tira? O próprio eu de quem estou tentando me libertar? Quem faz esse serviço? Se não existe eu, quem vai tirar o “limite primordial” do eu?

5. “Se conseguirmos ver através do limite primário a unidade não estará longe”

Novamente, faço a pergunta: quem vê, para quê e por quê? Sutilmente, o vídeo cria um objetivo, um tempo, um “vir-a-ser”, uma condição: “se conseguirmos...” Automaticamente o sujeito pensa: se eu conseguir, estarei livre. Está inserido o fator tempo, o futuro psicológico que é, ele mesmo, a própria prisão da qual o eu tenta se libertar.

6. Entrar na “ Consciência da Unidade”?

Quem entra? Entra aonde? Não há lugar, nem ninguém, nem estado nenhum para se entrar. Caso haja, então não é a Unidade pois o “eu” estará lá “entrando”. E se o “eu” está lá conscientemente entrando na unidade, então, por definição, não é a unidade, já que “eu” e “unidade” são excludentes.

7. Nos comportamos como se o “eu” existisse

Exatamente, o vídeo acerta nesse ponto, mas não percebe que ele mesmo, o próprio autor do texto/vídeo está se comportando como se o “eu” fosse uma realidade, nos diversos pontos que já detalhei aqui.

8. “Quando formos em busca do “eu” primário, não descobriremos qualquer vestígio”.

O autor já revela o final da investigação. Ele já diz o que você vai encontrar: nada. Sim, parece correto. Mas esqueceu de apontar que ali ainda existe um “eu” procurando por si mesmo. E esse “eu” que procura e constata sua própria inexistência, ainda é  a continuação sutil do “eu”. Falando de outra forma: quem faz essa constatação? Quem fica consciente de todo esse processo? Não é o próprio “limite primário? Ou seja, o “eu consciente de si”, sendo assim, ele continua ali, ou não?

9. Procurar a “sensação de um eu separado”

Vamos destrinchar essa afirmação. Quem busca a sensação do “eu separado”? Não é o próprio “eu separado”? Ou seja, o “eu separado” se distancia de si mesmo, para procurar a si mesmo. Faz algum sentido? Óbvio que não. O próprio “eu separado” ao buscar a si mesmo, continua se separando a si mesmo. O que, novamente, é um disparate.

10. O observador, a observação e o observado

Nessa altura do vídeo, temos a impressão que finalmente vai sair algo profundo, todavia, logo depois vem a decepção. Ele diz: o observador, a observação e o observado são aspectos de um mesmo processo e que “nunca, em tempo algum, um deles pode ser encontrado sem os outros”. Como assim? É uma outra confusão. Krishnamurti passou uma vida falando da ausência de separação entre observador e coisa observada. Ou seja, não existe a ‘separação” pois o observador é uma criação da mente. Só isso. Mas, a observação sem a divisão “observador versus coisa observada” existe, claro. Isso é um ponto chave dos ensinamentos de JK. E, particularmente, comprovei essa verdade por minha própria experiência. Sendo assim, você encontrará sim a “observação” sem o “observador”. Nesse ponto do vídeo, há um problema de tradução. E, aparentemente, o tradutor o fez exatamente porque ficaria contraditório e sem sentido. No original ele diz “ não existe o observador, o observado, nem o observar. São três aspectos que designam a experiência da observação.” Mas essa última parte foi traduzida assim: “são três aspectos que designam a experiência do testemunhar”. Ou seja, no original ele fala que há sim somente a observação.

11. A experiência: você não pode ouvir o próprio ouvinte

Como assim? Óbvio que pode, basta fazer algum barulho. Se o ouvinte está em silêncio, obviamente que ele não poderá ser ouvido. Como se vai ouvir algo que não faz barulho? Então, a afirmação: “você não pode ouvir o ouvinte dos sons” é inválida. Faça algum barulho que você ouvirá sim o ouvinte. Onde está o ouvinte? Ouvindo, oras. Novamente, o vídeo cria uma nova divisão: se você apenas ouvir os sons, não haverá nenhum problema, estará tudo certo. Mas quando ele diz para procurar o ouvinte, aí, nesse momento ele cria a divisão, ele cria a separação: ouvinte e som. Ou seja, o próprio texto cria uma nova separação, um problema onde, antes, não existia nenhum.

 

12. “Fundir-se com a totalidade de sons lá fora”

Quem se funde? O “eu” que o próprio vídeo afirma não existir? Novamente, a divisão, a separação é criada através de um suposto apontamento de unidade. A unidade já está aí, não existe nenhum “eu” pra fundir-se com nada. Simples.

13. “Quando ouvi o sino, havia apenas o som!”

Certíssimo, há apenas o ouvir, assim como há apenas o observar. A meu ver esse pequeno relato da iluminação do mestre zen foi o ponto máximo do vídeo. De forma simples, clara e objetiva o mestre foi mais conciso e preciso do que todo o palavreado do vídeo.

14. Ninguém jamais encontrou um “eu” separado da experiência.

É o tipo de afirmação vaga, parcial e, portanto, temerária. Toda a humanidade vive a experiência do “eu” separado. E ele pode sim ser encontrado; é isso o que o verdadeiro autoconhecimento faz: lhe aponta onde está o “eu separado” para que você possa identificá-lo, ver sua verdade e, assim dele se libertar.

15. Você não ouve o som do trovão, você é o som do trovão!

Ora, óbvio que você ouve. Para isso que existem os ouvidos. Mas só existe o escutar. Assim como disse o mestre zen citado pelo próprio autor: só existe o som. Ora, se o mestre não ouvisse o som do sino, como ele poderia percebê-lo e dizer que só existia o som do sino? Então, melhor do que dizer: “você é o som” seria dizer: “só existe o ouvir do som”. Ou seja, a ação, a experiência sem a entidade separada, sem o ouvinte.

16. Seu estado atual é  de consciência da unidade

Não. O estado atual é de separação. O “Estado de Unidade” pode acontecer caso haja uma percepção, um vislumbre dessa verdade não como uma teoria ou conceito, mas como uma vivência direta. E isso não pode ser feito pelo próprio “eu” pois o eu só pode atuar dentro do seu próprio campo de experiência. Ou seja, do conhecido, da fragmentação, da dualidade.

17. Não existe “alguém” que faça nada!

Ao final, ele fala sobre a ideia de “anatta”— não átman, não eu — do Budismo. Todavia, até chegar a essa compreensão profunda e transformadora, o eu continuará existindo como ilusão, como ignorância, como névoa, como miragem. E o indivíduo só se livrará dela se ele mesmo perceber e ver essa verdade. Até lá, ele não pode simplesmente acreditar que não é um “eu separado”. Muito pelo contrário, ele terá que ver o funcionamento do seu próprio “eu” em ação e de como sua mente cria o observador separado. Somente, aí, ao ver e constatar diretamente essa verdade é que ele pode realmente se libertar da separatividade. Até lá, todas essas afirmações não farão sentido nenhum pra ele pois o fato, a verdade para ele é a separação, não a unidade.

18. Quando nos desapegarmos da ideia de um “eu isolado”.

Novamente a pergunta: quem se desapega? O próprio eu que já é, por natureza, isolado? Separado?

19. Medite, olhe para dentro!

O vídeo termina reafirmando os clichês e as práticas milenarmente repetidas pelas religiões, tradições e gurus. Quem olha para dentro e por quê? Quem medita e por quê? São questões cruciais que todo aquele que anseia pela verdade deve se fazer caso queira realmente descobrir a verdade sobre si mesmo e sobre as questões apontadas nesse artigo e no vídeo.

20. Nós nos identificamos com nossa mente!

Pronto! Nos identificamos com as ideias, as crenças e os conceitos — como esses que o vídeo aponta. Então, é preciso questionar isso que o autor chama de “ Filosofia Perene”, mas que, a meu ver, é uma deturpação da mesma. Sendo assim, não se identifique com nada, nem com os supostos conceitos da filosofia perene, nem mesmo com os apontamentos desse texto. Investigue e descubra por si mesmo sua veracidade ou falsidade.

Por fim, quero dizer que a UNIDADE DA CONSCIÊNCIA não tem consciência de sua própria unidade. Se tiver, não será a verdadeira unidade e sim, mais uma ilusão.

P.S: Quero apenas fazer outra observação: ao longo do vídeo é claramente citado vários pontos chaves dos ensinamentos de Krishnamurti: observador e coisa observada, experimentador e experiência, pensador e pensamento, etc. todavia, em nenhum momento seu nome é citado, por que será? Uma pessoa que conhece Alan Watts, a tradição Zen, os ensinamentos de Buda, certamente deve ter conhecido os ensinamentos de JK. O curioso é que só seu nome foi excluído do vídeo, não suas ideias e ensinamentos. Muito estranho, não?

By Alsibar Paz

26/11/21

Link do vídeo: Consciousness Without Limits




 

 

 

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 24 de novembro de 2021

O LEGADO ( MALDITO) DO OSHO ( Bhagwan Shree Rajneesh)

 



Melanocetus johnsonii, mais conhecido como Peixe Diabo Negro, é uma espécie que vive nas profundezas oceânicas abissais onde não a luz não penetra. Ele atrai suas presas através de uma pequena “falsa luz” que é usada como isca para atrair peixes menores. Fascinados por aquela luz, as presas não têm chances contra a mordida e o veneno poderoso do Peixe Diabo Negro. Quando esse texto começou a ser gestado, logo de cara me veio a lembrança desse peixe como a imagem perfeita para simbolizar o Osho: uma falsa luz espiritual cujo único objetivo era prender aqueles que,  por sorte ou azar, entravam em contato com ela. O veneno do Osho não era apenas viciante e paralisante, espiritualmente falando, ele era muito mais perigoso do que se imaginava.

Peixe Diabo Negro

É inegável a contribuição do Osho para a libertação espiritual e sexual de toda uma geração de buscadores. É inegável o quanto ele ajudou a espalhar nomes de místicos, líderes e sábios famosos como Krishnamurti, Kabir, Ramana, UG Krishnamurti,  Gurdjieff, mestres do budismo e do sufismo Zen, etc. Ninguém pode negar também que muitos dos seus ensinamentos são belos, poéticos, sábios e ,  por que não, profundos?

 Mas, o que pouca gente sabe, principalmente aqueles que não viveram na época em que o mesmo estava vivo, é que todos esses aspectos positivos do fenômeno Osho tinha um endereço certo, uma clara intenção por trás: fazer adeptos, criar uma nova religião, criar um séquito de fanáticos seguidores, criar uma comuna poderosa e autossustentável, fundar uma cidade com o nome do Rajneesh, dominar tudo o que estivesse pela frente, passar por cima de todos, etc. o objetivo final parece trama de filme de ficção : dominar o mundo ou, pelo menos, uma boa parte dele. Muita gente despertou a tempo desse pesadelo — eu mesmo fui um deles. Quando ele morreu, havia uma sensação de que finalmente, o maldito Osho deixaria de fazer suas vítimas ao redor do mundo. Ledo engano!

Recentemente recebi um vídeo de um ex-sanyasin do Osho em que ele dizia que não estava nem aí para o que Osho fazia, pois sua presença era o que havia de mais importante nele. É desse tipo de coisa que falo: Osho se foi, mas deixou um séquito de seguidores cegos que estão dando continuidade ao seu projeto malicioso. Ao redor de todo o mundo e, principalmente, no Brasil pessoas ávidas por poder espiritual estão ocupando o espaço vazio deixado pelo Osho. Não é um fenômeno isolado e também não é algo novo. O próprio Michel Holly Hell da Netflix já usava as mesmas técnicas do Osho para enganar e explorar sexualmente os jovens. Basta assistir ao documentário Holly Hell para ver as incontestáveis semelhanças entre os dois: gestos, técnicas, termos, linguagem, abordagem, etc. Os sociopatas viram no Osho a receita infalível para conseguirem alcançar a excelência no campo da manipulação e controle mental usando a espiritualidade como pano de fundo. E o resultado?

Michel Holly Hell ou Andreas

Não há uma pesquisa séria nesse campo pois é um assunto delicado e tabu, afinal, estamos falando de liberdade religiosa que, no Brasil, é sagrada e intocável. Não é à toa que João de Deus passou uma vida estuprando, enganando e explorando as pessoas sem nunca ter acontecido nada com ele — apesar das várias denúncias ao longo do tempo. Se não tivesse sido a repercussão nacional trazida pelas reportagens da TV, com certeza, ele ainda estaria fazendo vítimas.

No caso dos imitadores do Osho, muitos ainda estão em começo de carreira, suas vítimas ainda são poucas e muitos das suas nefastas atitudes não podem ser tipificadas como crimes ou ilegalidades. Em geral, são pequenos deslizes: exploração da fé, preços exorbitantes por uma sessão, lavagem cerebral, hipnotismo, mentiras, ameaças veladas e desonestidade. Coisas realmente tão subjetivas que fica difícil tipificar e provar seu caráter perigoso e ilegal. Alguns desses gurus procuram se prevenir juridicamente, fazendo com que a vítima assine um termo em que exime o guru e sua organização de toda e qualquer responsabilidade por qualquer dano, financeiro, psicológico ou emocional que a vítima venha eventualmente a sofrer . Um total absurdo.

                 Ao longo desse meu contato com as redes sociais, tenho conhecido muitos gurus ou protótipos de gurus: pessoas que sonham em se tornar tão famosos, ricos e poderosos quanto o mestre. Alguns estão seguindo direitinho a cartilha maligna deixada pelo seu líder: minta, engane, explore, afague, hipnotize, controle. Use palavras bonitas, verdadeiras e tocantes: mesmo que não sejam suas, não precisa dar os créditos. Apenas fale as palavras que as pessoas querem ouvir. Denuncie os gurus, diga que não é guru, mas, na prática, seja seu líder e guru supremo. Faça seu marketing em cima da imagem de um homem sábio, iluminado e autorrealizado. Manipule de forma sutil para que as pessoas não percebam que estão sendo manipuladas.  Fale, sempre que possível, palavras sem nexo. Quando a mente está dominada, não importa o que você fala nem o que você faz. E, assim, aos poucos vá fazendo sua carreira de guru de sucesso.

Osho se foi, mas deixou um legado maldito que sem dúvidas repercutirá por muitos anos e, talvez, séculos através daqueles que estão copiando seus métodos nocivos de controle mental. Muitos desses candidatos a Bhagwan brasileiro usam a imagem de outros gurus mais populares e menos polêmicos: uma forma de penetrarem mais facilmente na mente das pessoas sem grandes resistências. Afinal, se apresentassem o Osho como mestre, a resistência seria bem maior por motivos óbvios. Mas, logo se vê que seu modus operandi é exatamente igual ao do Osho, não do outro guru que ele apresenta ao público como sendo seu mestre.


Frequentemente, escuto notícias de alguém que foi vítima desses gurus, alguns chegaram, inclusive, a me procurar — totalmente arrasados e destruídos: espiritualmente, emocionalmente e financeiramente. Não penso que quem causa essas coisas, de forma consciente e intencional, se livrará do carma que estão acumulando para si. Lamentavelmente, a droga do poder e do sucesso, não os permite enxergar que não estão agindo como iluminados, mas como monstros. A ilusão de maya  ataca a todos, inclusive aos supostos gurus. Em sua sanha por poder, fama e dinheiro, usam de tradições espirituais sérias e da imagem de gurus autênticos para satisfazer seus intenções megalomaníacas. O estrago que fazem na psique das pessoas é incomensurável. Até onde isso vai dar?

Enfim, pouco ou nada posso fazer. O que posso estou fazendo: esclarecendo, avisando as pessoas para não caírem nesses golpes. Para ficarem atentas contra os perigos e armadilhas nesse campo da espiritualidade. A falsa luz é uma realidade, um fato. Pesquise, analise, questione, duvide, não siga, não obedeça, investigue por si mesmo, seja seu próprio mestre. Não entregue sua vida nas mãos de ninguém. Não se deixe atrair pela falsa luz. E, aos que estão fazendo isso, mesmo sabendo o mal que estão causando, fica aqui o recado de Jesus, o mestre dos mestres: “ a quem mais foi dado, mais será pedido!”

By Alsibar Paz

24/11/21

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

MEU DEUS NÃO É O DE SPINOZA




O Deus de Spinoza' é no mínimo estranho e contraditório. Ao mesmo tempo que desautoriza os Mandamentos, ao longo do texto, não faz outra coisa a não ser mandar. Manda a pessoa parar de rezar e ir desfrutar a vida, como se as duas coisas fossem excludentes. Não dá pra rezar e, ao mesmo tempo, aproveitar a vida?


O Deus de Spinoza me parece bastante neurótico. Ao mesmo tempo que ele diz que não se incomoda com nada, ele passa o texto todo falando exatamente das coisas que não quer e que, portanto, parece incomodá-lo sim. Se incomoda com as rezas, as escrituras e até com os louvores.


O Deus de Spinoza ao mesmo tempo que diz estar nas montanhas, nos rios, nas praias, também diz para pararmos de procurá-lo fora. Realmente, me parece uma imagem muito mais neurótica do que aquela apresentada pelas religiões tradicionais.


Meu Deus não é o deus de Spinoza. Meu Deus é amoroso, compassivo e compreensivo com nossos erros, falhas e limitações.


Meu Deus é o Deus de Krishna que diz: ' Aquele que me oferecer, com amor e devoção, uma folha, uma flor, frutas ou água, Eu as aceitarei.'


Meu Deus é o Deus de Yogananda que diz: eu estou em todas os lugares e em todos os templos onde quer que haja um coração sincero e devocional, independente de crenças e tradição religiosa.


Meu Deus é puro amor e, por amor, ele faz a justiça, não para castigar ninguém mas porque é através  das leis divinas que as entidades vivas aprendem, amadurecem e evoluem espiritualmente.


Meu Deus está tanto dentro quanto fora de mim. E se ele está em tudo, então os cânticos, rituais, símbolos e orações - quando feitos com sinceridade e amor - são meios limitados, mas legítimos, de se buscar uma aproximação com o Sagrado.


O meu Deus aceita sim o perdão como meio de cura, mas nunca o sentimento de culpa. O perdão é um artifício útil para elevar a consciência daquele que, por ignorância, cometeu algum ato leviano e imprudente. Nem todos precisam do perdão, mas alguns sim: tanto para si mesmos, quanto para com os outros.


Sim, não existe o inferno enquanto lugar ou uma região específica. Mas existe o inferno da consciência, da dor do conflito, do sofrimento mental. É impossível dizer quanto tempo durará, anos, séculos, vidas? Vai depender da dureza do coração de cada um. Deus não castiga ninguém, é o próprio homem quem se castiga através de suas atitudes, pensamentos e sentimentos.


Deus não é contra as crenças, se o fosse, não teria feito o homem com o poder de criá-las. Cada pessoa acessa Deus conforme suas condições e entendimento. Algumas pessoas precisam da crença para lhes dar força, motivação e esperança. O nível das crenças é como o 'leite' do Apóstolo Paulo, o nível do 'místico' é como a carne. O alimento Espiritual é dado conforme a capacidade e limitação de cada um.


Deus não rejeita ninguém pois é pura fonte de Amor e Compaixão. Apesar disso, suas Leis são perfeitas, eternas e imutáveis.   E se ele está em um amanhecer, no anoitecer e na Natureza, ele também está em todos os objetos, inclusive nos livros sagrados. E mesmo que elas tenham sido deturpadas pelos homens, é possível extrair-lhes o tesouro do Dharma, quando o coração se abre à Verdade. Dizer que Deus está em tudo e em todos não o exclui, obviamente, das escrituras, da literatura, da música, da arquitetura, da dança, da pintura e das Artes em geral.


Esse é o meu Deus. Que não é meu, mas de todo mundo, inclusive de crentes e ateus.


By Alsibar Paz

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

CORRA, ANTES QUE VOCÊ MORRA!

 


De uns tempos desses para cá, talvez por conta do advento da internet e a facilidade de acesso às informações, tem aumentado o questionamento acerca da natureza da realidade tangível. Afinal, essa dimensão na qual nascemos, crescemos, vivemos e morremos é real ou tudo não passa de um sonho? Há muito tempo que cientistas, gurus, religiosos, místicos, estudiosos, sábios, filósofos, ateus e pessoas comuns debatem essas questões em seus artigos, escritos, conversas, ensinamentos e, agora, nas páginas, grupos, cursos da internet e whatsapp. E eu fico pensando: que diferença faz quem está certo ou errado nessa questão? O que vai mudar? O sofrimento diminui no sonho ou, ao contrário, aumenta? O que muda na vida da pessoa se ela acreditar em uma coisa ou noutra?

A meu ver é um debate totalmente inútil.  Fico tentando descobrir algo mais útil: por que as pessoas se debruçam sobre tais questões cuja resposta nunca saberão com certeza? Desde o tempo de Sidarta Gautama, o Buda, já havia calorosos debates sobre tais assuntos. Buda evitava respondê-las pois sabia que a resposta não iria fazer diferença nenhuma na vida do sujeito . Certa vez ele contou a parábola de um homem que fora atingido por uma flecha e que dizia que só permitiria que lhe tirassem a flecha depois que soubesse sua origem, quem a atirou, porquê, qual casta etc etc. Então, Buda perguntou aos discípulos: o que provavelmente aconteceria a este homem? Os discípulos responderam: certamente morreria. Então, ele disse: da mesma forma, não se preocupem com esses tipos de questões por que elas são inúteis. Tratem de tirar a flecha causadora do sofrimento, caso contrário morrerão antes de encontrar as respostas.

Particularmente, acredito que há níveis de realidade. O sonho é um nível de realidade, a vida que vivemos nesse mundo é um nível de realidade mais concreto em relação ao mundo onírico; o despertar é um nível mais real em comparação ao estado mental ordinário; depois que morrermos iremos para outro nível de realidade e assim por diante. Mas, repito, que diferença faz você concordar ou discordar de mim? Ou ao contrário, se eu concordar ou discordar de você? Por que não tentamos ser mais práticos e inteligentes? Qual é o fato? O fato é que sofremos e criamos todo tipo de artifícios para fugir da nossa realidade – seja ela de que natureza for.

Mais recentemente, Krishnamurti, um buda moderno, afirmava que a casa está em chamas e quando você percebe esse fato, o que você faz? Vai ficar se perguntando se é realidade ou um pesadelo ou vai tentar sair imediatamente da casa? Como você saberá se é sonho ou não? Você vai ficar esperando encontrar as respostas para só depois  tomar as providências necessárias? Penso que essa é uma atitude, no mínimo, imprudente.

Se sua casa interna arde no fogo do sofrimento esse é o fato, o que é. Em meio ao incêndio, a própria mente se torna confusa e sem clareza para responder corretamente a tais questões. Além do mais, não há tempo. O tempo está passando, gaste suas energias e foque sua atenção no que realmente importa: salvar sua vida. Se for só um sonho, você acorda. Se for real, você se livra da morte. Se percebeu que o prédio está caindo desça e saia imediatamente. Se o barco está afundando, coloque logo um salva-vidas - sua vida pode depender de uma ação rápida e enérgica. E se começar um incêndio em sua casa, apague-o, saia ou chame os bombeiros. É totalmente tolo, inútil e imprudente ficar se perguntando se a tragédia que está acontecendo diante da sua cara é sonho ou realidade.

A nossa casa interior está sendo consumida pelo fogo do sofrimento. O conflito e a ansiedade estão diariamente fazendo vítimas fatais. Mesmo que a vida nesse plano seja uma ilusão, o sofrimento que se vive é bem real. Negar a realidade não nos livrará das consequências de nossas ilusões, fugas e imprudências. É necessário assumir o protagonismo da nossa vida e agir no sentido de evitarmos, dentro das nossas possibilidades, mais sofrimentos além daqueles que a vida nos impõe.  Aja, antes que seja tarde demais. Tire a flecha ou corra, antes que você morra!

terça-feira, 26 de outubro de 2021

O NEO-ADVAITA E A DESUMANIZAÇÃO PELA INSENSIBILIZAÇÃO

 



 Tenho observado nos últimos tempos uma tendência crescente para se confundir espiritualidade com insensibilidade. Devido à ascensão de correntes orientais no ocidente, em especial, da tradição indiana conhecida como advaita-vedanta (não-dualista) trazida e disseminada pelos gurus ocidentais, tenho visto um aumento considerável de pessoas interpretando o vedanta como uma filosofia que vai gradativamente abolindo a capacidade de sentir. Sob a justificativa da crença que afirma que tudo ligado à matéria é ilusão e que apenas a “consciência”  é verdadeira, criou-se uma outra ilusão: a de que iluminação é a capacidade de  não sentir e, assim, não sofrer. O resultado é uma visão confusa e perigosa acerca do verdadeiro significado de espiritualidade. Se evolução espiritual significa tornar-se insensível, então todos os esforços são feitos no sentido de abstrair a mente da realidade concreta e de qualquer situação que possa causar tristeza, angústia ou sofrimento. Até mesmo o termo “pessoa” é abolido como forma de não se identificar com as vulnerabilidades do corpo . “Você não é o corpo! Você não é seus pensamentos! Você é a Consciência por trás deles!”. À primeira vista, parecem sentenças profundas e sábias, mas só à primeira vista.  Uma análise mais apurada pode nos revelar exatamente o contrário.

Quando os grandes mestres autorrealizados como Sankara, Ramana, Nisargadata dentre outros, proferem sentenças como essas, eles partem de uma percepção muito avançada acerca da natureza essencial do “eu”.  Ou seja, eles se movem da experiência para o discurso e não o contrário. Isso significa que eles falam de uma experiência real, direta e objetiva e não do que os outros disseram ou do que leram. Foi essa vivência que os fez perceber  que por trás da aparência visível da realidade,  existe “ Algo” maior que alguns chamam de  Luz, Consciência, Deus, Fonte, Amor, Imensurável, etc.  Até mesmo os cientistas já reconhecem que a natureza da matéria não é sólida, que tudo é feito de pequeníssimas partículas de energia, luz e, mais profundamente, espaço e vazio. Então, não há nada de novo nos discursos dos gurus neo-advaitas. O que há de novo é a má interpretação que estão fazendo desse conhecimento, gerando um fenômeno perigoso entre seus adeptos: a desumanização do homem através da insensibilização.

De acordo com essas pessoas, o sentir está ligado ao corpo e, portanto, não devem sentir pois eles são a “ Consciência” e a consciência não sente, não muda, não se apega, não se identifica. Desta forma, criam um estado de completa abstração da realidade para se refugiarem em um estado mental idealizado  em que se sentem seguros e protegidos.  Para eles, quanto maior a insensibilidade, maior a espiritualidade. É claro que não estou dizendo que todos fazem isso, mas que há uma tendência, por parte de alguns, em confundir insensibilização com elevação espiritual. O resultado é a temerária construção  de um estado mental  em que o ser humano é reduzido a coisa, pois se se lhe tira a sensibilidade, tira-se também sua humanidade.

Ora, Jesus — para alguns, o maior de todos os iluminados — nunca defendeu tal tese. Pelo contrário, o que se vê nele é uma vida de muita emoção, sensibilidade, compaixão e paixão. Krishnamurti, um iluminado moderno, por várias vezes enfatizou a importância da sensibilidade, de sentir o vento, os cheiros, as cores, a beleza da natureza, etc. Isso nos leva a refletir o seguinte: embora algumas correntes religiosas conservadoras condenem os sentidos ensinando, inclusive, a controlá-los, essa atitude pode não passar de um grande equívoco. De acordo com Krishnamurti o controlador  é o controlado e, sendo assim, o controle é uma ilusão pois cria mais conflito e sofrimento. Outros iluminados de outras correntes como Yogananda, Sri Yuktéswar, Lahiri Mahasaya e até Babaji, em nenhum momento deram a entender que a realização espiritual significaria a extinção total das emoções e dos sentimentos. Então, tudo leva a crer que está havendo uma espécie de “ilusão de ótica coletiva” nisso tudo.

O problema é o seguinte: cada pessoa só pode falar daquilo que vivencia. O ideal de Ramana de uma vida ascética, apartada do corpo, das emoções e da realidade sensorial era verdadeiro para ele que escolheu o caminho da renúncia.  Por ser uma alma elevada, sua mente mergulhava naturalmente em profundo êxtase, alcançando com facilidade estados elevados de consciência. Todavia, quando uma pessoa comum, com a mente inquieta e cheia de conflitos, fica apenas tentando imitá-lo, não é a mesma coisa. Ao invés de realização espiritual passa a ser invenção mental. Em suma, o que acontece é que a mente começa a condicionar a si mesma, criando para si um mundo ideal em que se exclui tudo aquilo que possa significar dor. Infelizmente, isso não é advaita mas sim uma deturpação do advaita. Quando a mente se divide em “Personagem e Ser”, ou quando ela  resiste a qualquer emoção que possa perturbar sua suposta paz, ela não está sendo não-dualista. Pelo contrário, ela está criando resistência pela não identificação, o que constitui uma fuga da realidade. É uma forma esperta que a mente encontra de evitar a dor e, de quebra, ainda ganhar o status de  “Desperto”. Mas, a verdade é que isso não funciona por muito tempo. Se a cada desafio, problema ou situação difícil, houver, por parte do sujeito, apenas uma negação mental  do fato, sob a justificativa de “não ser real”,   o que ele faz  não é muito diferente daqueles que usam drogas , bebem ou tomam remédios para esquecer dos problemas. Certamente que tal atitude não demonstra lucidez espiritual, mas fraqueza, imaturidade e covardia.

Grandes mestres como Jesus, Krishnamurti, Sri. Yuktéswar e Nisargadata não fugiram da vida, não a negaram. Pelo contrário, vivenciaram-na em todas as suas nuances, desde o prazer de um bom vinho, uma boa comida, uma boa companhia até a dor de uma crucificação, da traição ou de um câncer mortal. Não há vida sem sentimentos ou emoção. Jesus nunca seria um grande mestre se não tivesse sentido em si mesmo a dor dos sofredores e oprimidos. Sendo assim, se você está começando a estudar o advaita através desses gurus ocidentais modernos, tenha muito cuidado não só com aquilo que eles lhe transmitem, mas também com a sua própria interpretação. Não se deixe impressionar pela beleza dos seus discursos e  tenha o máximo de cautela com aquilo que eles ensinam. Não se deixe levar tão facilmente por suas palavras e mantenha-se atento para perceber as sutilezas do discurso que podem levá-lo à desumanização. Mantenha o "desconfiômetro" ligado pois, embarcar numa ilusão como sendo realidade pode até ser bom no começo, mas, no final, pode custar-lhe muito mais caro do que você imagina.

By Alsibar Paz

Links: YouTube:https://youtube.com/c/DESPERTAREScomAlsibar

Grupo Mentoria Whatsapp: https://chat.whatsapp.com/CQzdx065Vk2FcmXLp08rpX

INSTA : @Alsibarpaz

https://alsibar.blogspot.com/2021/10/o-neo-advaita-e-desumanizacao-pela.html

 


domingo, 24 de outubro de 2021

SOBRE KRISHNAMURTI E YOGANANDA

 



Recentemente, houve no grupo de mentoria que oriento, uma discussão acerca da validade de ensinamentos espirituais diferentes daquele apontado por Krishnamurti e no caso específico, o caminho de Yogananda. É inevitável que haja um choque entre essas duas visões tendo em vista que ambos apontam caminhos diversos para o mesmo objetivo. Mas quem está correto? Por que essas duas correntes, aparentemente verdadeiras, são tão diferentes entre si?

Paramahansa Yogananda e seus mestres estão inseridos no contexto da tradição religiosa hindu. Mesmo que sua mensagem seja universal, não tem como se desprender da influência da tradição, sociedade e cultura em que viviam. Isso aconteceu com todos os grandes mestres. Buda dialogou com o Brahmanismo, a corrente hindu predominante na sua época. Seus ensinamentos e visão estão recheados de termos e expressões dessa tradição, seja afirmando, refutando ou simplesmente referenciando. Jesus, apesar de ter vivido a experiência do  Despertar  como um fenômeno Universal, Eterno e Humano, não teve como se livrar do peso da cultura e da sociedade em que estava inserido. Os elementos de seu discurso e ensinamentos, tais como: termos, linguagem, exemplos e expressões foram inevitavelmente tirados do seu próprio background, do contexto em que ele vivia e fora criado. O discurso é um fenômeno social, influenciado e condicionado pelo meio em que se vive. No caso de Krishnamurti, por mais que tenha se livrado do peso da sua educação e cultura em que crescera, e por mais universalista que se tentasse ser, era inevitável falar sobre mestres, tradições, religiões, condicionamentos, organizações, meditação, iluminação, etc. —até mesmo como forma de refletir sobre suas influências e limitações em nossas vidas. A questão, portanto, não é se livrar totalmente dessas influências, mas saber até que ponto ela atrapalha e altera  nossa percepção da Verdade, daquilo que é verdadeiro.

Yogananda não lutou contra o seu meio, condicionamento e tradições — pelo contrário, ao reafirmar e confirmar seus valores e crenças, tornou-se ele mesmo uma peça fundamental para sua legitimização e validação. É preciso ter o discernimento para saber onde termina o campo puramente social, cultural e religioso e começa a experiência pura da verdade universal. Os elementos puramente culturais são, por definição, superficiais e convencionais. Servem para comunicar, dentro de suas limitações, a experiência que está além de toda linguagem. Por isso que JK sempre enfatizava que a experiência não é palavra, a coisa não é o objeto, a palavra não é a coisa. A “coisa” está muito além de toda expressão, mas a linguagem é fundamental para poder transmiti-la aos outros. Consciente dessa questão e vendo que, muitas vezes, as pessoas se apegam ao meio e esquecem o fim, adoram o dedo mas esquecem a Lua, JK enfatizou essa problemática de uma maneira radical, como nem mesmo o Zen o fez. Assim fazendo evitou, dentro dos limites do possível, usar palavras e expressões com significados estabelecidos pelas tradições religiosas. Muitas vezes, perdia quase uma hora tentando explicar os novos sentidos que estava dando a cada palavra e expressão. Assim, termos como : observação, atenção, inteligência, meditação, verdade, ordem,  tempo, Deus, ação,  religião, etc. foram todos ressignificados. Yogananda e seus mestres não foram por essa direção. Ao contrário, tentaram trazer para a humanidade um novo impulso, um novo ânimo e esperança dentro da própria tradição. Conseguiram? Talvez sim, talvez não.

O caminho de Yogananda e seus mestres se apresenta como uma nova perspectiva dentro do caminho milenar da Yoga Tradicional. Sua Kriya Yoga nada mais é do que a releitura do caminho dos grandes mestres do passado, os Rishis ou grandes sábios da Índia antiga. Ao apresentar ao mundo a existência de grandes almas iluminadas (Yogues) vivendo nesse mundo, alguns deles, como seu próprio mestre, a poucas quadras de sua casa, ele ajudou a tirar o iluminado do pedestal de distanciamento e sacralidade presente no imaginário popular. O próprio Yogananda, talvez influenciado por essa perspectiva idealizada, duvidou da iluminação de seu próprio mestre e o abandonou, indo em busca de um Yogue distante, recluso e renunciante. Ora, por que será que Yogananda abandonou seu mestre? Claro que ele não fala. Todavia, é óbvio que de alguma forma ele não estava satisfazendo suas expectativas e aspirações. O fato é que Sri. Yuktéswar era um homem inserido na sociedade e  foi caracterizado no livro como um mestre rígido, às vezes imaturo, às vezes infantil — quando, por exemplo, não cumprimentou Babaji mostrando-se ressentido por ele não ter lhe esperado no Kumb Mela — e muito emotivo ( por exemplo, quando Yogananda foi para o Ocidente ele caiu em prantos). Ou seja, talvez ele fosse, “humano demais” para os padrões de Yogananda. Mas, ficou a grande lição que aponta na mesma direção de Krishnamurti: somos todos seres humanos sujeitos a falhas, erros e imperfeições.

Krishnamurti e Yogananda são muito diferentes, por certo. Seus ensinamentos não têm nada a ver um com o outro exatamente porque um segue a tradição e o outro a nega. Enquanto Yogananda diz que há um caminho científico para Deus, Krishnamurti, por sua vez, o nega radicalmente. Ambos, têm lá suas razões. Particularmente, acredito que o sucesso de Yogananda se deve à presença física dos mestres. Como descrito por ele mesmo, os próprios mestres intervinham de forma direta na evolução espiritual do discípulo. Um fenômeno realmente raro, mas que nem sempre dava certo. O próprio Yogananda descreve que vivia pedindo a seu mestre pela experiência da Consciência Divina ou Samadhi e este, por sua vez, lhe dissera várias vezes que ele não estava preparado. Mas, o certo é que só o Samadhi em si não é o bastante para revelar Deus. A pessoa precisa estar também preparada para entender seu significado profundo e estar madura o bastante para que aquela experiência cause uma transformação positiva em sua vida. Além disso, um Samadhi muito intenso, ou na hora errada, pode trazer grandes problemas na psique do sujeito. Daí o cuidado e a cautela do seu mestre. Samadhi por Samadhi, o chá está aí para quem quiser, mas quantos se iluminaram através de um Samadhi artificialmente provocado? Ou até mesmo por um Samadhi acidental? Ninguém. Muitos ficaram com sérios problemas psicológicos.

Em Krishnamurti não existem mestres, nem métodos, nem organizações. Os mestres da tradição de Yogananda já se foram. E o que começou como um movimento vivo de almas  espiritualmente elevadas, agora tornou-se mais um movimento religioso nos moldes das religiões tradicionais. O dedo sobrepujou-se à Lua.  Atualmente, não há apenas uma organização da tradição iniciada por  Babají, há diversas, sem falar nas brigas jurídicas em torno da verdadeira “Kriya Yoga “, da verdadeira tradição e dos direitos autorais do legado deixado por esses grandes mestres que, diga-se de passagem, não estavam nem aí para isso. A história se repete, os mesmos erros do passado se repetem. E aí fica mais claro entender por que Krishnamurti evitou com todas suas forças criar uma nova organização religiosa. Se por um lado as organizações são importantes para perpetuar a memória e preservar os ensinamentos dos grandes mestres, por outro lado elas se tornam fator de divisão e conflito.

Por fim, cada um siga o caminho que mais lhe apetece e com o qual mais se identifica. Independente do caminho de Yogananda estar certo ou não, não é isso que vai iluminar ou impedir a iluminação daqueles que realmente estão preparados para ela. Ramana Maharshi nunca praticou nada, não seguiu método nenhum e não teve mestres, mesmo assim, naturalmente,  a Verdade despertou dentro dele. Já Nisargadatta Maharaj teve um guru que lhe ensinou um método que ele seguiu e em poucos anos se iluminou. Como disse UG, não há regras, não há meios, ninguém sabe como isso acontece. De repente, “por um golpe de sorte você tropeça nisso”. Mas, sinceramente acredito que tanto Yogananda quanto Krishnamurti têm sua validade. Aquilo que falta em Krishamurti - uma abertura maior ao misticismo mesmo que seja apartado da tradição convencional- pode ser encontrado em Yogananda. E o que falta em Yogananda - essa percepção de que Deus/a Verdade não pode ser subjugada, nem alcançada por nenhum método direto - pode ser encontrada em Krishnamurti. Na dúvida, duvide de ambos e descubra por você mesmo a verdade acerca dessa questão.

By Alsibar Paz

Links: YouTube Canal Despertares com Alsibar: https://youtube.com/c/DESPERTAREScomAlsibar

Grupo Mentoria Whatsapp: https://chat.whatsapp.com/CQzdx065Vk2FcmXLp08rpX

INSTA : @Alsibarpaz

Face: Alsibar Paz

Blog:  https://alsibar.blogspot.com/