Algumas pessoas tem me
enviado perguntas sobre o uso do chá Ayahuasca ou Santo Daime. Dentre as
respostas que dei escolhi essa para ajudar aqueles que estão cheios de dúvidas
e confusos em relação ao seu consumo. Quais os benefícios e riscos do consumo do chá para a mente, corpo e
espírito do indivíduo? Qual a importância do uso do chá para a evolução e
aprimoramento espiritual? Lembrando que
essa análise é baseada em minha experiência e percepções pessoais - não se pretendendo,
obviamente, ser uma verdade absoluta e incontestável.
Caro Alsibar,
Bom dia,
o principal motivo deste e-mail é sanar dúvidas que tenho no caminho espiritual.
No começo do ano eu e alguns amigos começamos a fazer os rituais da ayahusca,
mas tenho as minhas duvidas sobre o que estou fazendo. Agradeço se puder sanar
esta duvida se eu e meus amigos estamos em um caminho correto ou ilusório?
Desde já
agradeço
Caro amigo,
O chá em si não é bom nem mal, é apenas uma
bebida que desperta alguns poderes latentes no homem, fazendo com que a consciência se expanda por
alguns momentos adentrando dimensões desconhecidas e imperceptíveis no estado
de consciência ordinária. Entendo o chá como uma energia secreta presente na
natureza, possibilitando que povos longínquos e isolados pudessem ter
vislumbres do oculto, do transcendental, do mágico. Sabe-se também que tais
percepções são comuns aos meditadores , iogues e místicos quando absorvidos em
profundo estado de transe. O chá possibilita isso de forma rápida e
instantânea, dispensando anos de dedicação, treino e amadurecimento espiritual.
Para quem não se vale desse subterfúgio, essas percepções vem naturalmente ao
longo do caminho espiritual, mas representam apenas uma fase, uma etapa da
jornada. O buscador experiente não se distrai ou se deixar seduzir por estas visões e
experiências, mas continua firme em seu caminho em direção ao que realmente
interessa : o encontro com a Verdade, a Liberdade, e a Paz.
Há vários
relatos sobre os efeitos benéficos do chá como, por exemplo: limpeza interna de
bloqueios energéticos e emocionais, cura de traumas , resolução de problemas a
nível psíquico, emocional e energético, maior autoconhecimento , resolução de
conflitos inconscientes, perda do medo da morte etc. A pessoa pode se tornar
mais calma, alerta, sensível, serena e presente . Tudo isso pode acontecer.
Todavia, quando o efeito do chá passa e a consciência retorna ao seu estado
ordinário, o ego volta a desorganizar e poluir tudo o que o chá limpou e
organizou. E então a pessoa volta de novo a tomar o chá e o ciclo começa de
novo. Em suma: o chá não limita, nem diminui as ações autocentradas e
separatistas do ego. Em alguns casos, ele o fortalece por conta da sensação de
poder gerado pelo seu consumo . Muitas pessoas se sentem superiores, especiais
ou diferentes pelo fato de tomarem o chá, ou fazerem parte desta ou daquela
organização. Pude testemunhar isso
pessoalmente . Em alguns casos, o ego se identifica com o movimento, a organização e então
passa a agir em nome da causa, justificando para si mesmo suas atitudes
autocentradas e egoístas em nome de um
ideal utópico. Aí entram a exploração financeira, a arrogância, a prepotência,
a ambição , o proselitismo e a competição entre os membros internos . Fenômeno
não muito diferente do que ocorre com as religiões e movimentos religiosos em
geral.
Não acho
que o chá seja uma droga comum, ou um alucinógeno qualquer - ele realmente te
leva a uma viagem arquetípica que se bem aproveitada pode possibilitar uma
compreensão diferenciada da vida. Todavia, critico e abomino a mercantilização
do chá pelas organizações que dele se apropriam. Apesar de entender que a
organização precisa do recursos para se manter, percebe-se que o dinheiro é
muitas vezes usado para expansão e consolidação do poder de atuação e
influência do movimento sobre a sociedade. Além disso, como o uso do chá é monopolizado
pelas organizações, uma vez que ele só pode ser usado em cerimônias religiosas,
a pessoa se vê obrigada a se submeter a alguma organização para
poder experimentar a magia do chá.
Em alguns casos, o chá pode ser uma espécie de atalho arriscado e
perigoso. Ao despertar certas faculdades latentes, o chá dá acesso a uma
dimensão que o meditador ou iogue só alcança depois de anos e anos de muita
dedicação e meditação. Esse tempo é necessário para preparar e amadurecer a
mente do indivíduo para as extraordinárias percepções vindouras . Abaixo cito 5
riscos que correm aqueles que não estão espiritualmente preparados e maduros
para a experiência do chá:
1.O apego às sensações
produzidas pelo chá é o mesmo apego às coisas materiais, faz a pessoa ficar
presa à organização, ao grupo ou às sensações causadas pelo chá. Falei apego -
não dependência.
2.A estagnação do espírito é
o risco da pessoa achar que o chá é o suficiente e que não precisa fazer mais
nada para crescer interiormente - o mesmo efeito que alguns gurus causam em seus
discípulos ao darem a entender que basta estar em sua presença para que possam
alcançar o nirvana, a libertação ou o céu.
3.A confusão é a mente ficar
confusa em relação aos conceitos espirituais fundamentais e universais, se apegando
a dogmas, rituais, símbolos e crenças
religiosas - esquecendo-se da primazia do autoconhecimento na transformação interna.
4.Inadaptação é quando o
indivíduo não quer retornar para este mundo por considerá-lo pobre, pesado ou
sem graça em relação à dimensão do chá muito mais “atraente” e “sedutora”.
5. E a loucura é quando o chá
potencializa distúrbios que o indivíduo já possui e que pode levá-lo a cometer
atos insanos, causando tragédias , assassinatos e suicídio - vide o caso
envolvendo o cartunista Glauco e do neto do Chico Anísio. Obviamente- isso não é comum. Todavia, o risco
existe e não pode ser ignorado.
Ressaltando que os riscos acima citados, não estão relacionados
diretamente ao chá, mas ao indivíduo que o toma já tendo alguma predisposição para distúrbios psicóticos. É o
mesmo perigo que corre quem tem visões, epifanias, alucinações ou iluminações repentinas e
acidentais - sem a devida preparação, orientação e proteção.
Pessoalmente, depois de ter tomado o chá, passei a valorizar mais ainda o corpo, o cérebro e a dimensão material, física - ou 3D como atualmente está sendo chamada. Percebi que o cérebro codifica e filtra as informações que estão em estado embrionário e etéreo- as mesmas percebidas durante as sessões- e sem este importante trabalho do cérebro seria impossível viver nesse mundo.
Pessoalmente, depois de ter tomado o chá, passei a valorizar mais ainda o corpo, o cérebro e a dimensão material, física - ou 3D como atualmente está sendo chamada. Percebi que o cérebro codifica e filtra as informações que estão em estado embrionário e etéreo- as mesmas percebidas durante as sessões- e sem este importante trabalho do cérebro seria impossível viver nesse mundo.
O corpo funciona como uma "armadura protetora" sem a qual ficaríamos sujeitos a todo tipo de influência energética e espiritual. É como uma roupa especial de nadador sem a qual o mergulhador não poderia atuar nas profundidades do mar. Ou como a roupa de um astronauta- sem ela ele não poderia explorar o espaço além da atmosfera. Também me sinto mais confortável com o meu corpo e não quero mais me sentir desconectado com ele- algo que acontecia durante as sessões do chá. Aprendi a amar mais a vida, a cuidar mais do corpo e ser grato à Existência por esta oportunidade de aprendizado , experiência e evolução que só a densa dimensão da dualidade pode proporcionar.
Se a pessoa vai ter mais benefícios do que “malefícios” isso é muito pessoal e subjetivo. Não dá
pra fazer generalizações pois as experiências são diferenciadas dependendo do
grau de vivência, experiência, maturidade e sabedoria de cada um. É importante
lembrar que mesmo tomando o chá, ninguém é dispensado do trabalho de
transformação e iluminação interior que somente a pessoa pode e deve fazer por
si mesma. É no embate da consciência com os desafios da vida,
que ocorre o aprendizado .E isso deve ser feito no estado normal da mente- não em transe ou em algum estado alterado ou privilegiado de
consciência.
Particularmente, não considero que o chá, seja, em si mesmo, um caminho ilusório - mas há um risco de potencializar as ilusões do próprio indivíduo. O sujeito pode se tornar vítima de suas
próprias ilusões e não do chá- que é
apenas mais um instrumento de autoconhecimento, como a meditação, o eneagrama,
a oração, os mantras, a peregrinação, o jejum, os sonhos, a psicanálise e
tantos outros. O chá não substitui o difícil trabalho que só o autoconhecimento
e a meditação proporcionam. Por isso que nem sempre as atitudes de alguns
membros- mesmo os mais antigos- manifestam uma perceptível maturidade
espiritual. Diante disso, algumas organizações,
reforçam a prática da oração, meditação, amor e serviço ao próximo
exatamente para que as pessoas não caiam na apatia, na preguiça e na
indolência. Todavia, o que se percebe, na prática, é exaltação do
“barato” provocado pelo chá e a transformação
íntima fica em segundo ou ultimo plano- com raras exceções.
A busca por experiências mais profundas e prazerosas reforçam o buscador
e o experimentador. Já o chá reforça estes dois uma vez que o sentido dele é exatamente o mergulho em experiências transcendentais, misteriosas e mágicas. Por tudo isso é que ainda
considero o autoconhecimento o meio mais
seguro de evolução e crescimento espiritual, pois ele vai transformando a consciência de forma segura e natural- sem
grandes saltos, riscos ou perigos. Além disso, ele te prepara para enfrentar os
desafios da vida que você terá que enfrentar em sua consciência ordinária. E é exatamente assim que deveria ser. A mente da
pessoa vai aos poucos sendo transformada para que
possa atuar em seu próprio nível de percepção e consciência. E o sujeito vai
percebendo que a vida comum pode ser tão ou mais extraordinária do que as viagens do chá e que ela pode ter experiências maravilhosas principalmente quando se livra do "experimentador".
Terminarei minha exposição com uma pérola da MPB brasileira, que resume
minha atitude em relação não somente ao chá , mas também às drogas
alucinógenas, bebidas, drogas químicas e
métodos de meditação que buscam as sensações, ou estados alterados de consciência:
“Eu não
estou interessado em nenhuma teoria/ Em nenhuma fantasia nem no algo mais/Nem
em tinta pro meu rosto oba oba, ou melodia/Para acompanhar bocejos/ Sonhos
matinais../Mas eu não estou interessado em nenhuma teoria/ Nem nessas coisas do oriente/Romances astrais/A minha alucinação é
suportar o dia-a-dia/E meu delírio é a experiência com coisas reais... (Belchior-
Alucinação)
Fraterabraços!
Alsibar