Recentemente, deparei-me com tal afirmação em um post no Facebook – e não era brincadeira. O
sujeito realmente afirmava ter alcançado a iluminação. Fiquei intrigado. Por
definição, a iluminação seria um estado
de “não-eu”, então quem é esse que diz “alcancei”? Além disso, por que alguém bradaria tal fato
em uma rede social? Seria uma maneira de angariar seguidores, admiradores e
fama? E, em caso afirmativo, isso seria mesmo a tal “iluminação”? Talvez não
seja. Ora, para saber o que não é iluminação, deve-se saber o que ela é. Este
pequeno artigo se propõe a fazer uma reflexão sobre o fenômeno da iluminação em
si, baseado em falas e testemunhos de iluminados autênticos . Quero deixar bem
claro que não estou analisando ou julgando a pessoa que afirmou isso, mas as
características do próprio fenômeno em si.
Um
leitor escreveu certa vez em meu blog que não acreditava que Krishnamurti era
iluminado. Fiquei pensando nas seguintes hipóteses : será por que Krishnamurti
nunca se classificou ou se auto-denominou como tal? Ou será por que K. não
organizou nenhum movimento religioso em torno de si? Ou será por que K. era
uma pessoa de aparência comum, não lembrando em nada os gurus clássicos? E não
será exatamente essa maneira comum, sem poses ou afetação, um dos sinais da iluminação? Senão, vejamos:
Na
tradição budista e taoista o “ser comum” é exatamente uma das características
dos maiores mestres iluminados. Na tradição judaico-cristão, a Bíblia diz que
Jesus era tão comum que “nem seus irmãos acreditavam nele”(Jo- 7:5). Em nada ele lembrava
um grande
avatar. A mesma coisa se pode dizer de Sri. Yuktéswar – o mestre de Yogananda. Segundo este último- poucos o reconheceram como um grande mestre ainda em vida. Apenas após a morte do corpo físico e com o grande sucesso do Autobiografia, foi que ele se tornou conhecido como um grande iogue. Yogananda encontrou vários iogues iluminados que moravam no mesmo bairro dele - na esquina. E que ele só soube que eram iluminados, por circunstâncias muito especiais. O próprio Yogananda era um iluminado, mas não sabia que o era. É significativa a conversa que ele teve certo dia com seu mestre:
avatar. A mesma coisa se pode dizer de Sri. Yuktéswar – o mestre de Yogananda. Segundo este último- poucos o reconheceram como um grande mestre ainda em vida. Apenas após a morte do corpo físico e com o grande sucesso do Autobiografia, foi que ele se tornou conhecido como um grande iogue. Yogananda encontrou vários iogues iluminados que moravam no mesmo bairro dele - na esquina. E que ele só soube que eram iluminados, por circunstâncias muito especiais. O próprio Yogananda era um iluminado, mas não sabia que o era. É significativa a conversa que ele teve certo dia com seu mestre:
-
Mestre quando encontrarei Deus?
-
Ohhh… você já o encontrou!
Ele
não tinha consciência que já havia “alcançado” o estado de União Divina. Em
suma, o iluminado é o último a saber que o é, pelo simples fato de que não há mais ali ninguém para dizer “eu alcancei”. Não há mais passado, presente ou o
futuro matéria prima do “ego”. Esta é a dimensão do eterno presente em que TUDO JÁ
É . A fronteira dos limites do tempo e do espaço: a Eternidade, o Atemporal.
Onde está então aquele que alcançou alguma coisa, já que não existe passado, nem
futuro, nem "ego-centro"?
Um
iluminado não sabe que o é. Se sabe-não é. Obviamente ele tem consciência de
que algo lhe aconteceu, mas esse algo não pode ser expresso, nem comunicado . A
iluminação é um termo muito amplo, que pode significar desde o despertar dos
chakras através da Kundalini, até o simples estado de presença, ou paz interior permanente- sem
abalos ou oscilações. Isso já foi dito por grandes mestres do passado como
Dogen, Lao Tsé e da modernidade como Jiddu Krishnamurti , U.G. , Ramana etc. Mas ainda há pessoas que
insistem em tratar os dois estados como algo bem dividido , demarcado e diferenciado- apartado de tudo que lembre a vida humana normal. Haveria então dois polos : um estado marcado pela bem-aventurança, êxtase intenso, amor, perfeição moral e
ética , conhecimento universal, luzes, sensações, poderes etc. E no outro lado estaria o estado de sofrimento, ilusão e ignorância
em que a maioria da humanidade vive. Mas será que existe mesmo tal linha
demarcatória? Será mesmo que esses estados são tão diferenciados e estanques?
Ou será que eles são dinâmicos , interconectados e coexistentes?
Uma
das ideias mais estranhas pra quem começa a meditar é imaginar que um dia de
repente, deixará de ser um simples reles mortal ignorante e agonizante, para,
de uma hora pra outra, tornar-se um ser bem-aventurado e celestial, cheio de
sabedoria, luz e atributos especiais. Ele então fica meditando, na esperança de que um dia isso vai acontecer. Mas, passa o tempo e nada desse acontecimento sublime chegar. E provavelmente
morrerá sem que nada aconteça. Quem poderá nos esclarecer sobre essa questão ?
Ora, mesmo as palavras de Buda e outros grandes mestres do passado podem ter sido deturpadas, mal interpretadas, ou sofrido alterações ao longo das inúmeras traduções e compilações. A nossa sorte é que existem Budas modernos que podem nos dar uma luz. Para os dois Krishnamurtis e Ramana- por exemplo, tudo já é aqui-agora. Não há nada pra se alcançar. E isso não é algo que se realiza no final de uma jornada de esforços e práticas- mas no começo. Para J. Krishnamurti, não há caminhos, nem jornada, e nem espaço separando os fins dos meios- os meios e os fins formam um todo integrado. Não há um “passo a passo” que culmina com um acontecimento, pois isso criaria o futuro psicológico que é o próprio centro do “eu”. O que seria, por si mesmo, um obstáculo à libertação.
Ora, mesmo as palavras de Buda e outros grandes mestres do passado podem ter sido deturpadas, mal interpretadas, ou sofrido alterações ao longo das inúmeras traduções e compilações. A nossa sorte é que existem Budas modernos que podem nos dar uma luz. Para os dois Krishnamurtis e Ramana- por exemplo, tudo já é aqui-agora. Não há nada pra se alcançar. E isso não é algo que se realiza no final de uma jornada de esforços e práticas- mas no começo. Para J. Krishnamurti, não há caminhos, nem jornada, e nem espaço separando os fins dos meios- os meios e os fins formam um todo integrado. Não há um “passo a passo” que culmina com um acontecimento, pois isso criaria o futuro psicológico que é o próprio centro do “eu”. O que seria, por si mesmo, um obstáculo à libertação.
Talvez
os mitos e lendas em torno da história de Buda tenham contribuído para essa
ideia de que a Iluminação é um grande acontecimento datado no tempo e espaço. Pode ser que o que realmente aconteceu, não tenha nada a ver com
o que a tradição nos conta. É possível que Buda já viesse numa longa jornada de interiorização
e compreensão que foi aos poucos se aprofundando, se expandindo, se ampliando.
Não necessariamente num processo gradativo e definitivo- como comumente se
pensa. Um dia ele compreendeu uma coisa, noutro outra… a formação do eu, a
natureza do desejo, o encadeamento das causas e efeitos, até que
chegou a compreensão do sofrimento e sua consequente extinção. Isso tudo pode
ter levado anos, em termos de tempo cronológico. Em termos psicológicos é
impossível dizer se houve um marco demarcatório, como alguns querem crer e fazer crer.
A
iluminação pode ser algo totalmente subjetivo e pessoal. U.G. Krishnamurti chamava
seu estado de “calamidade” e que provavelmente se as pessoas soubessem como era
“aquilo” não iriam desejar tal coisa. Já o Jiddu fala de bençãos e ondas de
êxtases em seu diário. Cada dia era algo
diferente, difícil de relatar, difícil de expressar. Sobre os tais poderes e percepções extra-sensoriais- são elementos que podem ou não acontecer. No universo místico de
Ramana quase ninguém relata a existência de poderes e milagres- sua presença
bastava para trazer paz e luz aos corações. Já no universo mágico descrito por
Yogananda em seu Autobiografia, não faltam relatos de milagres e feitos
maravilhosos que aconteciam no entorno dos mestres que ele conheceu.
Isso
nos leva a concluir que essas coisas podem acontecer- mas não necessariamente.
Elas são como sinais de que a consciência individual está “avançando” na
conscientização de sua identidade universal. Mas isso não significa que houve
um marco delimitador:um dia , uma hora em que a pessoa foi totalmente transformada de “não-iluminada” para iluminada- e que isso se tornou um estado fixo e permanente . Quando se diz que Buda “alcançou” a iluminação é para expressar uma
percepção, uma compreensão, um entendimento, um insight- repentino e intuitivo-
sobre algum problema ou questão existencial.
Assim,
pode-se dizer que a Iluminação é um estado de claridade, percepção, sabedoria,
bem-aventurança que tanto pode ser a causa como o efeito. Ao compreender a si
mesmo- seu próprio processo de formação, manutenção e dissolução do ego- de
forma direta
e objetiva o sujeito se abre para novas possibilidades e insights. E esses mesmos insights o fazem avançar em sua sabedoria e percepção, o que resulta no amadurecimento espiritual, impulsionando, assim, a escalada evolutiva da consciência individual . Em suma, não há diferença entre a meditação e a iluminação. E quem está falando isso não sou eu. Leia a sentença abaixo de Dogen- um dos grandes reformadores do Zen-budismo:
e objetiva o sujeito se abre para novas possibilidades e insights. E esses mesmos insights o fazem avançar em sua sabedoria e percepção, o que resulta no amadurecimento espiritual, impulsionando, assim, a escalada evolutiva da consciência individual . Em suma, não há diferença entre a meditação e a iluminação. E quem está falando isso não sou eu. Leia a sentença abaixo de Dogen- um dos grandes reformadores do Zen-budismo:
“"Praticar
o caminho diligentemente é, por si só, iluminação. Não há qualquer diferença
entre prática e iluminação ou entre zazen e vida diária. Zazen não é meditação
passo-a-passo".
Ora,
em meditação todos nós nos tornamos momentaneamente “iluminados”. Na verdade, a
meditação é uma degustação deste estado sublime e isso pode ser vivido por
qualquer pessoa, a qualquer hora- desde que medite corretamente. É como um
peixe que sobe momentaneamente à superfície e percebe o céu infinito acima
dele. O céu está sempre ali, mesmo quando ele desce às profundezas sombrias do
Oceano. Ele pode retornar de tempos em tempos para vislumbrar o espaço
infinito. Assim também é na meditação: um olhar para fora do oceano da mente.
O
problema é que devido a diversos fatores: cármicos, sociais, espirituais, culturais,
as pessoas não se dedicam bastante a
isso. Quando digo “cármicos”, significa que dentro de nós mesmos há forças que
não querem, que resistem à permanência definitiva neste estado, talvez por ele ser "devastador" para o ego-centro. É um estado que destrói o conhecido, as memórias formadoras do ego, os apegos,
as imagens, os desejos mentais . O ego fica reduzido momentaneamente a nada. Daí a fuga da mente que prefere viver isso apenas em alguns momentos do dia. Reservamos
alguns instantes do dia, ou dos finais de semana, pra penetrar nisso e muitas vezes de forma
superficial e errada.
Lá no
fundo, o ego não quer a Iluminação. Prefere algo que ele possa manipular e tirar proveitos pessoais. Daí que, qualquer estado de
bem-aventurança ou qualquer estado mental diferenciado, logo, logo se alardeia
como sendo a grande “Iluminação”. É como se dissessem aos outros “ venham até a
mim, agora sou uma pessoa especial, importante e espiritualmente realizada”.
Lamentavelmente, alguns gurus realmente
acreditam que se autorrealizaram- é o chamado auto-engano. Essas pessoas tem, em geral, sérios distúrbios
e transtornos comportamentais. Estão numa zona intermediária entre a loucura da iluminação idealizada e a
sanidade do ego esperto -mas não desperto . Muitos são espertalhões , outros são charlatães mesmo- agem de má fé.
E
a iluminação é um fenômeno permanente e estanque como em geral se acredita?
Será que é algo que se alcança e fica-se lá eternamente em berço esplêndido? Sabemos que a consciência vai e volta, sobe e
desce, mergulha e volta à superfície… a profundidade do mergulho é que vai
determinar a intensidade da experiência. Por isso que ninguém pode-se dizer
iluminado… quando a consciência está mergulhada lá, nada pode ser dito acerca
disso. E quando ela volta, voltou. Não deixou de ser, mas deixou de estar em
contato com as profundezas iluminadas da própria consciência. Por isso mesmo que até seres como Jesus, Krishnamurti e outros, tem que manter constante
vigilância pois há sim o risco de queda.
A subida e a descida da consciência individual ao Infinito é uma viagem
arquetípica que ocorre sempre que a consciência desce à carne, ou sobe de volta
à fonte. Essa mesma experiência é vivida por todos durante a meditação- mesmo
que por alguns instantes.
O
fato é que quem diz “alcancei a Iluminação”, está na verdade, apartado dela.
Esse em si é um sinal de que a consciência “voltou” do seu estado de união,
para o estado de separação. E é exatamente aí que mora o perigo. Quando a
consciência volta, o ego toma de conta e passa a usar o tal “estado” para manipular as pessoas, fazer discípulos, estabelecer-se e
expandir-se.
Baseado
nos argumentos acima, podemos concluir que o estado de iluminação não é algo
que possa ser comunicado, nem manipulado, não torna a pessoa um ser “especial”, não
outorga privilégios, nem autoridade. Você poderá perguntar então: e como
saberão que a pessoa alcançou aquele estado já que ele não pode ser
comunicado? É a própria vida da pessoa
que comunica, seu ser, suas atitudes diárias, seu olhar, suas ações, a
forma como se relaciona consigo mesmo, com a vida e as pessoas ao seu redor- é
isso que irá indicar ou até mesmo revelar que algo diferente aconteceu. O “iluminado”
que orgulhosamente divulga o próprio
estado como quem passou num vestibular, terminou uma graduação ou alcançou o
pico do Everest, está se iludindo e iludindo os outros. Na verdadeira
iluminação, não há mais o sentido do “eu sou, eu alcancei, eu me tornei…” Daí a
humildade natural dos verdadeiros despertos. Eles são como crianças, sem
afetação ou sentido do “eu”.
Quer
um exemplo? Veja o relato de Ram Gopal Muzumdar- o “Santo que Não Dorme”
meditou por mais de 45 anos diariamente o dia todo, e mesmo assim não se achava
digno diante de Deus. Quando Yogananda
lhe pediu a iluminação, o grande iogue respondeu-lhe de uma forma inesperada e significativa:
“-
Você me pede a iluminação enquanto eu próprio cismo , insignificante como sou,
e com a pouca meditação que fiz, se consegui agradar a Deus, e que merecimento
poderei encontrar a Seus olhos no cômputo final.
-
Senhor, não procurou Deus, com toda sinceridade, durante longo tempo?
-
Não fiz outra coisa. Durante vinte anos ocupei uma gruta secreta, meditando
dezoito horas diariamente. Em seguida, mudei-me para uma caverna mais
inacessível e ali permaneci por vinte e cinco anos, mantendo-me em êxtase
durante vinte e quatro horas todos os dias. Não precisava dormir, pois estava
sempre com Deus, Meu corpo conhecia mais
descanso, pela calma absoluta da
superconsciência, do que poderia obter pela imperfeita paz do estado
subconsciente ordinário. Os músculos se relaxam durante o sono; mas o coração,
os pulmões e o sistema circulatório continuam a trabalhar incessantemente; não
conhecem repouso. Em superconsciência, todos os órgãos internos permanecem em
estado de animação suspensa, eletrificados pela energia cósmica. Por este meio,
para mim, vem sendo desnecessário dormir durante anos.
Ram Gopal Muzundar |
-
Céus, o senhor meditou tanto tempo e ainda não tem certeza do favor de Deus? - Então, que esperar para nós, pobres mortais?
-
Bem, não vê, querido jovem, que Deus é a própria Eternidade? Pretender
conhecê-lo em Sua plenitude, com quarenta e cinco anos de meditação, é
expectativa bastante absurda. Bábají nos assegura, entretanto, que até uma
pequena meditação nos salva do terrível temor à morte e aos estados pós-morte.
Não fixe seu ideal de espiritualidade em pequenas montanhas, mas engaste-o na
estrela da integral realização do Divino. Se praticar com firmeza e constância,
atingi-lo-á.”
Este
mestre vivia anonimamente em um pequeno vilarejo da Índia, em um local distante
e de difícil acesso. Ele não precisou dizer para ninguém que era iluminado.
Ninguém na vila sabia que morava ali um grande iogue. Mesmo assim, suas
palavras e vida são fontes de inspiração e exemplo pra milhares de pessoas no
mundo todo. Isso nos traz grandes lições. Uma delas é a da
humildade . Mostra-nos que ninguém precisa proclamar aos quatro ventos que é um cristo, iluminado, guru ou salvador.
Deus, a Vida- se encarrega dessa parte, se isso for necessário, útil e
importante. Ou seja, quando está no plano divino que a pessoa seja reconhecida, o
próprio Destino se encarrega de torná-la conhecida. Não é necessário que a
própria pessoa alardei isso. Ao buscador compete apenas meditar e e se entregar- o resto vem pela providência
divina.
Que
cada um possa refletir sobre essas questões em seus corações e tirar suas
próprias conclusões. Como sempre digo no final de meus artigos: as reflexões
aqui apresentadas não se pretendem verdades absolutas, mas norteadores no
caminho da sabedoria e do verdadeiro despertar espiritual.
Namastê!
Alsibar
Bibliografia:
Autobiografia de um Yogue Contemporâneo- Paramahansa Yogananda- Self
Realization Fellowship.