quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

PARA ENTENDER A "ATENÇÃO SEM ESCOLHA" DE KRISHNAMURTI!


https://www.youtube.com/watch?v=7BzNggnfASc

Existe um tipo de atenção que é desconhecida de quase todos. De tão sagrada e sutil, as pessoas têm grande dificuldade em entendê-la e encontrá-la - mesmo quando  descrita em detalhes.  As grandes religiões, os grandes mestres- notadamente o Zen-budismo e o Taoismo- sempre falaram dela. Mas quem a encontrou? Quem a descobriu? Quem a viveu?

Este estado de “atenção especial”  é tradicionalmente conhecido como Meditação. Todavia, são tantas as definições, visões e métodos que tornou-se quase impossível descobrir o que ela realmente é, por isso, preferi usar hoje o termo “atenção” . Este estado especial de atenção não é a mesma  do aluno em sala de aula, ou do motorista no trânsito, ou a do pai que repreende o filho, ou a de alguém assistindo a um filme , partida de futebol, ou estudando. Não. Esta atenção é especial. Talvez você nunca a tenha experimentado. Ela é de difícil alcance, definição e percepção.

Resolvi falar sobre ela, não como um “mestre” que encontrou a Iluminação. Mas como uma pessoa comum que teve a “graça” de amanhecer nesse estado sublime. Ontem, dormi ouvindo o áudio-livro de J. Krishnamurti: a arte da meditação ( link no final do artigo). Não tenho dúvidas que isso motivou o surgimento desse estado pela manhã. Daí, vem a primeira grande questão: como surge esse estado? Como praticá-lo? Como "produzi-lo"?

Já falei sobre isso várias vezes. A meditação,que se pratica em tempo e horário marcados, é um tipo de prática importante para a saúde física, mental e espiritual. Mas esse “outro” estado de atenção não pode ser praticado. É como se, de repente, você acordasse dentro de um sonho e percebesse que está dormindo em sua cama- mesmo sonhando. Alguns fatores parecem desencadear isso: o ouvir , ler, conversar sobre o assunto- mas nada é garantido. Já dormi várias vezes ouvindo Krishnamurti e isso nunca havia acontecido antes. E Krishnamurti sempre fala sobre meditação, mesmo quando está abordando  outros assuntos como, por exemplo, amor ou sexo.

Então qual é a diferença?

Passei boa parte da minha vida tentando entender esse estado, tanto para benefício dos outros quanto para meu próprio. Mas ele sempre me escapava. É fácil esquecê-lo e perdê-lo. Quase ninguém o conhece , alguns nem  mesmo ouviram falar. E mesmo dos que ouviram, poucos os que o vivenciaram. Mas eu digo: ele existe. E não se parece com nada do que ensinam os tais “gurus internéticos”.

Nesse estado há um silêncio- não forçado, nem absoluto- mas uma qualidade de silêncio, mesmo em meio ao barulho do pensamento. É como se nada pudesse atingi-lo ou tocá-lo, nem mesmo os pensamentos. Há também uma qualidade de relaxamento, de descanso, de não-esforço. O que remonta aos ensinamentos dos mestres taoístas e advaitas (não-dualistas). É fugaz  e ao mesmo tempo sólido, profundo, insondável. Foge a menor e mais leve tentativa da mente de dissecá-lo, entende-lo ou prendê-lo para uso posterior.

J. Krishnamurti passou uma vida falando somente sobre isso, mas muita gente não entendeu. O que, a meu ver, demonstra o quanto a humanidade está deficiente em termos de “atenção”- Ele a chamava de “atenção sem escolha”. Mas mesmo esse termo é confuso. Um amigo meu do Face achava que não poderia mais escolher entre o carro branco ou cinza metálico. Entre um sedan e um hatch. E quantos  não devem pensar assim?

Vou tentar explicar como entendi. Por que “atenção sem escolha”? Por que, quando você está nesse estado, não há direcionamento, o foco de sua atenção não pode ser direcionado, controlado. Você não vai escolher “prestar atenção” nisso ou aquilo. Quando se direciona, controla, ou escolhe, nesse momento, você reforça o centro que decide o que vai olhar, observar. Ora, mas não é esse o próprio centro de que se busca a libertação? Não é ele o “ego”, o divisor, criador do conflito? Por isso , é um estado integrador, sem direcionamento, sem recusa, nem aceitação.

Ele não é introspecção. Não é um “mergulho no interior”, pois quem vai mergulhar? Novamente a divisão. Quanto maior o esforço para “produzi-lo” menor as chances de encontrá-lo. Pois o “produtor de esforços”, que JK chamou de “experimentador/observador”, deve cessar para que “Aquilo” possa emergir, manifestar-se. Não há medidas. Não se pode dizer: é um estado profundo. Pois, quem irá dizer? Não está dentro, nem está fora. É algo sutil, depende muito mais de sensibilidade do que de conhecimento.

É um estado de Paz? Digamos que sim.  Talvez seja a palavra mais próxima, mas mesmo ela é imprecisa. Nessa atenção não existe  a dualidade paz e conflito. Está além. Por isso é tão sublime e sagrado.

Não é à toa que JK sempre falava sobre a atenção de diversas formas, meios, linguagens, perspectivas. Hoje o entendo. E penso que raríssimas pessoas – mesmo os verdadeiros mestres- conseguiriam expressar a sutileza desse estado. Acho que todos eles se esforçaram. Palavras como Paz, Meditação, Nirvana, Atenção Plena, Wu-wei ( ação pela não-ação) foram esforços tremendos para expressar algo que realmente extrapola os limites da comunicação e da linguagem.

E o que resta ao buscador comum, sincero que deseja encontrar algo além da mente? Um emaranhado de gurus, livros, definições, conceitos que mais confundem do que esclarecem. Que mais prendem do que libertam. Que pesam em nossas mentes impedindo a leveza e a liberdade.

Talvez por isso,   acordei  hoje com a clara sensação de que deveria escrever sobre esse estado, sobre minha experiência com “isso”.

JK dizia que isso não pode ser praticado. E vejo que ele estava certo. Tentar praticar ou provocar isso resultará inevitavelmente ao fracasso. O que fazer então?

Mantenha-se tranquilo e aberto. Procure manter-se em paz e feliz, sem conflitos, desejos, expectativas ou ansiedades. Sonde sempre duas coisas: sua atenção e sensibilidade. Na atenção há sensibilidade. Ser sensível  aos seus pensamentos, às emoções, às impressões auditivas, olfativas e visuais . Não se tranque em si mesmo. Mantenha-se livre desde o começo. Talvez um dos maiores erros dos meditadores seja a ideia de que precisam se fechar, se isolar do mundo pra encontrar a paz. Essa paz que se isola me parece superficial e ilusória. A atenção é um estado de plena liberdade e harmonia entre o exterior e o interior. Sem divisões.

E por último: como está a qualidade de sua atenção? Esqueça os livros e gurus. Foque-se na qualidade de sua atenção. Sua mente está atenta? Como saber? Na atenção existe silêncio , liberdade e sensibilidade. Na atenção existe paz- além das definições- mesmo daquelas ensinadas pelos mestres.

E se um dia estiveres perdido, confuso e sem rumo... Experimente perguntar a si mesmo: como está minha atenção? Como está minha mente? Há silêncio, paz, sensibilidade e liberdade nela?

Se não houver, procure... até encontrar. Um dia, quando menos esperar, ela estará ali. Mas você tem que estar preparado para percebê-la. A bem da verdade, ela sempre está ali. Mas como percebê-la se vivemos eternamente ansiosos, buscando no tempo aquilo que está além dele?

JK costumava dar um exemplo fabuloso: a meditação é como brisa que entra pela janela. Você não pode provocar a brisa. Mas para senti-la tem que deixar a janela aberta e ficar atento para não perdê-la quando ela soprar.

Que nesse ano de 2016 você possa sentir a brisa da paz divina em seu ser. Não desejo que ela seja perene pois, se assim fosse, não seria a brisa do Eterno. O próprio desejo de mantê-la ou continuá-la faz cessá-la. Apenas deixe sua mente aquietar-se por si mesma. Na verdade, ela em seu centro, é quieta, imóvel. Você só precisa estar atento ao seu próprio movimento. Quando ela estiver inquieta- não faça nada. Apenas constate o fato e espere- sem ansiedades. Ela ira acalmar-se. E quando estiver calma- novamente não faça nada. Apenas constate e deixe ela à vontade. É nesse movimento de inquietude e quietude que você vai aprendendo a lidar com ela.

Trabalhe. Faça o bem. Encontre a felicidade na paz. E fique atento-sempre que se lembrar – uma atenção simples, serena, tranquila. Nada de atenção forçada. Esta não leva a muita coisa. O resto deixe por conta da Vida, de Deus, do Universo!

Feliz 2016 a todos os leitores, amigos e visitantes do Blog. Fecho 2015 com a sensação do dever cumprido .

Até a próxima!

Namastê!

Alsibar
Link para o audio livro: a arte da meditação de J. Krishnamurti