sexta-feira, 29 de março de 2013

O SIGNIFICADO DA PAIXÃO DE CRISTO- The meaning of the Passion of the Christ




Qual o profundo significado por trás da Paixão de Cristo? Qual mito Jesus encarnou através do seu exemplo de amor e sacrifício pela humanidade? O que isso tem a ver com a vida de cada um de nós? Por que é tão importante meditar sobre isso, não só agora, mas ao longo do ano?  Qual a diferença entre o Jesus humano e o Cristo Universal? Talvez este artigo lhe ajude a esclarecer melhor estas e outras questões afins. Seja muito bem vindo!

          Muita gente não entende por que Jesus passou por todos aqueles sofrimentos e humilhações que culminaram com sua morte trágica. Algo curioso costumava acontecer comigo quando adolescente.  Eu gostava de assistir filmes e peças que retratavam a Paixão e sempre tinha esperança que Pilatos fosse absolvê-lo no final. Como se eu pudesse testemunhar um outro fim pra aquela história fatídica. Havia sempre a esperança de que isso acontecesse, mesmo sabendo de sua total impossibilidade. Antes de proferir sua sentença memorável, eu sentia uma certa hesitação em Pilatos e  achava que a qualquer momento ele iria absolvê-lo. Eu torcia por isso. Mas logo depois vinha o gesto inevitável e com ele, a tragédia da Paixão.
Prometeu- o Enforcado

        Nesse momento, Jesus não é apenas o rebelde sentenciado pelas leis de Roma, astuciosamente manipuladas pelos  doutores da Lei judaica. Jesus encarna o mito do Redentor do mundo. Aquele que dá sua vida à humanidade. No Tarô Mitológico, ele é representado pela carta do Enforcado- simbolizado  pelo titã Prometeu. Segundo a mitologia, foi Prometeu quem criou o homem com barro e água. Zeus, temendo que os homens se tornassem iguais aos deuses,  impede-lhes que descubram a existência do fogo. O Rei dos deuses tentava manter a humanidade em seu estágio bestial e primitivo. Mas Prometeu rouba o fogo dos deuses e dá-lo aos homens. Quando descobre, Zeus fica enfurecido e prende Prometeu em uma colina submetendo-o a uma terrível tortura: durante o dia uma águia come-lhe o fígado, que cresce novamente durante noite em um ciclo interminável de agonia e dor. Prometeu se sacrifica pela humanidade por que a ama como parte de si mesmo. Exatamente como Jesus Cristo, o Nazareno.

        Jesus foi além do Mito, daí sua força e poder. Ele é o verdadeiro Salvador da Humanidade. Não mais um mito fictício como Prometeu- mas alguém real, histórico, de carne e osso. Saber que alguém como ele existiu nos eleva à condição de deuses potenciais, pois ele é igual a nós em manifestação e essência.  A manifestação é a carne e a essência é a centelha divina que anima o homem.

O Cristo Universal

         Eis por que a Paixão de Cristo vem comovendo pessoas do mundo todo ao longo de séculos e milênios. Numa outra perspectiva, a morte do Jesus humano, representa a morte do EGO. Essa morte nunca é indolor pois o EGO não quer morrer. Ele se recusa, pois teme o sofrimento . Mas sem a morte do EGO,  Jesus não poderá se transformar no Cristo, o Messias, o Salvador do mundo. Seu sacrifício não é apenas um capricho de um Deus cruel que envia seu filho para ser morto pelos homens. Deus se fez carne em Jesus. É o próprio Deus que se sacrifica pela sua criação e sofre junto com ela. Deus na forma de Jesus  nos dá o maior de todos os ensinamentos: o do seu próprio exemplo de amor ilimitado e doação incontestável.
         
Se o Jesus humano que representa o EGO não morrer, o Cristo que representa a Consciência divina não nascerá em nós, ou melhor,  não ressuscitará. Refletir e meditar no sentido mais profundo da Paixão , Morte e Ressurreição de Cristo pode levar-nos a compreender nosso próprio processo de crescimento e evolução , impulsionando o despertar da  CONSCIÊNCIA  CRÍSTICA em nós!

Namastê!

Alsibar
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sábado, 23 de março de 2013

ALÉM DA COMPREENSÃO MENTAL



        
             Muita gente considera a Meditação algo confuso e difícil . Isso ocorre devido ao grande paradoxo: para compreender o conceito de Meditação precisamos da mente, mas para meditar - não. O conceito teórico de meditação nada tem a ver com a prática. Esta última  dispensa a compreensão no nível mental-intelectual. Não se pode compreender a meditação da mesma forma que se entende um assunto , uma novela, um livro,  uma pessoa, ou um problema de matemática  .

          Meditar é ir além até mesmo da compreensão. O que normalmente chamamos de compreensão pode e deve ser usado para atuar no mundo do pensamento. Mas esse tipo de compreensão não funciona no estado meditativo. Talvez resida aí um dos maiores obstáculos .As pessoas não estão acostumadas a abordagem “não-mental”, na qual a mente conceitual, pensante - não participa do processo de cognição. É difícil à mente aceitar que ela mesma não pode meditar. O fato é que são tantos anos sondando o mundo através do pensamento condicionado que isso se tornou um poderoso hábito- difícil de quebrar e quase impossível de se perceber.

           Alguns especialistas dizem que as crianças  e os animais vivem em eterno estado meditativo. De forma natural e sem nenhum esforço, essas criaturas abençoadas já vivem no estado original búdico -tão procurado pelos espiritualistas. O desafio dos adultos é retornar a este espaço interno de forma consciente, deixando de lado vícios e posturas que envenenam o cérebro, a mente e o espírito.

             Na verdade, quando alguém começa a meditar está  ressignificando seu mundo. Meditar é um reaprendizado. A pessoa irá aprender  uma nova forma de apreender o mundo. O primeiro grande obstáculo é compreender que você é a mente.  Quando a abandonamos, sentimo-nos como se não existíssemos. E é exatamente assim.  Psicologicamente abandonamos uma dimensão- a do ego- e passamos a atuar numa dimensão muito maior e desconhecida.  Nesta, os limites não são tão claros e por isso precisa-se de uma certa dose de coragem e confiança para penetrá-la .


         O fato é que não é fácil se libertar dos hábitos mentais doentios consolidados ao longo dos anos. Mesmo assim é importante não desistir. Não importa se a meditação não flui de forma adequada no começo. A desintoxicação da mente é um processo que pode levar dezenas de anos. Não é necessário esforço, mas o meditador precisa de atenção, sensibilidade, intenção , energia e ainda uma grande capacidade desapego de si. Isso não significa abandonar o gosto por coisas materiais ou sexo-por exemplo.  Esse tipo de abandono é ilusório pois é uma ação da  própria mente. O verdadeiro abandono é interior. É a coragem de ver a si mesmo como um grande, indecifrável e misterioso “nada”.

          O maior desafio do meditador é desprender-se de si mesmo. Sendo o “si mesmo” a vontade de experimentar, de entender, de colocar tudo dentro dos limites de sua compreensão mental- mesmo "aquilo" que está além de sua  capacidade e fora do seu campo de atuação. Enquanto existir a sensação de “eu entendo” a meditação não flui. Até mesmo isso tem que terminar. É nessa hora que a vivência autêntica e profunda começa. Daí em diante, nada pode ser dito, pensado ou definido. Nada do mundo do pensamento pode  penetrar na dimensão do Desconhecido- nem mesmo aquilo que pretensiosamente chamamos de compreensão.

Namastê!
Alsibar
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sexta-feira, 15 de março de 2013

O ENCONTRO DE FRITJOF CAPRA E KRISHNAMURTI


Krishnamurti e Fritjof Capra - http://alsibar.blogspot.com

Um dos primeiros contatos diretos que tive com a espiritualidade do Oriente foi meu encontro com J. Krishnamurti no final de 1968. Quando ele proferiu uma série de palestras na UC de Santa Cruz, estava com setenta e três anos e a sua aparência era absolutamente estonteante. Seus traços indianos bem marcados, o contraste entre a pele escura e os cabelos brancos impecavelmente penteados, a elegância dos trajes europeus, a dignidade do semblante, o inglês medido e perfeito, e — acima de tudo — a intensidade da concentração e da presença dele deixaram-me encantado e perplexo. Os ensinamentos de Don Juan, de Carlos Castañeda, acabara de ser publicado, e ao ver Krishnamurti não pude deixar de comparar sua aparência com a da figura mítica do sábio yaqui.

O impacto do carisma e da aparência física de Krishnamurti foi intensificado e aprofundado pelas coisas que disse. Pensador muito original, rejeitava toda autoridade espiritual e todas as tradições espirituais. Seus ensinamentos eram muito semelhantes aos do budismo, mas ele jamais empregava algum termo budista ou de qualquer outro ramo de pensamento tradicional do Oriente. A tarefa a que se propusera (usar a língua e o raciocínio racional para levar seus ouvintes além da linguagem e do uso da razão) era extremamente difícil, mas o modo como ele se desincumbia dela era impressionante.

Krishnamurti escolhia algum problema existencial bem conhecido — medo, desejo, morte, tempo — como tópico de uma palestra, e principiava a falar usando palavras parecidas com estas: “Entremos nisso juntos. Não vou lhes dizer nada; não possuo autoridade alguma; vamos  explorar essa questão juntos”. Em seguida, mostrava a futilidade de todos os modos convencionais para se eliminar, por exemplo, o medo, e perguntava, lenta e intensamente, com um senso acurado do impacto dramático de suas palavras: “É possível que vocês, neste exato momento, aqui neste lugar, possam se livrar do medo? Não suprimi-lo, não negá-lo, nem opor resistência a ele, mas sim eliminá-lo de uma vez por todas? Esta será a nossa tarefa hoje à noite: eliminarmos o medo por completo, de uma vez por todas. Se não conseguirmos isso, minha palestra terá sido em vão”.

A cena já estava armada; a platéia, arrebatada, dominada pelo enlevo, e absolutamente atenta. “Examinemos então a questão”, prosseguia Knshnamurti, “sem julgarmos, sem condenarmos, sem justificarmos. O que é o medo? Examinemos isso juntos, vocês e eu. Vejamos se conseguimos realmente nos comunicar, estar no mesmo plano, na mesma intensidade, no mesmo momento. Usando-me como espelho, será que vocês conseguirão encontrar a resposta a esta pergunta extraordinariamente importante: o que é o medo?”

E Krishnamurti passava então a tecer uma teia imaculada de conceitos. Mostrava que, para compreendermos o medo, temos de compreender o desejo; que para compreendermos o desejo, temos de compreender o pensamento; e, consecutivamente com o tempo, o conhecimento, o ser, e assim por diante. Apresentava uma análise brilhante de como tais problemas existenciais básicos estão interrelacionados — não na teoria, mas na prática. Krishnamurti não só confrontava cada membro da platéia com os resultados da sua análise, como também instava e convencia cada um a se envolver no processo de análise. No final, ficava uma sensação nítida e forte de que o único meio para se resolver qualquer um de nossos problemas existenciais é ir além do pensamento, além da linguagem, além do tempo — é “libertar-se do conhecido”, como diz no título de um de seus melhores livros, Freedom from the known.

Lembro-me de que fiquei fascinado, mas também profundamente perturbado, com as palestras de Krishnamurti. Após cada uma delas, Jacqueline e eu permanecíamos acordados durante várias horas, sentados junto à nossa lareira, discutindo o que Krishnamurti dissera. Esse foi meu primeiro encontro direto com um mestre espiritual radical, e logo me vi em face de um grave problema. Eu mal iniciara uma promissora carreira científica, com que estava bastante envolvido emocionalmente, e então vinha Krishnamurti, com todo o seu carisma e persuasão, dizendo para eu parar de pensar, para eu me libertar de todo o conhecimento, para eu deixar o raciocínio lógico para trás. O que isso significava no meu caso? Deveria desistir da carreira científica nesse estágio inicial, ou deveria continuá-la, abandonando toda esperança de alcançar a auto-realização espiritual?

Eu ansiava por me aconselhar com Krishnamurti, porém ele não permitia nenhuma pergunta em suas palestras e recusava-se a receber quem quer que fosse depois delas. Fizemos diversas tentativas para vê-lo, mas foi-nos dito, com firmeza, que Krishnamurti não queria ser perturbado. Foi uma feliz coincidência — ou não? — que finalmente nos propiciou um encontro com ele. Krishnamurti tinha um secretário francês e, após a última palestra, Jacqueline, que nasceu emParis, conseguiu estabelecer um diálogo com esse homem. Eles se entenderam bem e, como resultado, terminamos por nos encontrar com Krishnamurti em seu apartamento na manhã seguinte.

Senti-me um tanto intimidado quando finalmente vi o mestre cara a cara, mas não quis perder tempo. Eu sabia por que estava ali. “Como posso ser um cientista”, perguntei-lhe, “e ainda assim seguir seu conselho para interromper o pensamento e libertar-me do conhecido?”
Krishnamurti não hesitou sequer um instante. Ele respondeu a minha pergunta em dez segundos, e de um modo que resolveu completamente o meu problema. “Primeiro você é um ser humano”, disse ele, “e depois um cientista. Antes você tem de setornar livre, e essa liberdade não pode ser atingida por meio do pensamento. Ela é atingida pela meditação — a compreensão da totalidade da vida, em que cessam todas as formas de fragmentação.” Uma vez que eu alcançar tal compreensão da vida como um todo, explicou,poderia me especializar e trabalhar como cientista sem problema algum. E evidentemente nem se cogitava na abolição da ciência. Passando para o francês, Krishnamurti acrescentou: “J'adore la science. C'est merveilleux!”

Após esse rápido mas decisivo encontro, só vi Krishnamurti de novo seis anos depois, ao ser convidado, juntamente com vários outros cientistas, a participar de uma semana de discussões com ele em seu centro educacional no Brockwood Park, ao sul de Londres. Sua aparência ainda era extremamente marcante, embora houvesse perdido um pouco da intensidade. No decorrer daquela semana fiquei conhecendo Krishnamurti muito melhor, inclusive alguns de seus defeitos. Quando falava, ele ainda era muito poderoso e carismático, mas fiquei desapontado pelo fato de jamais podermos realmente incluí-lo numa discussão. Ele falaria, mas não se disporia a ouvir. Por outro ladq, mantive muitas discussões excitantes com meus colegas cientistas — David Böhm, Karl Pribram e George Sudarshan, entre outros.

Depois disso praticamente perdi contato com Krishnamurti. Nunca deixei de reconhecer sua influência decisiva sobre mim, e com freqüência ouvia falar dele por meio de várias pessoas; porém, não compareci a nenhuma outra palestra sua, nem li qualquer um de seus outros livros. Então, em janeiro de 1983, me vi em Madrasta, no sul da Índia, participando de uma conferência da Sociedade Teosófica Mundial, que ficava em frente à propriedade de Krishnamurti. Como ele estava lá e ia dar uma palestra naquela noite, resolvi aparecer para apresentar-lhe meus cumprimentos. O belíssimo parque, com suas gigantescas árvores seculares, estava repleto de gente, quase todos indianos, sentados em silêncio no chão, aguardando o início de um ritual de que a maioria já participara muitas vezes antes. Às oito horas Krishnamurti apareceu, vestido com trajes indianos, e caminhou lentamente mas com enorme segurança até uma plataforma que fora erguida. Foi maravilhoso vê-lo, aos oitenta e oito anos de idade, fazendo sua entrada como durante mais de meio século, subindo as escadas da plataforma sem ajuda de ninguém, sentando-se numa almofada, e unindo as mãos no tradicional cumprimento indiano para iniciar sua palestra.

Krishnamurti falou durante setenta e cinco minutos sem nenhuma hesitação, e quase com a mesma intensidade que eu presenciara quinze anos antes. O tópico dessa noite era o desejo, e ele teceu sua teia com a clareza e habilidade de sempre. Foi uma oportunidade única para eu avaliar a evolução de meu próprio entendimento desde a época em que o conhecera, e senti pela primeira vez que eu realmente compreendia seu método e sua personalidade. A sua análise do desejo foi bela e cristalina. A percepção causa uma reação sensorial, disse ele; o pensamento então intervém — “Eu quero...“, “Eu não quero...“, “Eu desejo...“ —, e assim é gerado o desejo. O desejo não é causado pelo objeto de desejo, mas persistirá com diversos objetos enquanto intervier o pensamento. Portanto, não nos libertaremos do desejo suprimindo ou evitando a experiênciasensorial (o modo do asceta). O único meio para nos libertarmos do desejo é libertando-nos do pensar.

O que Krishnamurti não disse é como podemos nos libertar do pensamento. Como Buda, ele ofereceu uma análise brilhante do problema, mas, à diferença dele, não mostrou um caminho claro para a libertação. Talvez, pensei, o próprio Krishnamurti não houvesse avançado o suficiente por esse caminho... Talvez não houvesse se libertado o suficiente de todo o condicionamento para poder levar seus discípulos à plena auto-realização...
Depois da palestra, fui convidado para jantar com Krishnamurti e várias outras pessoas. Compreensivelmente ele estava bastante exausto devido a seu esforço e sem ânimo para qualquer discussão. Nem eu pretendia algo assim. Fora ali apenas para mostrar-lhe a minha gratidão, sendo ricamente recompensado. Contei a Krishnamurti a história de nosso primeiro encontro, e agradeci-lhe mais uma vez por sua influência e ajuda decisivas, estando consciente de que esse talvez fosse o nosso último encontro, como de fato acabou sendo.

O problema que Krishnamurti resolvera para mim, à maneira zen, de um só golpe, é o problema com que a maioria dos físicos se deparam quando confrontados com as idéias das tradições místicas — como é possível transcender o pensamento sem abandonar um compromisso com a ciência? Esse é, acredito, o motivo pelo qual tantos de meus colegas sentiram-se ameaçados por minhas comparações entre a física e o misticismo. Talvez lhes seja proveitoso saber que eu também já senti a mesma ameaça. E a senti com todo o meu ser. No entanto, isso foi no início de minha carreira, e tive uma enorme felicidade: a mesma pessoa que me fez perceber a ameaça foi também a que me ajudou a transcendê-la.

Extraído do livro “ Sabedoria Incomum” de Fritjof Capra- Cultrix- São Paulo- 1995


segunda-feira, 11 de março de 2013

A CULTURA DO DIÁLOGO- The culture of dialogue





O advento das redes sociais  nos possibilitou a interação instantânea com pessoas do mundo todo.  Percebemos, no entanto,  que muita gente ainda se mostra incapaz de utilizar corretamente uma das melhores formas de interação comunicativa: o diálogo. Por que será que não conseguimos ou não sabemos dialogar? Será que nos falta a cultura do diálogo? E por que não a temos? É sobre isso que iremos refletir um pouco.
Nem sempre quem vence o debate está com a Verdade

Participo do Facebook há três anos. Ao longo desse tempo, tentei explorar as diversas vantagens que essa moderna forma de interação poderia me proporcionar. Considero a possibilidade de conversar e trocar experiências com pessoas de outros lugares, com visões e culturas diferentes, seu melhor e mais vantajoso recurso. As formas de interação são várias. Bate-papos individuais ou coletivos, postagens em grupos e murais, web-conferência etc. contribuem para tornar este contato virtual o mais real possível.  Porém, como quase tudo neste mundo, o problema não está no recurso-mas no seu mau uso . Apesar de todo este avanço tecnológico, muitos ainda se mostram incapazes de interagir  com os outros- principalmente de opiniões diversas- de uma maneira educada, tolerante e respeitosa.

Devido à constância de alguns episódios desagradáveis vividos por mim ao longo deste tempo é que resolvi fazer esta reflexão. Já fui expulso ou impedido de postar em vários grupos “abertos”, várias vezes postaram insultos e expressões inapropriadas nas minhas postagens e, por último, vi um simples trecho de um post meu ser transformado em um grande debate competitivo e desproporcional- a meu ver. E me questiono o porquê de tudo isso. Será que não podemos respeitar a opinião do outro? Por será que sentimos necessidade de digladiar com o próximo mesmo que no nível das ideias? Por que temos dificuldade de aceitar e tolerar a diversidade de percepções e visões?
O diálogo socrático

Apesar do diálogo ser praticado desde o tempo de Sócrates o fato é que não temos a costume de dialogar. Talvez esteja aí parte da explicação para tantas atitudes lamentáveis. A raiz de todo problema pode estar na nossa própria incapacidade de convivência, de tolerância e de respeito . Ou, talvez, nos falte a prática do diálogo em si. A sociedade não nos incentiva a movimentos harmoniosos e pacíficos. Somos programados para competir, para ser o melhor e o primeiro em tudo. A educação formal nos ensina o debate- não o diálogo. Dificilmente o professor organiza diálogos na escola- é mais comum os debates.  Será por que o debate é mais motivador devido ao seu forte apelo  competitivo? No bom diálogo não há perdedores, nem ganhadores. Se o diálogo flui de maneira harmoniosa todos ganham. Do contrário, todos perdem.

À primeira vista podemos pensar: “ora, é apenas uma rede social!”. A questão a meu ver se mostra um pouco mais complexa. Nas redes sociais nos revelamos muito mais do que no contato pessoal. Sentimo-nos protegidos pela distância e ausência de contato social com a pessoa. Por isso, podemos falar um palavrão com alguém, insultá-lo ou desrespeitá-lo. Não ligamos se perder sua consideração, “amizade” e respeito. Ora, aquela pessoa é apenas um desconhecido que mora a milhares de quilômetros de distância . No contato social direto nos comportamos mais, modelamos melhor nossas palavras e atitudes. Nas redes sociais, a falta deste contato parece incentivar atitudes que levam à ruptura, ao conflito e à desarmonia.


David Bohm e Krishnamurti

O diálogo pode ser uma boa ferramenta de autoconhecimento. Não é à toa que Krishnamurti e David Bohm foram grandes incentivadores da Cultura do Diálogo. No diálogo as pessoas se revelam e aprendem. Geralmente quem se considera muito tolerante às opiniões pode se revelar intransigente e radical. Ou quem geralmente se acha um bom ouvinte, descobrir que só escuta a si mesmo. Participar de bons diálogos pode ser uma maneira excelente de aprendermos sobre nós mesmos e o mundo. Além disso, respeito, consideração, afetividade, educação e humildade são valores praticados no próprio ato de dialogar. Sem essas características presentes em nós mesmos, corremos o risco de transformar o diálogo é um debate inútil, numa discussão infantil ou até mesmo num embate fundamentalista.

A Cultura do Diálogo contribui para a edificação de uma nova consciência

          Que possamos fazer do diálogo uma ferramenta em prol da paz e do crescimento individual e coletivo, e não transformá-lo num insano e infantil conflito de egos . O diálogo nos oferece a oportunidade de aprender e crescer numa interação amistosa, positiva e saudável com os semelhantes. O diálogo virtual ou presencial pode ser o começo de uma grande mudança na forma como interagimos e nos comunicamos com outros. Organizar, incentivar  e promover a Cultura do Diálogo pode contribuir para a construção de uma nova consciência interativa, com foco na harmonia, compreensão e aprendizado mútuo .

 Namastê!

                Alsibar
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sexta-feira, 8 de março de 2013

O CONHECIMENTO, A SABEDORIA E A VERDADE



 "Apreender", de acordo com o dicionário significa (latim apprehendo, -ere, tomar, agarrar, apoderar-se), metaforicamente empregada, quis dizer: deixar de se agarrar as coisas, parar de tomar o conhecimento como empréstimo e fazê-lo brotar e si mesmo. Quando você se apodera de algo, significa que esse algo tinha um dono e, que portanto, aquilo que passou a ser teu, nunca de fato o será. A Verdade só pode ser compreendida e nunca apoderada. A verdade apoderada é emprestada ou furtada de outro, por isso é de segunda mão e nunca será uma Verdade.” Júlio César de Castro *

         Existe o conhecimento que se aprende dos livros, na escola, na faculdade. Esse tem que ser "pego" dos outros  pois é assim que a ciência avança. Existe também a sabedoria- o que é outra coisa e tem a ver com a percepção da verdade sobre  si mesmo.  Mas a “Verdade” em seu sentido mais amplo tem a ver com a realidade, com aquilo que é verdadeiro, em oposição ao que é ilusório, mentiroso ou falso. A Verdade  nunca pode ser emprestada. Não dá pra se apoderar da Verdade de outro e repeti-la como se fosse a sua. Todavia, não podemos esquecer que o outro pode apontá-la. Resta-nos olhar e ver por nós mesmos aquilo que é apontado.

A visão do alto é mais ampla e vasta
          Além disso a minha verdade, ou visão da Verdade é um fenômeno totalmente singular e pessoal. A Verdade de Jesus, por exemplo,  tem a ver com sua experiência e  nível de consciência e, assim penso, que é a Verdade de cada um. A visão de quem está no topo não é a mesma de quem está na planície. Quem está no alto, vê com mais amplitude. Quem está embaixo tem uma visão mais limitada. Mas ambos podem estar vendo a mesma coisa, todavia sob perspectivas diferentes devido a diferença de níveis e ângulos de visão. O  aprendizado é infinito. Assim, pode ser que não existam topos- no sentido de haver um limite. Mas quando o outro aponta algo lá do alto e você cá embaixo consegue perceber a mesma coisa -às vezes com um certo esforço, após um certo tempo e “treinamento” etc - isso não estaria no mesmo sentido do "roubar" ou "tomar"- dado pelo dicionarista.

           Assim,  quando os mestres nos ensinam, estão falando de algo que muitas vezes não conseguimos ver-mas que podemos perceber diretamente por nossa própria experiência. Considero que esta seria a atitude mais sensata e sábia.O fato é que ninguém vive isolado. Usando uma metáfora: o sapo que vive na lagoa, pode até duvidar da existência do mar. Mas ele pode ir até lá e vê-lo com seus próprios olhos. Então não haverá mais dúvidas. Isso me lembra também a “Alegoria da Caverna” de Platão. Os que estão acostumados às sombras, talvez duvidem da existência do mundo colorido e tridimensional. Mas eles não precisam acreditar na sua existência. Precisam apenas ter coragem para se levantar  e constatar por experiência própria a verdade da existência ou não de tal mundo.
Alegoria da Caverna de Platão :as sombras da ignorância e a Luz da Verdade

          Da mesma forma, os mestres e iluminados do passado nos falaram da existência de um outro mundo, de uma outra dimensão- não necessariamente física. Seria infantil ficar apenas teorizando e discutindo sobre a existência e aparência de tal mundo. Como saber se é VERDADE tudo o que eles disseram? Temos que abrir os olhos e ver. Temos que nos levantar de nosso comodismo e olhar para o lado certo da caverna. Talvez isso demande energia e esforço no início. Talvez precisemos apenas  abrir os olhos e ver. À primeira vista, isso parece muito fácil, todavia, após anos de cegueira mental e espiritual, “abrir os olhos e ver”  pode ser uma das coisas mais difíceis do mundo.

O Medo da Realidade nos paralisa
           Ver a verdade pode não ser algo agradável. O choque da realidade assusta muita gente. Sabendo disso, muitos fogem por medo ou covardia mesmo. E assim preferimos discutir teorias, debater conceitos, confrontar ideias, defender crenças e filosofias- tudo isso para nos distrairmos e não olharmos para o que realmente importa: a verdade sobre si, sobre homem e o mundo. Isso seria bastante chocante , doloroso e, talvez, insuportável. E o mais curioso é que não encaramos a Verdade por medo que ela nos faça sofrer. Mas, talvez, apenas quando tivermos a coragem de ver a VERDADE sobre nós mesmos e o mundo é que poderemos nos libertar do sofrimento.Como saberemos? Temos que “ir e ver”!


Alsibar
http://alsibar.blogspot.com

* Agradecimento especial ao Júlio César de Castro por seu comentário que me inspirou o artigo. Muito obrigado.

sábado, 2 de março de 2013

UG KRISHNAMURTI: UM NOVO ESTADO DE CONSCIÊNCIA



Upalluri Gopalla Krishnamurti, ou simplesmente UG, foi  um buscador como milhares de outros ao redor do mundo. Passou boa parte da vida procurando a Verdade . Praticou métodos de Ioga, estudou Teosofia e Ocultismo, meditou bastante sob orientação do mestre Sivananda, mas nada parecia satisfazê-lo. Chegou a visitar o mestre advaita Ramana Maharshi e durante muito tempo fora ouvinte assíduo das palestras do grande mestre Jiddu Krishnamurti. Finalmente convenceu-se  que tinha que abandonar tudo e seguir seu próprio caminho. Certo dia, algo inesperado  lhe aconteceu. Isso mudou completamente sua vida e maneira de ser. Ele chamou esse evento de “calamidade”. Outros viram aí o despertar repentino de uma energia poderosa e desconhecida . Seria o despertar da Kundalini? Seria isso o que todos chamam de Iluminação? Nesta palestra antiga e rara, gravada logo após a “calamidade” , UG revela a natureza deste fenômeno, fala sobre os ensinamentos de J. Krishnamurti e demonstra uma visão bastante peculiar sobre assuntos como iluminação, meditação e espiritualidade. Vale a pena  preparar a mente para ouvir algo novo e- talvez perturbador!(Alsibar)

PALESTRA RARA DO FINAL DOS ANOS SESSENTA

Por algum golpe de sorte- ou pela Graça de Deus se você quiser- eu cheguei ou tropecei em um novo estado de ser. Melhor dizendo, eu me encontrei desperto para uma maneira totalmente nova de viver. Minha oração costumava ser: “ Oh Deus, caso exista um  deus, por que me abandonaste?”. Isto agora mudou para algo assim: “ Oh Deus, caso exista um deus… -aquela parte: “ caso exista um Deus” ainda continua - “ Por que me escolheste para derramar toda tua Graça Divina  sobre mim?”.

Mas descrever isso em termos de “Iluminação”, “esclarecimento” ou pela palavra sânscrita moksha ou libertação, ou mesmo para usar aquelas palavras bonitas “ primeira e última liberdade”, “mutação radical”…  é perder o ponto.
Não é  , realmente, uma revelação  religiosa . Ou mesmo, o que chamamos de “ algo além do intelecto humano”. Não há nenhum mistério nisso. Isto não é a mesma coisa que as pessoas falam: que a apreensão da Verdade espiritual é algo intelectualmente incompreensível.

Não há mistério sobre isto. O que aconteceu comigo é puro e simplesmente um fenômeno físico. De alguma forma, o mecanismo da mente parou. E os sentidos começaram a funcionar , ou operar, de uma forma muito pura e simples. Isto em si mesmo é uma coisa extraordinária. Isto não é uma questão de “iluminação” espiritual ou intelectual - de forma alguma. Ou para usar aquela expressão comum “ algo religioso”.

Não há nada a ser convertido , nenhuma crença, ou nenhum estado monástico. Ou até mesmo se sentar em meditação procurando absorção em Deus, Infinito ou qualquer que seja o nome. Não é uma fábula imaginada ou contada. É um mundo no qual nós mesmos não mais existimos. Não é algo nem explicável, nem  inexplicável. Não há por que se fazer mistério sobre isso. Se tal coisa acontece a um indivíduo, ele não estava diretamente preocupado com a comunhão da alma com Deus ou coisa parecida.
Assim, qual é então o efeito disso sobre o comportamento de um indivíduo?
Isto afeta não somente seu comportamento mas a totalidade do seu ser. Isto pode afetar os outros também? Como diz o provérbio:
“ Você não pode acender uma vela e colocá-la embaixo de um arbusto”.

O que eu penso de Krishnamurti?
Seu estado de ser, seu ser… não deve ser diferente daquele dos sábios, santos e salvadores da humanidade. As abstrações que ele joga para as pessoas, é um tipo de “truque” para levá-lo àquele estado em que a mente pára. Uma parada repentina onde algo pode acontecer. Mas se você apenas repete aquelas frases, isto se torna uma mera tagarelice, uma verborragia, um disparate...Será uma coisa sem conteúdo.
 Você pode, inclusive, citar o Bhagavad-Gíta, a Bíblia ou o Alcorão. Ou qualquer uma das escrituras. Não fará nenhuma diferença. Só mais uma coisa… Um novo conjunto de frases é totalmente necessário para se falar sobre isto. Por que repetir aquelas frases? Por que falar das flores? Onde os olhos as observam e os ouvidos as escutam? Você está  fora de toda esta estrutura, de uma vez por todas.
Você nunca mais fará estas perguntas. 

O que existe por detrás e por baixo daquelas abstrações que Krishnamurti lança pras pessoas? Existe alguma coisa afinal? Como uma visão mental,  uma concepção ou visão mental... uma imagem mental, ou até mesmo como uma expectativa otimista… elas soam maravilhosas. São palavras encantadoras. Mas se você realmente conhecer isso, eu acho que você, talvez , nem vai desejá-lo. É uma dinamite. Não é algo com que se possa brincar.

Como eu sei disso?... Qual é a pergunta?... Eu realmente não sei. Sua conjectura é melhor do que a minha. Se eu lhe disser que é a mesma, qual valor isso tem? Se eu lhe disser que não é a mesma coisa, isso também não terá valor nenhum.
Mas por que coloquei estas questões pra nós? Como podemos saber sobre algo que não é seu, nem de ninguém mais?
Você não tem como sabê-lo, em absoluto.

Com um pouco de sorte, você tropeça nisso. Isto pode ser um negócio completamente desconcertante e intrigante. Você nem mesmo se importa em compará-lo com o de ninguém mais. Não será a mesma coisa, nem chegará a você da forma como você imagina.

O despertar espiritual- ou como quer que você chame isso -não chegará a você da forma que você imagina. Ele chegará contrariando todas suas imaginações. Ele chegará de uma forma muito simples, tranquila e inesperada.
Mas , de qualquer forma, o que é exatamente isso? Pode me dizer o que é isto que você está buscando, o que você quer? Ou você está tentando descobrir? Você pode me dizer?

Mudar  completamente a estrutura e o pensamento da civilização? Não é algo religioso. Isso significa que o próprio fundamento sobre o qual a superestrutura da civilização repousa, deve ser destruído. Isto não pode ser feito de uma maneira fácil. Nem pode ser feito sem uma mudança total em nossa perspectiva intelectual e espiritual.
O sistema educacional deve mudar. Mas não é fácil dizer tudo isso. A não ser que um indivíduo mude, não haverá mudança de forma alguma. E mesmo aquela mudança não pode ser feita através da vontade. E isto requer uma grande compreensão. Se fosse tão simples, com todas as descrições que temos nas escrituras hindus e budistas , todo mundo na Índia teria sido um grande iogue.

Certamente nós temos oito milhões de sadhus ao redor do país. Há tantas afirmações para isso que você chama de Iluminação Espiritual, que o resultado é que você não sabe o que é  iluminação ou quem é realmente e genuinamente uma alma  que alcançou um autêntico despertar espiritual.

Atualmente, a quantidade de discípulos ocidentais parece ser a medida, da grandeza de um mestre espiritual. Eles tem muitos seguidores, na Europa, na América e no mundo todo, cavalgando ao redor do globo. Falar para estas pessoas, se tornou algo muito “chique”.

UG Krishnamurti

Tradução: Alsibar ( se você achou que algo não foi traduzido corretamente, por gentileza, coloque nos comentários sua sugestão- obrigado)
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