O
caso envolvendo um dos mais famosos gurus da auto-ajuda motivacional acende um
alerta importante. Nesse artigo, eu falo sobre a importância das ações
motivacionais mas também chamo a atenção para seus limites e o perigo dos
exageros. Leiam o artigo até o final e reflitam sobre suas considerações para
não cair no mesmo erro do James e de suas vítimas.
Se você assistiu ao
documentário ou leu o livro “ O Segredo” com certeza deve se lembrar de
James Arthur Ray. Na série, Ray cita uma bonita frase de um poema indiano : “Deus
dorme nas pedras, respira nas plantas, sonha nos animais e desperta no homem”.
Ele também é aquele que fala na hora do gênio da lâmpada dizendo: “você provavelmente já ouviu falar em
Aladin e o gênio da lâmpada. Aladim acha a lâmpada, esfrega-a e aparece o gênio
que sempre diz: “seu desejo é uma ordem”.Então você terá o universo representado
como seu gênio e o seu consciente como a lâmpada. Qualquer coisa que você
desejar de forma consistente, com seu pensamento, sentimento e ação- estará
vindo para você.”
Essa visão de que o homem
tem poder ilimitado para alcançar qualquer coisa que quiser, pensar e imaginar-
sem nenhum limite ou critério- custou caro ao James. Ele perdeu sua credibilidade e quase dois anos de sua liberdade por conta de uma tragédia que aconteceu em 2009 durante um retiro espiritual promovido e coordenado por ele, em Sedona no deserto do Arizona. Durante um treinamento inspirado em um antigo ritual indígena, os participantes tinham que ficar confinados embaixo de uma tenda hermeticamente fechada sob um sol escaldante. O cenário perfeito para uma tragédia que, de fato, aconteceu: várias pessoas passaram mal e três morreram. James não era nenhuma criança quando o tal "incidente" aconteceu. Ele
já era um homem maduro, experiente e milionário. O documentário da Rhonda Byrne alçou várias figuras anônimas ao
estrelato instantâneo. O problema , no caso do Ray, é que ele aparentemente não
aprendeu lições básicas que qualquer ser humano mediano aprende ainda criança como, por exemplo, ter humildade para ouvir e aceitar os limites da vida.
Ray é um caso típico da
mentalidade que impera no mercado da auto-ajuda: vender a ilusão do "Super-Homem com super poderes". “Você pode tudo!”, “ Seja forte!”, “ Não desista!”, “ Não
seja fraco!”, “ Não seja covarde”! “ Acredite em seu potencial”- tudo isso tem
um fundo de verdade mas sempre dentro de certas condições. Cada frase dessa não
expressa uma verdade absoluta, mas relativa-são válidas mas têm seus limites. Você pode usá-las para motivar a si mesmo e aos outros,
mas não pode esquecer outros valores importantes geralmente ensinados no seio da família ou na escola como: equilíbrio, comedimento, temperança e prudência. Infelizmente, muitas vezes, a fama vem
acompanhada de um aumento da arrogância e da prepotência. Os sábios nunca se
encantam pela fama pois aí estariam pavimentando o caminho da ruína.
Assim como Ray, Osho, Bikran
Yogi, Michel Holy Hell, Jim Jones etc- todos seguiram o caminho da imprudência
e inconsequência. Talvez confiando que a sorte , a fama, o poder e o dinheiro
iriam livrá-los de todas as consequências de seus atos. Esse é um problema comum entre os gurus. Parece que
eles realmente acreditam que são semideuses acima das leis que se aplicariam apenas aos “reles
mortais”. Por isso, abusam de seus poderes, agem de forma
inescrupulosa,
inconsequente, irresponsável e descuidada. Quem mais sofre com tudo isso são as
vítimas. Em geral, seus algozes conseguem se safar das leis através da
contratação de caríssimos advogados. Ray conseguiu baixar uma sentença de seis
anos para 20 meses- mesmo assim- ao contrário do que acontece geralmente no
Brasil- penso que foi uma sentença razoável. Afinal, alguém tinha que ser
responsabilizado pelas mortes trágicas e ele era o supervisor direto do que
estava acontecendo na tenda indígena.
De fato, bastava algo simples e básico como o "ouvir" e talvez isso tudo não tivesse acontecido. Se todas as pessoas estavam embaixo
de uma tenda indígena coberta com uma lona quente debaixo de um sol escaldante
no deserto de Sedona- ao primeiro sinal de mal estar, ele deveria ter ouvido os apelos e deixar sair quem não quisesse
continuar. E mesmo que ele tenha dito em sua defesa que ninguém era obrigado a ficar, havia
uma poderosa pressão psicológica no sentido contrário: aqueles que desistissem
seriam considerados fracos e covardes- e
ninguém queria assumir esse papel diante dos outros e de si mesmo. Além disso,
dependendo da intensidade e da rapidez do mal estar , é provável que algumas pessoas não tenham
tido nem a chance de pensar que uma tragédia poderia lhes acontecer. Daí
porque, segundo o que se apontou nos autos, algumas pessoas tentaram avisar ao Ray de que algo errado estava acontecendo, mas ele não lhes deu ouvidos.
Se ele tivesse prestado
atenção aos apelos daqueles que viram os companheiros passando mal, certamente
nada disso teria acontecido e hoje o Ray estaria na mídia e no mundo espalhando
sua mensagem parcialmente verdadeira. Ao contrário do
que dizem os “coaches” e “gurus de auto-ajuda”-
o homem em sua complexidade não pode ser reduzido a uma espécie de
máquina movida por chavões e conceitos motivacionais. A vida é muito maior do que isso e demanda
uma visão holística que alcança o profundo sem esquecer o raso, que domina o
complexo, sem desprezar o básico. Bondade, serenidade, prudência e sensibilidade- são princípios básicos tão importantes quanto os conceitos da neurolínguística ou da
física quântica.
Aceitar o ser humano em todas as suas dimensões significa compreender sua complexidade e que há em sua constituição
espiritual, psíquica e física elementos que não podem ser controlados. Não é
vergonhoso ou humilhante assumir as fraquezas e limitações humanas-uma lição que o
próprio guru/líder deveria ser o primeiro a saber. Ray aprendeu essa lição da
forma mais dramática e difícil possível. É óbvio que ele merece uma segunda
chance, mas também é verdade que sua credibilidade conquistada duramente ao longo
de anos dificilmente será recuperada. Por mais que tente, ele nunca mais será
visto com o mesmo olhar de antes da tragédia. Será sempre lembrado como o responsável pelas
mortes da Tenda indígena de Sedona, pois teve o poder de evitá-las, mas que, por
imprudência, irresponsabilidade ou burrice- não o fez.
By Alsibar
Julho-2020