Existe um tipo de atenção que é
desconhecida de quase todos. De tão sagrada e sutil, as pessoas têm grande
dificuldade em entendê-la e encontrá-la - mesmo quando descrita em detalhes. As grandes religiões, os grandes mestres-
notadamente o Zen-budismo e o Taoismo- sempre falaram dela. Mas quem a
encontrou? Quem a descobriu? Quem a viveu?
Este estado de “atenção
especial” é tradicionalmente conhecido
como Meditação. Todavia, são tantas as definições, visões e métodos que
tornou-se quase impossível descobrir o que ela realmente é, por isso, preferi
usar hoje o termo “atenção” . Este estado especial de atenção não é a mesma do aluno em sala de aula, ou do motorista no trânsito, ou a do pai que repreende
o filho, ou a de alguém assistindo a um filme , partida de futebol, ou
estudando. Não. Esta atenção é especial. Talvez você nunca a tenha experimentado. Ela é de difícil alcance, definição e percepção.
Resolvi falar sobre ela, não como
um “mestre” que encontrou a Iluminação. Mas como uma pessoa comum que teve a
“graça” de amanhecer nesse estado sublime. Ontem, dormi ouvindo o áudio-livro
de J. Krishnamurti: a arte da meditação ( link no final do artigo). Não tenho
dúvidas que isso motivou o surgimento desse estado pela manhã. Daí, vem a primeira grande
questão: como surge esse estado? Como praticá-lo? Como "produzi-lo"?
Já falei sobre isso várias vezes.
A meditação,que se pratica em tempo e horário marcados, é um tipo de prática
importante para a saúde física, mental e espiritual. Mas esse “outro” estado de
atenção não pode ser praticado. É como se, de repente, você acordasse dentro de
um sonho e percebesse que está dormindo em sua cama- mesmo sonhando. Alguns
fatores parecem desencadear isso: o ouvir , ler, conversar sobre o assunto- mas
nada é garantido. Já dormi várias vezes ouvindo Krishnamurti e isso nunca
havia acontecido antes. E Krishnamurti sempre fala sobre meditação, mesmo quando está
abordando outros assuntos como, por exemplo, amor ou
sexo.
Então qual é a diferença?
Passei boa parte da minha vida
tentando entender esse estado, tanto para benefício dos outros quanto para meu
próprio. Mas ele sempre me escapava. É fácil esquecê-lo e perdê-lo. Quase
ninguém o conhece , alguns nem mesmo ouviram falar. E mesmo dos que ouviram, poucos os que o vivenciaram. Mas eu digo: ele existe. E não se parece com nada do que ensinam os
tais “gurus internéticos”.
Nesse estado há um silêncio- não
forçado, nem absoluto- mas uma qualidade de silêncio, mesmo em meio ao barulho
do pensamento. É como se nada pudesse atingi-lo ou tocá-lo, nem mesmo os
pensamentos. Há também uma qualidade de relaxamento, de descanso, de
não-esforço. O que remonta aos ensinamentos dos mestres taoístas e advaitas (não-dualistas). É fugaz e ao mesmo tempo sólido, profundo,
insondável. Foge a menor e mais leve tentativa da mente de dissecá-lo,
entende-lo ou prendê-lo para uso posterior.
J. Krishnamurti passou uma vida
falando somente sobre isso, mas muita gente não entendeu. O que, a meu ver,
demonstra o quanto a humanidade está deficiente em termos de “atenção”- Ele a
chamava de “atenção sem escolha”. Mas mesmo esse termo é confuso. Um amigo meu do
Face achava que não poderia mais escolher entre o carro branco ou cinza
metálico. Entre um sedan e um hatch.
E quantos não devem pensar assim?
Vou tentar explicar como entendi.
Por que “atenção sem escolha”? Por que, quando você está nesse estado, não há
direcionamento, o foco de sua atenção não pode ser direcionado, controlado.
Você não vai escolher “prestar atenção” nisso ou aquilo. Quando se direciona,
controla, ou escolhe, nesse momento, você reforça o centro que decide o que vai
olhar, observar. Ora, mas não é esse o próprio centro de que se busca a
libertação? Não é ele o “ego”, o divisor, criador do conflito? Por isso , é um
estado integrador, sem direcionamento, sem recusa, nem aceitação.
Ele não é introspecção. Não é um
“mergulho no interior”, pois quem vai mergulhar? Novamente a divisão. Quanto
maior o esforço para “produzi-lo” menor as chances de encontrá-lo. Pois o
“produtor de esforços”, que JK chamou de “experimentador/observador”, deve
cessar para que “Aquilo” possa emergir, manifestar-se. Não há medidas. Não se
pode dizer: é um estado profundo. Pois, quem irá dizer? Não está dentro, nem
está fora. É algo sutil, depende muito mais de sensibilidade do que de
conhecimento.
É um estado de Paz? Digamos que
sim. Talvez seja a palavra mais próxima,
mas mesmo ela é imprecisa. Nessa atenção não existe a dualidade paz e conflito. Está além. Por
isso é tão sublime e sagrado.
Não é à toa que JK sempre falava
sobre a atenção de diversas formas, meios, linguagens, perspectivas. Hoje o
entendo. E penso que raríssimas pessoas – mesmo os verdadeiros mestres- conseguiriam
expressar a sutileza desse estado. Acho que todos eles se esforçaram. Palavras
como Paz, Meditação, Nirvana, Atenção Plena, Wu-wei ( ação pela não-ação) foram
esforços tremendos para expressar algo que realmente extrapola os limites da
comunicação e da linguagem.
E o que resta ao buscador comum,
sincero que deseja encontrar algo além da mente? Um emaranhado de gurus,
livros, definições, conceitos que mais confundem do que esclarecem. Que mais
prendem do que libertam. Que pesam em nossas mentes impedindo a leveza e a
liberdade.
Talvez por isso, acordei hoje com a clara sensação de que deveria
escrever sobre esse estado, sobre minha experiência com “isso”.
JK dizia que isso não pode ser
praticado. E vejo que ele estava certo. Tentar praticar ou provocar isso
resultará inevitavelmente ao fracasso. O que fazer então?
Mantenha-se tranquilo e aberto.
Procure manter-se em paz e feliz, sem conflitos, desejos, expectativas ou
ansiedades. Sonde sempre duas coisas: sua atenção e sensibilidade. Na atenção
há sensibilidade. Ser sensível aos seus
pensamentos, às emoções, às impressões auditivas, olfativas e visuais . Não se
tranque em si mesmo. Mantenha-se livre desde o começo. Talvez um dos maiores
erros dos meditadores seja a ideia de que precisam se fechar, se isolar do
mundo pra encontrar a paz. Essa paz que se isola me parece superficial e
ilusória. A atenção é um estado de plena liberdade e harmonia entre o exterior
e o interior. Sem divisões.
E por último: como está a
qualidade de sua atenção? Esqueça os livros e gurus. Foque-se na qualidade de
sua atenção. Sua mente está atenta? Como saber? Na atenção existe silêncio ,
liberdade e sensibilidade. Na atenção existe paz- além das definições- mesmo
daquelas ensinadas pelos mestres.
E se um dia estiveres perdido,
confuso e sem rumo... Experimente perguntar a si mesmo: como está minha
atenção? Como está minha mente? Há silêncio, paz, sensibilidade e liberdade
nela?
Se não houver, procure... até
encontrar. Um dia, quando menos esperar, ela estará ali. Mas você tem que estar
preparado para percebê-la. A bem da verdade, ela sempre está ali. Mas como
percebê-la se vivemos eternamente ansiosos, buscando no tempo aquilo que está
além dele?
JK costumava dar um exemplo
fabuloso: a meditação é como brisa que entra pela janela. Você não pode
provocar a brisa. Mas para senti-la tem que deixar a janela aberta e ficar
atento para não perdê-la quando ela soprar.
Que nesse ano de 2016 você possa
sentir a brisa da paz divina em seu ser. Não desejo que ela seja perene pois,
se assim fosse, não seria a brisa do Eterno. O próprio desejo de mantê-la ou
continuá-la faz cessá-la. Apenas deixe sua mente aquietar-se por si mesma. Na
verdade, ela em seu centro, é quieta, imóvel. Você só precisa estar atento ao
seu próprio movimento. Quando ela estiver inquieta- não faça nada. Apenas
constate o fato e espere- sem ansiedades. Ela ira acalmar-se. E quando estiver
calma- novamente não faça nada. Apenas constate e deixe ela à vontade. É nesse
movimento de inquietude e quietude que você vai aprendendo a lidar com ela.
Trabalhe. Faça o bem. Encontre a
felicidade na paz. E fique atento-sempre que se lembrar – uma atenção simples,
serena, tranquila. Nada de atenção forçada. Esta não leva a muita coisa. O
resto deixe por conta da Vida, de Deus, do Universo!
Feliz 2016 a todos os leitores,
amigos e visitantes do Blog. Fecho 2015 com a sensação do dever cumprido .
Até a próxima!
Namastê!
Alsibar
Link para o audio livro: a arte da meditação de J. Krishnamurti