Esse é o último dia de uma série de entrevistas que o escritor e jornalista Rom Landau teve com Jiddu Krishnamurti em Carmel- Califórnia. Nessas
conversas, publicadas no livro " God is my Adventure", o pesquisador
tenta esclarecer algumas dúvidas que sempre pairaram sobre a figura e a história
de J.K. . Em termos de registro, é uma referência rara a Jesus demonstrando, o grande
respeito e admiração que K. tinha pelo mestre nazareno. Leia o final da
entrevista e tire suas próprias conclusões.(Alsibar)
Na véspera
de minha partida, quando chegamos ao nosso local favorito, sob os pinheiros do
outeiro, senti que aquela era nossa última conversa. Comumente as despedidas
trazem a meus lábios palavras que me sentiria acanhado de pronunciar em
circunstâncias menos excepcionais. A presença de Krishnamurti, entretanto,
excitou minhas faculdades emotivas sem fazer-me sentir como um tolo.
"Krishnaji", disse pegando-lhe as mãos entre as minhas, "minha
visita chega ao fim. Sou-lhe muito grato por estes maravilhosos dias.
Entretanto, quero ainda falar-lhe sobre um assunto que já discutimos várias
vezes."
"Que é?
Não se sinta acanhado diga."
"Compreendo
seu ponto de vista de que sua missão não é agir como um médico, não lhe sendo
possível prescrever pílulas espirituais para as criaturas. Mas, ainda assim,
diga-me: Como pretende você ajudá-las? Sei que deseja que todos vivam tão
integralmente que se tornem verdadeiros e tão verdadeiramente que sejam capazes
de se libertarem do espírito de posse, da inveja, da cobiça. Mas uma tal
revolução interior exige força que só bem poucos possuem. Você o conseguiu, e
encontra-se no topo de uma montanha na qual vive em estado de unidade com o
mundo, o que significa em êxtase constante. Entretanto, você se esquece de que
nós todos, milhões e milhões de seres, vivemos nas vastas planícies, ao pé da
montanha. Poucos suportariam uma vida de êxtase contínuo. Ela os abrasaria;
viver em permanente estado de percepção, coisa essencial, os destruiria.
Compreendo que seja esse o alvo; compreendo que seja a única vida que valha ser
vivida; mas não julgo que estejamos tão amadurecidos que possamos fazê-lo"
Krishnamurti
chegou-se para bem perto de mim - como já fizera várias vezes antes - olhou
profundamente em meus olhos e disse com sua voz melodiosa: "Você tem
razão. Eles vivem nas planícies e eu vivo, como você disse, no alto da
montanha; mas eu espero que aumente sempre o número de seres humanos capazes,
de suportar o ar fresco do tope da montanha. Um homem infinitamente maior que
qualquer um de nós teve que seguir seu caminho até chegar ao Gólgota, não
importava se seus discípulos o podiam seguir ou não; não importava que sua
mensagem fosse imediata ou tivesse de esperar por séculos. Como pode você
esperar que eu tenha algo a ver com o que deve ser feito e como ser feito? Se
alguém esteve no topo da montanha, já não pode voltar à planície. Pode apenas
tentar fazer com que outros sintam a pureza do ar e gozem a vista infinita e se
tornem uno com a beleza da vida ali".
Desta vez
não havia tristeza na voz de Krishnamurti e, em seu olhos, percebia-se uma luz
que era amor, compaixão, simpatia, que antes já me comovera várias vezes.
Quando nos levantamos e subimos vagarosamente a colina que levava à sua casa,
não havia nele o menor sinal de desânimo. O sol se deitava, e faixas de nuvens
verdes e rosas se espalhavam por todo o céu. A noite desce rapidamente nessas
regiões, e dentro de poucos minutos a luz desaparece.
X
Apertamo-nos
as mãos e desci em direção à praia, como fizera diariamente desde que chegara a
Carmel. Era natural que nesse último dia em que o visitava, toda a vida de
Krishnamurti se desdobrasse diante de mim. Haverá outra vida nos tempos
modernos que se compare à dele? Tem havido muitos Mestres e Instrutores, Ioguis
e Lamas adorados por seus seguidores. Mas nenhum deles foi arrebatado de sua
existência comum para ser ungido como o prometido Instrutor do Mundo. Nenhum
deles foi aceito pelo Oriente e pelo Ocidente, pelo mais antigo continente e
pelo mais novo, pelos cristãos, hindus, judeus e muçulmanos, por crentes e
agnósticos.
Nem
Ramakrishna, nem Vivekananda foram educados e criados para sua futura missão de
Messias; nem Gandhi, Mrs. Baker Eddy, Steiner ou Mme. Blavatsky conheceram tão
estranho destino. Nem nos registros dos místicos do Ocidente, nem nos livros
dos ioguis e santos do Oriente encontramos a história de um "santo"
que depois de vinte e cinco anos de preparação para um destino divino resolve
tornar-se num ser humano comum, renunciando não apenas aos bens materiais, mas
também a todas as suas pretensões religiosas. Estava quase escuro e as
primeiras estrelas começavam a aparecer. A atenção não era dispersada por luz,
cores e aspectos do dia. O misterioso exemplo do notável fado de Krishnamurti
tornava-se mais claro, e comecei a compreender o que queria ele dizer quando me
contara que até pouco antes a vida fora um sonho para ele, mal tendo
consciência da existência externa em seu derredor. Não teriam sido os anos de
preparação? Não teriam sido os anos durante os quais o homem Krishnamurti
procurava encontrar-se a si mesmo, para substituir aquele primitivo "eu" através
do qual a Sra. Besant e Charles Leadbeater, a teosofia e uma estranha
credulidade agiram durante mais de vinte anos?
Efetivamente,
não era única a história de Krishnamurti? O mestre que renuncia ao trono no
momento do seu despertar, no instante em que dentro dele o Deus tem de ceder o
lugar ao homem, e o homem pode começar a achar Deus dentro de si? Mesmo durante
os anos em que seu espírito penava em sonhos, não estivera ele cheio de uma
verdade que ainda hoje é tão misteriosa que não chegamos a compreendê-la?
(Do livro de
Rom Landau “God is my Adventure”.
Tradução de
Marina Brandão Machado).
Excelente texto, Alsibar. Obrigada por compartilhar.
ResponderExcluirSim, Ed Maysa- obrigado pelo coment!
ExcluirIsto quer dizer que Krishnamurti no final de sua vida reconheceu a autoridade de um mestre, e nesse caso Jesus? O que nos diria sobre isso Alsibar?
ResponderExcluirEle foi apenas simples em se colocar como menor, isso se chama humildade.
ExcluirOla amigo Anônimo 1 de Abril,
ResponderExcluirKrishnamurti não reconheceu autoridade de ninguém. É tanto que ele não disse "um mestre infinitamente maior..." e sim " Um homem infinitamente maior". Krishnamurti tinha afeição tanto por Jesus quanto por Buda- apesar de se identificar mais com este último. Isso demonstra um espírito livre dos preconceitos e das pre-concepções- inclusive das suas próprias. Ele falou do que emergia do seu coração naquele momento, independente de parecer incoerente, ou até de correr o risco de ser mal interpretado.
Isso pode soar pra nós como "reconhecimento da autoridade"- todavia, fica a questão: grandeza espiritual é o mesmo que autoridade espiritual? Ou um é inversamente proporcional ao outro? Lembrando que "autoridade" no sentido que K. desprezava era exatamente a pessoa que se considera a si mesmo ou aos outros como detentores da Verdade.
Fica aí a reflexão!
Namastê!
É a primeira vez que vejo uma não diria conciliação, mas um entendimento maior sobre Jesus. Eu acho muito lindo o trabalho de Krishnaji e no começo não entendia o porque dele meio que desmerecer Jesus. Seus ensinamentos. No decorrer fui verificando que ele aprofunda na dependência humana que se tornou desses ensinamentos. Uma espécie de genérico e que nada tem de profundo. Krishnamurti não falava de nada. Não ensinava nada. Ele penetrava nas coisas, no conhecimento do mundo, de sí mesmo. O mesmo trabalho de Jesus...
ResponderExcluirÉ isso mesmo Miller- obrigado pela participação.
ExcluirFraterabraços!
o NOVO ADÃO é infinitamente superior; ... "E o verbo se fez carne, e habitou entre nós."
ResponderExcluirhttps://youtu.be/dBJVGNvsB_A
Gratidão por compartilhar suas pérolas.
ResponderExcluir_/\_
Quanto a esta citação realmente não conhecia. Posso dizer o seguinte:
ResponderExcluirOu este jornalista Rom Landau tinha algum interesse em colocar esta citação favorável a Jesus na boca de K de maneira mentirosa, já que me parece não houveram outras testemunhas.
Ou Krishnamurti era um tremendo de um hipócrita recalcado, se for mesmo verdade.
Um doente mesmo, pois nunca afirmou algo nem perto disto publicamente..
Pedro Zapata , o livro foi escrito em 35. São sobre vários misticos e sua jornada. Ele acabou no fim praticamente virando muçulmano no final da vida. Não me parece ser alguém em que se possa confiar totalmente. Não confiaria neste relato não.
ResponderExcluirPelo menos K saiu ileso.....kkkkk
https://en.wikipedia.org/wiki/Rom_Landau
Rafael Liza Moreira disse: Um bocado de coisas a se refletir por aqui!... Mas ainda sobre a referência de Krishnamuirti a Jesus, que foi citada em comentários acima, tenho isso em cópia de um boletim “Carta de Notícias” da ICK, que xeroquei décadas atrás. É... sou do tempo do xerox... A ICK publicou nesse periódico o trecho do livro desse jornalista, e guardei comigo porque era importante isso na época, pois como um apaixonado pela mensagem de K isso me intrigava. Eu gostava de crer que era algo genuíno, pois tenho um inegável fundo cristão (um condicionamento, diríamos...), e K jamais disse algo do gênero (?), que aprovasse mestres ou avatares, ao menos não após dissolver a Ordem da Estrela (a dissolução da Ordem foi em 1929 e essa entrevista com Rom Landau é de 1934). Mas hoje de fato questiono, a exemplo do Nirav, a certeza da autenticidade do relato desse jornalista. Foi, de fato, numa suposta conversa em particular. Será mesmo que K disse assim? Pode ser... Sei que K tinha também profundo respeito pela figura de Buda, li em uma das suas biografia publicadas, mas ele nunca menciona Buda como mestre - nem a porrete ele referendava mestres, até por seu histórico de negação deles no contexto da Sociedade Teosófica (como já foi mencionado pelo Galex). Mas hoje isso me importa muito pouco, a gente muda. (?) Nem tanto... porque continuo guardando esses alfarrábios
ResponderExcluirOla Nirav tudo bem?
ExcluirApesar de já ter comentado sobre esse assunto nos “coments” acima vou reforçar o que penso novamente.
Primeiramente: JK não está reconhecendo “autoridade” nenhuma. Ele está na verdade, reconhecendo “o que é”. Ao descrever Jesus como um grande ser- infinitamente maior que todos nós- ele está apenas dando a “César o que é de César”. Só os tolos e idiotas não reconhecem o valor e a grandeza de um homem como Jesus- e JK, certamente, não era nenhum dos dois. Jesus é aclamado e admirado por todos os mestres de todas as tradições. JK, como um grande mestre- apesar de não querer ser chamado assim- não seria exceção.
Outro ponto: quase 100% das falas de JK foram transcritas de discursos públicos. Não há nenhum registro dele falando contra Jesus ou Buda. Mas da forma que ele fala- muita gente o interpretou assim. Quando ele diz “ esqueçam Buda , Jesus...”. Ou algo como “ Nem Buda, nem Jesus nenhum líder ou guru poderá dar-lhe a Verdade ou leva-lo ao Eterno”- Novamente ele não está falando especificamente contra os dois- mas apontando o que esses mesmos mestres já disseram: você tem que ser seu próprio mestre. Você tem que encontrar sua Luz Interior, O reino de Deus está dentro de vós etc etc. Em suma, está corroborando e reafirmando as mesmas verdade desses grandes mestres.
O outro ponto é: JK era uma metamorfose ambulante. Leiam os diversos livros SOBRE ele e verão que cada escritor viu um JK diferente. Por que isso? Simples: JK era um sábio como descrito por Lao Tsé: semelhante a água, fluídico. Fora do púlpito ele era como uma criança, docealegre, espontânea e amável. No caso da citação acima, a raridade está exatamente nisso. JK estava tranquilo, relaxado. Falando para uma pessoa em particular. E como passou uma vida evitando certos assuntos, talvez tenha achado ser a hora de finalmente abordá-los de maneira franca e direta.
Outra questão que poucos lembram: JK lia os evangelhos. Era o seu passatempo: ler os evangelhos e livros de “detetive”- mistério. Procurem isso em suas biografias. Há várias.
Continuando: como todo grande mestre JK tinha um universo infinito de possibilidades dentro si. Como não pregou nada, pelo menos não da forma tradicional, não tinha credos, nem opiniões rígidas baseadas em opiniões do passado- o que configuraria EGO. JK sempre falava daquilo que se afigurava como verdade na hora da pergunta. Ele sempre pensava novamente quando ia falar e procurava perceber a verdade como lhe apresentava naquele momento especifico. Ora, se não fosse assim, JK se tornaria o que o Osho disse uma vez: um sujeito condicionado por si mesmo- o que, a meu ver – é um juízo incorreto.
JK mantinha-se livre até de si mesmo- do contrário não seria JK. Obviamente que ele tinha uma tendência- normal- de ter uma certa perspectiva acerca de certos pontos. Mas sempre que tentaram encurralá-lo em suas próprias palavras e ensinamentos do passado nunca conseguiram- por que JK estava sempre revendo e reanalisando, processo que ele chamava de “investigação.”
Outro ponto: os registros mais “curiosos” sobre JK vieram exatamente dos “não-oficiais”. Como quando ele chamou Osho de criminoso. Conforme registrado aqui no Blog e referendado por várias testemunhas- inclusive vivas ainda- e que confirmaram o relato.
Concluindo: aprendi nos Hare Krishnas: um grande mestre sempre reconhece outro grande mestre. Não vejo contradição nenhuma entre a vida e as palavras de JK e este relato. Pelo contrário, tá dentro da ideia do espirito livre que ele tanto pregava. Além do mais, se estava nos registros da ICK- então eles devem ter checado a veracidade. Outra: se não fosse verdadeiro, o próprio JK, ou seus assessores, teriam lançado alguma nota oficial desmentindo o relato.
Fiquem na paz e obrigado pela visita e comentários!
Fraterabraços!
Alsibar
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Alsibar, respeito toda sua argumentação mas esta frase:
ResponderExcluir"Um homem infinitamente maior que qualquer um de nós teve que seguir seu caminho até chegar ao Gólgota" me parece muito estranha em sua boca.
Se for mesmo verdade como vc diz, alguma coisa na personalidade de K não fluía muito bem. É muito diferente do que ele ensinou por 70 anos.
Assim como ele diz que Osho foi um criminoso me atreveria a dizer que Krishnamurti foi um tremendo de um recalcado!
Talvez ele ser taurino explique algo... :)
É dificil falar com anônimos, botem os nomes nos comentários por favor! Há muita coisa "estranha" em JK e esta é apenas uma delas! Abcs !
ExcluirAlsibar Barbosa, vou deixar meu ponto mais claro.
ResponderExcluirMinha estranheza não é somente por ele ter elogiando Jesus quando.criticava tanto o cristianismo. Ele até poderia ter sido mais carinhoso com Jesus em seus ensinamentos públicos, como Osho foi, inclusive dedicando alguns livros sobre o ensinamento de Jesus.
Mas me causa estranheza principalmente a forma. Esta comparação explicita "infinitamente maior" e "chegar ao Gólgota".
Primeiro ele dizia que não se devia comparar,, todo julgar é mente e bla bla bla... e este tipo de palavra "infinitamente". Comparando-se a Jesus como menor! Parece até coisa de garoto, de fã, tipo fã de Ayrton Senna...rs...
E outra, ele que gostava de uma vida boa, conforto, inverno na Índia, verão nos USA ou Europa, falando de Calvário.
Para mim é o fim da picada e demonstra uma personalidade com pouco equilíbrio, recalcada e hipócrita.
Continuamos amigos? kkkkk
Abraços <3
Rsrsrs. Claro que sim! Abcs amigo!
ExcluirGratidão ALSIBAR ! E a todos pelos comentários . Excelente !
ResponderExcluirObrigado pela participação "sincerily" !
Excluir*VIDA E' VIDA*
ResponderExcluirVerdade!
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