sábado, 9 de outubro de 2021

KRISHNAMURTI: O FINDAR DO CONFLITO!

 


Durante muito tempo, o ser humano entendeu a palavra conflito como sendo a luta entre o bem e o mal, entre a carne o espírito, guerras e disputas entre países e pessoas. Com Krishnamurti, esse termo ganhou uma acepção mais ampla passando a significar não apenas a luta em si, mas a própria ausência de paz interior. Sendo assim, conflito tornou-se sinônimo de ansiedade, agitação, inquietação, sofrimento psíquico.

Ao longo de sua vida, JK explicou, muitas vezes, como este estado de libertação pode nascer na consciência. Note, que não falei do “como alcançar” esse estado porque, na verdade, ele não pode ser alcançado como quem alcança o topo de uma montanha. Ele surge por si mesmo. De forma direta, não há nada a ser feito. Mas, de forma indireta, muita coisa pode ser feita. A primeira coisa é compreender o conflito, o que ele é, como surge e se é possível o seu findar. Embora seja uma compreensão puramente intelectual, ela funciona como um “start” para vivência direta desse processo.

O problema é que mesmo a simples compreensão intelectual que , por definição, é superficial, para muitas pessoas é dificílima. Mas, sem penetrar nesse primeiro nível da compreensão, fica quase impossível a sua concretização. Por isso, tentarei, dentro das minhas possibilidades e com as minhas palavras, explicar a mecânica do conflito. Quem sabe, assim, possa contribuir para a compreensão de um assunto tão importante.

O conflito surge da divisão “ observador e coisa observada”. Destarte, enquanto não houver a compreensão prática do que isso realmente significa, será impossível ir adiante. Toda vez que observo algo em mim e tento modificá-lo, aí estará o observador lutando contra a coisa observada; aí estará a divisão e o conflito. Além do observador normal, comum a todo mundo — que é aquele impulso para mudar as coisas que não gosto em mim — os gurus criaram mais um “observador” que chamo de “observador sutil”. É aquele esforço que se faz para estar sempre observando tudo de forma atenta e “presente”. É o tal “estado de presença”.

Toda vez que você se esforça ou tenta ficar consciente do agora, surge o “observador” . E o conflito surge por que a pessoa, ao se distrair, saindo do tal “estado de presença”, sente-se culpada e frustrada por sua “desatenção”. Isso mostra que os gurus, em sua grande maioria, substituíram um conflito por outro. Por isso que JK não defendia a prática da observação. Observação praticada é conflito porque é uma ação da mente em busca de um estado especial de consciência. De fato, o observador se fortalece toda a vez que alguém pratica o tal “estado de presença” ou “observação ao presente”. Em suma, as pessoas estão perpetuando o conflito, na ilusão de que estão se libertando dele.

Quando não há observador separado da coisa observada não há “estado de presença” consciente. Apesar de poder surgir, vez ou outra, de forma natural. Todavia, o próprio observador não tem consciência da observação. Ele não está consciente de estar consciente. Quando ele olha para algo, como estou olhando agora para a tela desse computador, é uma ação natural, “inconsciente”. Se houver uma entidade consciente — fora de seu estado natural de relaxamento e quietude— então não é o verdadeiro estado original. Se o sujeito ainda precisa, de instante a instante, trazer a atenção para o “agora”, isso continua sendo conflito, pois é o “observador” que percebe sua própria distração e diz para si mesmo: preciso ficar atento. A constante oscilação entre “distração” e “ atenção” comprova claramente que a luta e o esforço continuam.

Mas quando não há observador, nem coisa observada não há luta por que a entidade que criaria o conflito está ausente. Há apenas o “corpo” , com sua inteligência natural, em consonância com os eventos da vida em ação. Não há ninguém consciente do corpo, nem dos sentimento, emoções, reações, nada. Tudo acontece nesse estado de consciência de forma espontânea e impessoal. E, exatamente por isso, não existe mais conflito porque para havê-lo teria que haver a separação da entidade que percebe o fato e se esforça para controlar ou alterar aquilo que é percebido.

Em suma, quando Krishnamurti aponta para o estado de ausência do conflito, pode parecer, à primeira vista, algo simples e banal mas não é. É um estado difícil de ser compreendido e mais difícil ainda de ser “realizado”. Sendo assim, da próxima vez que você ouvir JK falar sobre o findar do conflito, preste muita atenção pois é algo realmente precioso e raro. Enquanto houver conflito não haverá paz, nem plenitude, tampouco haverá amor. Mas, quem teve a sorte ou “graça” de vivenciar esse estado sabe que ele é o ponto de partida para a grande viagem rumo ao Desconhecido!

Alsibar Paz!

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