sábado, 14 de março de 2020

Ramana Maharshi: sobre a “consciência sem escolha” de Krishanmurti




(Encontrei esse raro relato  em Inglês e resolvi repostá-lo aqui. Apesar de não concordar nem com a pergunta – que afirma que Krishnamurti ensina um “método”- nem com a resposta de Ramana- que defende a importância do esforço na meditação, além do que, pelo que me parece, noutras conversas o próprio Maharshi dispensa o “esforço” da meditação- fica aí o registro dessa conversa, no mínimo, inusitada- Alsibar)

Um jovem de Colombo, no Ceilão, disse a Bhagavan:

J. Krishnamurti ensina o “método” da consciência sem esforço e sem escolha como distinto do da concentração deliberada. Sri Bhagavan ficaria satisfeito em explicar como praticar melhor a meditação e qual a forma que o objeto da meditação deve assumir?

Ramana Maharshi: A consciência sem esforço e sem escolha é a nossa natureza real . Se pudermos atingir esse estado e permanecer nele, tudo bem. Mas não se pode alcançá-lo sem esforço, o esforço da meditação deliberada. Todas as vásanas antigas (tendências inerentes) voltam a mente para objetos externos. Todos esses pensamentos devem ser abandonados e a mente voltada para dentro e isso, para a maioria das pessoas, exige esforço. Obviamente, todo professor e todo livro diz ao aspirante que fique quieto, mas não é fácil fazê-lo. É por isso que todo esse esforço é necessário.

Mesmo que encontremos alguém que tenha alcançado esse estado supremo de quietude, você pode considerar que o esforço necessário já havia sido feito em uma vida anterior. Portanto, a “consciência sem esforço e sem escolha” só é alcançada após a meditação deliberada. Essa meditação pode assumir qualquer forma que mais lhe agrade. Veja o que ajuda você a afastar todos os outros pensamentos e adote isso para sua meditação.


segunda-feira, 9 de março de 2020

KRISHNAMURTI FALA SOBRE GURDJIEFF



O LÍDER ESPIRITUAL

Disse que seu guru era um homem  grande demais para ser descrito,                                                            e que tinha sido seu discípulo por muitos anos. Este
instrutor — prosseguiu — transmitia seus ensinamentos por meio de
choques brutais, linguagem grosseira, insultos e ações contraditórias;
e, acrescentou, muita gente importante se contava no número dos
seus discípulos. A própria rudeza dos seus métodos compelia as
pessoas a pensar, obrigando-as a ficar acordadas e a refletir, o que
considerava necessário, pois a maioria das pessoas estão dormindo
e precisam ser sacudidas. Este instrutor dizia  coisas terríveis a
respeito de Deus, e parece que  seus discípulos tinham de beber
muito, porque ele próprio bebia excessivamente às refeições.
Seu ensino, entretanto, era profundo; durante algum tempo fora
mantido secreto; mas agora estava sendo posto ao alcance de todos.

O sol daquele fim de outono entrava pela janela junto com o
barulho da rua movimentada. As folhas das árvores brilhavam na sua
palidez mortal e o ar era frio e cortante. Como acontece em todas
as cidades, reinava uma atmosfera de depressão e indizível tristeza,
em contraste com a luz crepuscular; e a alegria artificial era, por isso
mesmo, mais triste ainda. Parecemos ter esquecido o que é ser
natural, o que é sorrir francamente; nossos semblantes mostram-se
fechados pelas preocupações e ansiedades. Mas as folhas cintilavam
ao sol, e uma nuvem ia passando.

Até nos chamados movimentos espirituais são mantidas as divisões
sociais. Com quanta solicitude é recebida uma pessoa importante,
e se lhe cede o melhor lugar! Como os seguidores se quedam extáticos
ao redor dos famosos! Que fome nós temos de distinções e
rótulos! Esta ânsia de distinção se torna o que chamamos de evolução
espiritual: os que estão perto e os que estão longe, a divisão hierárquica
de Mestre, iniciado, discípulo, noviço. Esta ânsia é natural e
compreensível na vida ordinária; mas, quando esta mesma atitude
é transportada para um mundo onde estas distinções estúpidas nada
significam, isso revela o quanto estamos profundamente condicionados
pelas nossas ânsias e apetites. Sem a compreensão destas ânsias, é totalmente
inútil procurar  ficar livre do orgulho.

“Mas” — prosseguiu ele — “ necessitamos de guias, gurus, Mestres.
Podeis estar acima desta necessidade, mas nós, pessoas comuns,
precisamos deles pois, do contrário, seremos como ovelhas desgarradas.”

Escolhemos os nossos guias- políticos ou espirituais- a partir da
nossa confusão, e, por conseguinte, eles também estão confusos. Queremos
ser persuadidos e confortados, estimulados e lisonjeados, e por
isso, escolhemos um Instrutor para nos dar o que 
desejamos com tanta ânsia. Não queremos investigar a Realidade, mas andamos atrás
da satisfação e da sensação. É essencialmente por autoglorificação                                                         que criamos o instrutor, o Mestre; e sentimo-nos
completamente desorientados, confusos e ansiosos quando o eu  é negado.                                              Se não tendes nenhum instrutor físico direto,
inventais um Mestre secreto e misterioso que está  muito distante.                                                              O primeiro depende de várias influências físicas e emocionais,
e o segundo é uma autoprojeção, um ideal criado por vós mesmos
ambos, porém, são resultados de vossa escolha, e a
escolha se baseia, invariavelmente, no preconceito, na discriminação. É
provável  que prefirais dar um nome mais respeitável e mais confortável
ao vosso preconceito, mas é por causa da vossa confusão e dos vossos
apetites que escolheis. Se buscais satisfação, achareis naturalmente o
que desejais, mas não chameis isto de verdade.

A verdade desponta depois que se acaba o desejo de satisfação, o desejo de sensação.
“Não me convencestes de que não necessito de um Mestre” —
disse ele.
A verdade não é uma questão de argumentos e convicção; não
é produto de opinião.
“Mas o Mestre me ajuda a vencer a ambição, a inveja” —
insistiu.

Pode um outro, por maior que seja, ajudar-vos a operar uma
transformação em vós mesmo? Se pode, não ficais transformado;
ficais apenas dominado, influenciado. Esta influência poderá durar
muito tempo — mas transformado não estais. Fostes conquistado,
e, quer tenhais sido conquistado pela inveja ou por uma influência
supostamente nobre, continuais a ser escravo e não um homem livre.
( gostamos de ser servis, de ser dominados por alguém, um Mestre ou
qualquer outro, porque achamos segurança neste estado. O Mestre
se torna o nosso refúgio. Dominar é ser dominado; entretanto, dominação
não é libertação da ambição.

“Eu tenho que resistir à ambição” — dizia — “ tenho que lutar com
veemência, fazer todos os esforços para destruí-la, pois só então ela desaparecerá.”

Pelo que dizeis, deveis estar em conflito com a ambição há muitos
anos e, no entanto, não estais liberto dela. Não afirmeis que
isto é por não haverdes lutado, ainda, com a necessária energia —
que é a resposta obvia. Pode-se compreender alguma coisa por meio
do conflito? Vencer não é compreender. Uma coisa que se vence
tem de ser vencida de novo, repetidamente, mas a que se compreende
completamente, desta ficamos livres. Para compreender, é necessário
o percebimento do processo da resistência. Resistir e muito mais
fácil do que compreender; e, além do mais, somos educados para
resistir. Na resistência não há necessidade de observação, de reflexão,
de comunhão; a resistência é um indício do estado de embotamento da
mente. A mente que resiste é egocêntrica e, portanto, incapaz de sensibilidade,
de compreensão. Compreender a resistência e seu modo de
operar, é muito mais importante do que nos livrarmos da ambição.

Na realidade, não estais escutando o que estou a dizer; estais pensando
nos muitos compromissos resultantes de todos estes anos de luta e
resistência. Estais comprometido e, em torno dos vossos compromissos
— a respeito dos quais provavelmente já tendes feito conferências 
e publicado muitos escritos — tendes granjeado amigos;
“investiste vosso capital” no vosso Mestre que vos tem ajudado a
resistir. Por esta razão o passado vos impede de escutar o que se
está dizendo.

“Concordo e discordo de vós” — observou.

O que demonstra que não estais escutando. Estais confrontando o que se diz com 
os vossos compromissos, e isto não é escutar. Tendes
medo de escutar e, por isso, estais em conflito, concordando e discordando
ao mesmo tempo.

“Talvez tenhais razão” — disse ele — “ no entanto, não posso largar
tudo o que juntei — amigos, conhecimentos, experiência. Sei que
tenho de fazê-lo, mas simplesmente não o posso- aí está.”

O conflito existente dentro deste homem continuará agora maior
do que nunca; se, depois de ficar cônscia do "que é", embora relutantemente,
uma pessoa o nega por causa dos seus compromissos, começa
a operar uma contradição profunda. Esta contradição é dualidade.
Não se pode lançar uma ponte entre desejos opostos e, se esta ponte
é criada, é resistência, ou seja, conformidade. Só na compreensão do
que é, encontra-se a libertação do que é.

É um fato singular este: os seguidores gostam de ser intimidados
e dirigidos, suavemente ou com rudeza. Acham que o tratamento
rude faz parte de seu treinamento — treinamento para o sucesso
espiritual. O desejo de ser maltratado, sacudido rudemente, faz parte
do prazer de maltratar; e esta mútua degradação do guia e do
seguidor é produto do desejo de sensação. É por desejardes mais
sensações que quereis seguir, e portanto criais um guia, um guru; e
por causa desta nova satisfação fareis sacrifícios, suportareis desconfortos,
insultos e desencorajamentos. Tudo isto pertence à exploração
mútua, não  tem nada a ver com a Realidade, e jamais conduzirá à
felicidade.

Do livro “ Comentaries on living  Series 1- página 98”

(Revisão da tradução feita por Alsibar)