Recentemente, houve no grupo de mentoria
que oriento, uma discussão acerca da validade de ensinamentos espirituais
diferentes daquele apontado por Krishnamurti e no caso específico, o caminho de
Yogananda. É inevitável que haja um choque entre essas duas visões tendo em
vista que ambos apontam caminhos diversos para o mesmo objetivo. Mas quem está
correto? Por que essas duas correntes, aparentemente verdadeiras, são tão
diferentes entre si?
Paramahansa Yogananda e seus
mestres estão inseridos no contexto da tradição religiosa hindu. Mesmo que sua
mensagem seja universal, não tem como se desprender da influência da tradição,
sociedade e cultura em que viviam. Isso aconteceu com todos os grandes mestres.
Buda dialogou com o Brahmanismo, a corrente hindu predominante na sua época.
Seus ensinamentos e visão estão recheados de termos e expressões dessa
tradição, seja afirmando, refutando ou simplesmente referenciando. Jesus,
apesar de ter vivido a experiência do Despertar como um fenômeno Universal, Eterno e Humano, não
teve como se livrar do peso da cultura e da sociedade em que estava inserido.
Os elementos de seu discurso e ensinamentos, tais como: termos, linguagem,
exemplos e expressões foram inevitavelmente tirados do seu próprio background,
do contexto em que ele vivia e fora criado. O discurso é um fenômeno social,
influenciado e condicionado pelo meio em que se vive. No caso de Krishnamurti,
por mais que tenha se livrado do peso da sua educação e cultura em que crescera,
e por mais universalista que se tentasse ser, era inevitável falar sobre
mestres, tradições, religiões, condicionamentos, organizações, meditação,
iluminação, etc. —até mesmo como forma de refletir sobre suas influências e limitações
em nossas vidas. A questão, portanto, não é se livrar totalmente dessas
influências, mas saber até que ponto ela atrapalha e altera nossa percepção da Verdade, daquilo que é
verdadeiro.
Yogananda não lutou contra o
seu meio, condicionamento e tradições — pelo contrário, ao reafirmar e
confirmar seus valores e crenças, tornou-se ele mesmo uma peça fundamental para
sua legitimização e validação. É preciso ter o discernimento para saber onde
termina o campo puramente social, cultural e religioso e começa a experiência
pura da verdade universal. Os elementos puramente culturais são, por definição,
superficiais e convencionais. Servem para comunicar, dentro de suas limitações,
a experiência que está além de toda linguagem. Por isso que JK sempre
enfatizava que a experiência não é palavra, a coisa não é o objeto, a palavra
não é a coisa. A “coisa” está muito além de toda expressão, mas a linguagem é
fundamental para poder transmiti-la aos outros. Consciente dessa questão e
vendo que, muitas vezes, as pessoas se apegam ao meio e esquecem o fim, adoram
o dedo mas esquecem a Lua, JK enfatizou essa problemática de uma maneira
radical, como nem mesmo o Zen o fez. Assim fazendo evitou, dentro dos limites
do possível, usar palavras e expressões com significados estabelecidos pelas
tradições religiosas. Muitas vezes, perdia quase uma hora tentando explicar os
novos sentidos que estava dando a cada palavra e expressão. Assim, termos como
: observação, atenção, inteligência, meditação, verdade, ordem, tempo, Deus, ação, religião, etc. foram todos ressignificados.
Yogananda e seus mestres não foram por essa direção. Ao contrário, tentaram
trazer para a humanidade um novo impulso, um novo ânimo e esperança dentro da
própria tradição. Conseguiram? Talvez sim, talvez não.
O caminho de Yogananda e
seus mestres se apresenta como uma nova perspectiva dentro do caminho milenar
da Yoga Tradicional. Sua Kriya Yoga nada mais é do que a releitura do caminho
dos grandes mestres do passado, os Rishis ou grandes sábios da Índia antiga. Ao
apresentar ao mundo a existência de grandes almas iluminadas (Yogues) vivendo
nesse mundo, alguns deles, como seu próprio mestre, a poucas quadras de sua
casa, ele ajudou a tirar o iluminado do pedestal de distanciamento e
sacralidade presente no imaginário popular. O próprio Yogananda, talvez
influenciado por essa perspectiva idealizada, duvidou da iluminação de seu
próprio mestre e o abandonou, indo em busca de um Yogue distante, recluso e
renunciante. Ora, por que será que Yogananda abandonou seu mestre? Claro que
ele não fala. Todavia, é óbvio que de alguma forma ele não estava satisfazendo
suas expectativas e aspirações. O fato é que Sri. Yuktéswar era um homem
inserido na sociedade e foi
caracterizado no livro como um mestre rígido, às vezes imaturo, às vezes
infantil — quando, por exemplo, não cumprimentou Babaji mostrando-se ressentido por ele não
ter lhe esperado no Kumb Mela — e muito emotivo ( por exemplo, quando Yogananda
foi para o Ocidente ele caiu em prantos). Ou seja, talvez ele fosse, “humano
demais” para os padrões de Yogananda. Mas, ficou a grande lição que aponta na
mesma direção de Krishnamurti: somos todos seres humanos sujeitos a falhas,
erros e imperfeições.
Krishnamurti e Yogananda são
muito diferentes, por certo. Seus ensinamentos não têm nada a ver um com o
outro exatamente porque um segue a tradição e o outro a nega. Enquanto
Yogananda diz que há um caminho científico para Deus, Krishnamurti, por sua
vez, o nega radicalmente. Ambos, têm lá suas razões. Particularmente, acredito
que o sucesso de Yogananda se deve à presença física dos mestres. Como descrito
por ele mesmo, os próprios mestres intervinham de forma direta na evolução
espiritual do discípulo. Um fenômeno realmente raro, mas que nem sempre dava
certo. O próprio Yogananda descreve que vivia pedindo a seu mestre pela experiência
da Consciência Divina ou Samadhi e este, por sua vez, lhe dissera várias vezes
que ele não estava preparado. Mas, o certo é que só o Samadhi em si não é o
bastante para revelar Deus. A pessoa precisa estar também preparada para
entender seu significado profundo e estar madura o bastante para que aquela
experiência cause uma transformação positiva em sua vida. Além disso, um
Samadhi muito intenso, ou na hora errada, pode trazer grandes problemas na
psique do sujeito. Daí o cuidado e a cautela do seu mestre. Samadhi por
Samadhi, o chá está aí para quem quiser, mas quantos se iluminaram através de um
Samadhi artificialmente provocado? Ou até mesmo por um Samadhi acidental?
Ninguém. Muitos ficaram com sérios problemas psicológicos.
Em Krishnamurti não existem
mestres, nem métodos, nem organizações. Os mestres da tradição de Yogananda já
se foram. E o que começou como um movimento vivo de almas espiritualmente elevadas, agora tornou-se
mais um movimento religioso nos moldes das religiões tradicionais. O dedo
sobrepujou-se à Lua. Atualmente, não há
apenas uma organização da tradição iniciada por Babají, há diversas, sem falar nas brigas
jurídicas em torno da verdadeira “Kriya Yoga “, da verdadeira tradição e dos
direitos autorais do legado deixado por esses grandes mestres que, diga-se de
passagem, não estavam nem aí para isso. A história se repete, os mesmos erros
do passado se repetem. E aí fica mais claro entender por que Krishnamurti
evitou com todas suas forças criar uma nova organização religiosa.
Se por um lado as organizações são importantes para perpetuar a memória e
preservar os ensinamentos dos grandes mestres, por outro lado elas se tornam
fator de divisão e conflito.
Por fim, cada um siga o
caminho que mais lhe apetece e com o qual mais se identifica. Independente do
caminho de Yogananda estar certo ou não, não é isso que vai iluminar ou impedir
a iluminação daqueles que realmente estão preparados para ela. Ramana Maharshi
nunca praticou nada, não seguiu método nenhum e não teve mestres, mesmo assim, naturalmente, a Verdade despertou dentro dele. Já Nisargadatta Maharaj
teve um guru que lhe ensinou um método que ele seguiu e em poucos anos se
iluminou. Como disse UG, não há regras, não há meios, ninguém sabe como isso
acontece. De repente, “por um golpe de sorte você tropeça nisso”. Mas, sinceramente acredito que tanto Yogananda quanto Krishnamurti têm sua validade.
Aquilo que falta em Krishamurti - uma abertura maior ao misticismo mesmo que seja
apartado da tradição convencional- pode ser encontrado em Yogananda. E o que
falta em Yogananda - essa percepção de que Deus/a Verdade não pode ser
subjugada, nem alcançada por nenhum método direto - pode ser encontrada em Krishnamurti.
Na dúvida, duvide de ambos e descubra por você mesmo a verdade acerca dessa
questão.
By Alsibar Paz
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