sábado, 29 de fevereiro de 2020

NÃO SEJA UM KRISHNAMURTIANO! (Artigo)




Krishnamurti foi um fenômeno único na história da espiritualidade humana.  Enquanto  sobre Cristo e Buda  quase não há registros  confiáveis  e fidedignos,  sobre Krishnamurti- um iluminado moderno-  não faltam  registros de toda sua vida, desde a  infância até a idade avançada tudo foi gravado e documentado, suas milhares de palestras, diálogos, seu dia-a-dia,  suas viagens,  seus êxtases ,  sua própria mente, seus relacionamentos e até sua vida íntima. Como se não bastasse uma biografia singularíssima, some-se a isso uma mensagem  única  e revolucionária, no conteúdo , na abordagem, na linguagem e até no novo sentido que deu à própria palavra “ensinamento”. Há vídeos em que JK diz não ter ensinamentos. Mesmo assim,  pouco antes de morrer, ele cita  a importância fundamental  de se vivê-los. A aparente contradição é explicada pelo fato de que o sentido da palavra  “ensinamento”  tinha, para ele, uma conotação diferente .

No passado,  o hábito de memorizar e repetir as palavras e as histórias dos grandes mestres teve sua importância. Antes de  serem escritos, os ensinamentos eram memorizados e repetidos.Tanto no Budismo, no Cristianismo, quanto no Hinduísmo,  a tradição oral  foi fundamental para a  preservação de parte da mensagem dos sábios do passado . Todavia, com a chegada  de invenções como a imprensa, o gravador  e o vídeo-cassete, que registravam e preservavam os acontecimentos , a repetição não se fez mais necessária. Hoje em dia, com a informatização e a chegada da Internet , qualquer pessoa pode ter acesso a vídeos , áudios e documentos que  retratam fielmente  as palavras  e a vida de figuras importantes do mundo moderno.

 O problema é que a mente humana passou tanto tempo valorizando a memorização como forma ideal de aprendizagem que  tornou-se viciada nela. A questão é que este artifício se tornou desnecessário e até um impedimento à compreensão.  É tanto que , no começo, Krishnamurti costumava advertir as pessoas para não tomarem notas. Sua intenção era que elas aprendessem uma nova forma de aprender: através da  captação imediata do sentido daquilo que estava sendo transmitido. E, para isso, seria necessário um tipo de  atenção especial que o  “tomar notas”  certamente atrapalharia .

No universo krishnamurtiano, a memorização  não ajuda- pelo contrário- atrapalha.  O caminho do aprendizado apontado por Krishnamurti é a investigação atenta, séria , sincera, honesta e livre do passado, ou seja, o contrário da memorização. Nessa nova maneira de aprender não há espaço para citações vazias, repetições mecânicas,  memorizações ineficazes e informações de segunda mão. JK não deixou espaço para a mente se apoderar, manipular e distorcer suas palavras .  Infelizmente, muitas pessoas não estão acostumadas com essa forma inovadora de aprendizado.

Ora,  como  a mente fora acostumada ao longo de séculos a receber tudo pronto e mastigado ela se tornou preguiçosa . As tradições, religiões e gurus  não ensinaram as pessoas a investigarem e compreenderem as coisas por si mesmas. Por muito tempo, elas foram ensinadas a  aceitarem aquilo que lhes era repassado- sem questionamentos, nem  nenhum esforço cognitivo especial . E o resultado foi que a mente tornou-se  obtusa, incapaz de penetração, investigação e apreensão . O que Krishnamurti tentou ao longo de toda sua vida foi despertar nas pessoas  a confiança de que elas mesmas poderiam ter acesso à Verdade independente dos livros, gurus,  líderes, tradições e religiões –enfim- do conhecimento acumulado do passado.

Infelizmente, por incapacidade ou até má fé, muita gente tem memorizado o conhecimento repassado por Krishnamurti, fruto de sua percepção direta daquilo que  estava sendo por ele investigado, e tem usado isso não como um meio de libertação mas como mais um fardo para  a mente já entulhada de conhecimentos . É essa repetição memorizada das palavras e ensinamentos de Krishnamurti que faz nascer o tal do  “krishnamurtiano”. Aquele sujeito que tenta “seguir” seus ensinamentos não através da vivência mas através da memorização, como se estes pudessem ter o mesmo tratamento que os religiosos tradicionais dão às palavras de Cristo, Buda e Krishna- por exemplo. Para Krishnamurti,  suas palavras não deviam ser memorizadas mas percebidas como uma realidade  na própria pessoa e pela própria pessoa. Ele era apenas uma espécie de espelho. Sendo assim, não há compreensão de Krishnamurti sem que haja conhecimento de si mesmo- essas duas instâncias são indissociáveis.

Algumas pessoas me acusam de interpretar  os ensinamentos de Krishnamurti através dos meus artigos e vídeos. Eu não seria maluco de fazer uma coisa dessas- além de ser uma grande estupidez. Krishnamurti não precisa de interpretes . Além disso, há centenas de livros, vídeos e áudios para quem quiser acessá-los  de forma direta. Mas, exatamente por não ser um “krishnamurtiano” é que sou livre para fazer meu próprio caminho sem precisar obedecê-lo, afinal, não sou seu discípulo. Mas, ao falar sobre Krishnamurti e seus ensinamentos, procuro mostrar que a Verdade daquilo que ele apontou está acessível a todos. Krishnamurti é como um astrônomo que usa um telescópio para lhe mostrar as estrelas: ele aponta o que viu  e  você também poderá ver se tiver o equipamento correto e olhar na direção correta.  Se você as vir,  então você  se habilitará a falar por conta própria sobre elas- antes disso não. Sim,  o que Krishnamurti ensinou não pode ser repetido- a não ser que você mesmo tenha compreendido e então aquela compreensão passa a ser parte da sua própria experiência pessoal.  Do contrário, será alguém falando sobre algo que nunca viu, nem experimentou- o que não tem validade nenhuma.

Krishnamurti  apontou a existência de um estado sublime dentro do próprio homem. Repetir o que ele falou, sem ter encontrado tal estado, nada mais é do que se auto enganar e enganar os outros. Eu passei mais de trinta anos estudando, pesquisando e investigando em mim mesmo aquilo que JK ensinou, e se cheguei a alguma compreensão real- não foi por mérito meu- repito- não foi mérito meu. E estou dizendo isso apenas como forma de motivá-lo, não para engrandecimento próprio pois me lembro de mim mesmo, de minha luta e sofrimento e o quanto muitas vezes eu quis desistir dessa jornada interior em direção à verdadeira libertação. Meus artigos e vídeos querem apenas mostra a você que a Liberdade está acessível a todos- e não apenas a raríssimos escolhidos.

Para terminar, quero dizer que você deve continuar sua  busca pela compreensão das verdades que ele apontou até que você as compreenda também e  isso torne-se parte de você. Substituir a investigação e  a compreensão por memorização e repetição é assinar um certificado de incapacidade cognitiva e pobreza espiritual.  Por isso, não ceda à tentação de tornar-se um mero repetidor da mensagem libertadora de JK.  Viva-a! Experimente-a! Não seja apenas  mais um “krishnamurtiano” dentre tantos outros que existem por aí!

By Alsibar