sábado, 21 de setembro de 2019

O SABOR DAS AVÓS



Se alguém me perguntasse qual o sabor das  avós eu diria: de laranja. Explico: minha avó paterna foi quem me apresentou às laranjas quando eu ainda não as conhecia. Lembro-me da cena quando provei uma pela primeira vez. Eu tinha uns sete anos, ela estava na velha sala de estar descascando habilmente a fruta cítrica, cuidando para não ferir a parte branca, enquanto a casca externa esverdeada ia-lhe caindo por sobre as mãos quase atingindo o chão de tão longa e inteiriça que ficava. Em pouco tempo, como mágica, a fruta ia tornando-se uma bola branquinha , enquanto gotinhas da casca caíam no meu olhar lacrimejante e maravilhado. Para mim, iniciava-se ali um espetáculo,  até então inédito, de cores, sabores e cheiros.

Dividido entre a ansiedade e o encantamento, eu sentia o aroma alaranjado tomar conta da sala. Por fim, vinha a surpresa final : ela estendia a mão e carinhosamente  dava-me a laranja . Ela ficava apenas com a “tampinha” de cima. O sabor único, incomparável e inesquecível foi tão marcante que até hoje não faltam  laranjas na minha geladeira e sempre que corto uma, vem a lembrança de minha avó com suas laranjas docinhas que ela comprava cedinho na feira do mercado.

Mas esse foi apenas um pequeno exemplo de como aquela senhora de personalidade forte e generosa, com seus cabelos grisalhos, seu andar altivo, sua voz firme e serena marcou a vida daquele garotinho “franzino” e “jeitoso”- como ela dizia. Durante muito tempo, minha  avó foi minha principal figura materna- talvez até mais do que minha própria mãe. Pois ela sabia expressar amor de uma forma muito especial que até então eu não conhecia. Com ela sentia-me acolhido e amado pois até seu abraço de boas vindas tinha um sabor único, inconfundível e restaurador, transbordava de felicidade e aconchego,  fazendo-nos se sentir a pessoa mais importante do mundo.

Mas o menino não morava em Juazeiro do Norte onde sua avó morava e sim em Fortaleza distante quase 600 km . Então quando ele voltava para casa após as férias, ficava na janela, olhando a rua por cima do muro , na esperança de vislumbrar aquela figura maternal com seus traços característicos. A vontade de reencontrá-la era tão grande que, ao vislumbrar qualquer senhora com ela parecida, o menino caía aos prantos gritando pela sua “vozinha”. E, depois de muito tentarem convencê-lo do contrário sem sucesso,  o menino voltava novamente o olhar esperançoso para a rua até onde a vista dava, dia após dia, ano após ano.

Finalmente, as  reviravoltas da vida levou o menino a morar por duas vezes com a avó querida. E como sempre, não lhe faltou amor , cuidado, doçura mas também muitos ensinamentos e lições de vida. Mesmo quando brava, ela apenas pegava na orelha, simulando um “puxão”, que mais parecia um carinho do que uma repreensão. Com ela, o menino aprendeu o valor da honestidade, do trabalho, das “coisas direitas” e do “caminhar sem deixar rastros”.

De todas as influências dela recebidas, merecem destaque o misticismo e a forte religiosidade . Devota fervorosa do Padre Cícero, de Nossa Senhora das Dores e do Coração de Jesus, não perdia uma missa- mesmo adoentada, acordava de madrugada para cumprir seus rituais de fé. Impossível não ser tocado por tamanha devoção e genuína espiritualidade.

Sua vida de trabalho e retidão, sua disposição e força interior nos faz refletir: para onde pessoas tão especiais assim vão depois do seu passamento? Certamente, elas não morrem- perpetuam-se em seus descendentes ao longo de várias gerações. Sem dúvida que minha avó deixou  sementes que germinaram e deram muitos frutos em um efeito cíclico interminável. Foram frutos doces e inesquecíveis como as laranjas que ela me dava e eternos como as memórias que nunca se acabam .

Para Maria Januário Barbosa (In memoriam)

By Alsibar