UMA NOTA DE INÍCIO
Se você acha que pode
ler e entender este livro, pode estar bastante equivocado. "Qualquer
pessoa que vem e me escuta e tenta entender o que estou tentando transmitir
está perdendo seu tempo, porque não há como ouvir qualquer coisa sem
interpretação", diz U.G. Krishnamurti. Segundo ele, quando deixamos a
audição em paz tudo o que existe é a vibração dos sons. Essas vibrações são
captadas pelo tímpano, transferidas para os nervos que vão para o cérebro e são
interpretadas de acordo com o que ele chama de "nosso ponto de
referência". Assim, ouvimos nossas próprias traduções das vibrações. Diz
U.G.: "Tudo bem para um relacionamento com alguém no nível de 'Aqui está
algum dinheiro; dê-me meio quilo de cenouras'; mas esse é o limite do seu
relacionamento, da sua comunicação com qualquer pessoa." Quer você
concorde ou não com tudo o que ele diz, vale a pena tentar ouvi-lo. As palavras
que saem dele são como granadas lançadas em nosso 'ponto de referência',
ameaçando arrancar tudo em que acreditamos. Suas declarações são devastadoras,
ainda mais para pessoas que ouviram J. Krishnamurti, Osho Rajneesh e outros que
são nutridos em uma atmosfera religiosa.
U.G. também pode
discutir a física quântica e os buracos negros, “eros e thanatos”. U.G. diz:
"Não pretendo ter um insight especial sobre a natureza das coisas ou que
entendo o funcionamento da natureza mais do que qualquer outra pessoa. Mas isso
é o que descobri por mim mesmo. Não me importa se você aceita o que eu estou
dizendo ou não. Isso se levanta ou cai por si mesmo. " Suas declarações
têm um tom sólido de autenticidade e parecem brotar de uma fonte diferente do
pensamento. O que ele diz abala os próprios alicerces do pensamento humano. É
outra questão que seus comentários sobre temas como Deus, amor, iluminação,
mente, meditação, morte e reencarnação muitas vezes cheiram a blasfêmia e
beiram a heresia. A história de U.G. Krishnamurti tem todos os ingredientes de
um thriller. Um episódio de sua vida leva a outro sem sequência sistemática.
Quando ele atingiu a idade de 49 anos, houve uma mudança repentina nos
acontecimentos. Algo aconteceu com ele que ele chamou de 'calamidade' (para
ajudar nosso entendimento), quando ele “tropeçou” em um 'estado natural', no
qual, em suas palavras, "tudo que o homem disse, sentiu ou viu, de
fato, toda a herança da humanidade foi
expulsa do meu sistema. " Mas, de acordo com U.G., não era isso que ele
desejava. Ele estava procurando por uma terra de sonhos espiritual tornada
eloqüente pelos homens santos - tanto fraudulentos quanto genuínos. A atmosfera
religiosa fazia parte de sua formação. U.G. nasceu em 1918 em uma família
brâmane de classe média em Andrah Pradesh. Sua mãe morreu logo após o parto. Em
seu leito de morte, ela disse que seu filho foi feito para algo
"incomensuravelmente alto". O avô de U.G. levou as palavras dela a
sério e o preparou em uma atmosfera ascética.
Um pequeno episódio, no
entanto, foi um ponto de viragem na vida do U.G. Certa vez, seu avô estava
meditando de manhã cedo quando foi perturbado pelo choro de uma criança. O
velho ficou com tanta raiva que bateu na criança até ela ficar roxa. A
incongruência e a brutalidade da cena tiveram um impacto traumático na terna
sensibilidade de U.G. Ele disse a si mesmo: "Se é disso que se trata a
meditação, ela não tem valor". Ele jogou fora seu rosário sagrado e
ameaçou sair de casa. A vida de U.G. daí em diante foi uma experiência com a
verdade. Uma fome insaciável tomou conta dele para descobrir se havia algo por
trás dos pronunciamentos abstratos dos chamados homens espirituais. Ele
conheceu vários mestres, incluindo J. Krishnamurti e Ramana Maharshi, e
praticou meditações tradicionais. Ele exauriu todos os meios possíveis para
alcançar a 'terra prometida' e, no final, ficou sem esperança e em total
desespero.
Em seu quadragésimo
nono aniversário, ele estava sentado em um banco com vista para o vale verde e
os picos escarpados de Oberland, na Suíça. De repente, ocorreu-lhe:
"Procurei em todos os lugares para encontrar uma resposta para a minha
pergunta, 'Há iluminação?' mas nunca questionei a busca em si, porque presumi
que a iluminação existe e que tive que buscá-la. No entanto, é a própria busca
que tem me sufocado e me mantido fora do meu estado natural. " Ele disse a
si mesmo: "Não existe iluminação espiritual ou psicológica, porque não
existe tal coisa como espírito ou psique. Fui um idiota ao longo de toda a
minha vida, procurando por algo que não existe. Minha busca está no fim. "
Sua fome voraz de
descobrir o ‘país das maravilhas” prometido pelos profetas e mestres
espirituais se extinguiu. A ocorrência teve efeitos reveladores em seu corpo.
Muitas mudanças físicas ocorreram dentro dele, as quais confundiram os médicos
e amigos ao seu redor. Daí em diante, sua vida tornou-se uma vida em que
"não havia pensamento para o dia seguinte, nem tristeza pelo
passado". De acordo com U.G., tristeza e alegria existem apenas no reino
da mente. O corpo não está interessado em nada. Seu único interesse é sobreviver
aos desafios do dia-a-dia que encontra de momento a momento. As declarações de
U.G. são enigmáticas e, se ouvidas ou lidas fora de sua presença, podem ser
interpretadas como produto de um intelecto supremo ou como uma ladainha de um
louco. Suas palavras desafiam a estrutura lógica a que estamos acostumados.
U.G. descarta a possibilidade de qualquer experiência, exceto por meio do
conhecimento. Segundo ele, é o conhecimento que cria uma experiência e é a
experiência que, por sua vez, fortalece o conhecimento. 'Conhecimento' não tem
qualquer conotação metafísica ou epistemológica. É simplesmente que algo é uma
cadeira ou uma mesa, ou que alguma sensação é prazerosa ou dolorosa. Na
verdade, mesmo o processo de reconhecimento e nomeação de algo faz parte do
conhecimento. A operação total é designada 'pensamento'. O que nos distingue de
U.G. é que este conhecimento — que opera através do processo de pensamento
— está em um estado descomplicado em
U.G., enquanto que há uma corrente subterrânea constante de atividade de
pensamento dentro de nós, gostemos ou não. Nossa mente está constantemente
produzindo pensamento após pensamento em várias formas, cores e tamanhos.
U.G. diz que é por meio
desse pensamento constante que estamos mantendo a continuidade do que chamamos
de 'ego' ou 'eu'. Em U.G. a continuidade do pensamento foi rompida. Os
pensamentos vêm a ele de uma maneira desconexa, sem qualquer ligação. Ele pensa
apenas quando há demanda por experiência. Caso contrário, o que existe é apenas
a atividade simples dos sentidos - o continuum de estímulo e resposta. Uma vez
que é a atividade de pensamento contínuo que dá a ilusão do 'ego' ou 'eu', não
há nenhum sentimento de 'ego' ou 'eu' dentro dele. U.G. diz que o
estrangulamento sobre o organismo físico daquilo que é chamado de conhecimento
tem a potência de milhões de anos. O conhecimento que opera na forma de
pensamento estabeleceu um império paralelo próprio, em oposição aos caminhos da
natureza. Mas o pensamento 'conhece' sutilmente sua natureza efêmera, e o medo
de sua existência fugaz o impulsiona a erguer uma estrutura maravilhosa de
cultura, civilização, religião, política, as várias instituições e valores que
governam nossas vidas, e, na verdade, tudo o que podemos conceber. Todas essas
facetas da vida humana nada mais são do que adereços por meio dos quais o
pensamento tenta se entronizar na permanência. Em outras palavras, o que
chamamos de 'eu' ou 'você' é o pensamento que busca a permanência em inúmeras
atividades. U.G. diz que somente quando, por algum milagre ou estranho acaso, o
organismo vivo é libertado do estrangulamento do império criado pelo
pensamento, o corpo, com sua inteligência extraordinária, pode libertar o ser
humano para que ele possa 'cair' em seu ' Estado natural'.
Mas, de acordo com
U.G., não se pode usar a própria vontade ou passar por qualquer disciplina
rigorosa para chegar ao estado natural. Tal estado está além do campo da
experiência. U.G. freqüentemente descreve sua situação assim: "Como tudo
aconteceu? Não sei. O que é que aconteceu? Não sei. Aconteceu alguma
coisa?" Ele diz que o que aconteceu com ele é tal que não pode ser
compartilhado por ninguém e que o estado natural não pode ser expresso ou
contido no pensamento. Portanto, "nenhuma comunicação é possível e nenhum
diálogo é necessário". Para que serve o chamado 'estado natural' para
pessoas que não estão funcionando nele? Afinal, a pergunta é feita de uma
perspectiva de estado não natural por mortais que procuram uma panaceia para
todos os seus problemas. Paz e felicidade são o que todos nós buscamos, e o
'estado natural' do U.G. não nos oferece experiência de nada parecido. Então, o
que nos resta são nossos pontos de vista sobre a pessoa, dependendo de nossos
preconceitos e condicionamentos. Chame-o de uma fraude ou de uma aberração da
natureza, mas quando você está em qualquer lugar perto do vórtice da presença
do U.G., você fica perplexo. Suas expectativas e opiniões são destruídas. Você
fica se perguntando qual é a fonte de onde brotam suas declarações. Abaixo de
sua aparente forma humana existe algo que desafia qualquer descrição.
Frank Norohna 21/88 Lodi Colony Nova Delhi
Do livro “ Thought is Your Enemy” - SOWMYA PUBLISHERS -1991
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