sábado, 1 de dezembro de 2018

A EXPERIÊNCIA DO CHÁ AYAHUASCA – PARTE I





 O chá tem diversos nomes: ayahuasca, santo daime, vegetal, hoasca, etc etc. Etmologicamente o nome vem de Aya (Espírito) e Wasca ( Cipó) ou seja : espírito do cipó ou "cipós das almas". Historicamente, a origem do chá remonta a eras antigas e tradições xamânicas dos índios da Amazônia e Peru. Sua descoberta recente está envolta em lendas e manifestações do sincretismo religioso xamânico e católico .
Há várias documentários, reportagens e filmes sobre ele- incluindo um na Netflix : the last xamã ( O último xamã) que conta a história de um jovem americano em busca da experiência do chá como forma de curar o vazio existencial de sua alma. O chá é produzido pela maceração de duas plantas nativas : o cipó jagube  e a folha chacrona. Toda a confecção do chá é acompanhada de muito respeito , rituais e mistério e é prescrito em diversas instituições, grupos e comunidades religiosas- oficiais ou não. Minhas considerações gerais sobre o chá pode ser visto aqui mesmo no blog, numa outra postagem cujo link está no final desse texto. Na presente postagem, pretendo relatar especificamente  minha experiência pessoal com o chá, sem lançar juízo de valor- ou seja: sem entrar no mérito da  polêmica envolvendo o chá. Decidi postar esse relato em duas ou três postagens para não ficar muito cansativa sua leitura. Essa é a primeira parte do relato.
O RELATO
1. O COMEÇO

Eu ouvi sobre o chá pela primeira vez quando eu tinha uns 15 anos. Minha prima estava conversando sobre ele com alguém. Achei tão impressionante o relato que, desde então, acendeu-se em mim o desejo de experimentá-lo. Não lembro os detalhes do seu relato , mas me sei que foi daí que surgiu essa vontade que só passou no dia em que finalmente o experimentei...Mais de 20 anos depois. Como é a descrição de uma experiência real, não posso revelar nomes, nem lugares. Quando me referir a alguém vou sempre usar apenas uma letra inicial- que não é necessariamente do nome da pessoa, mas apenas um meio de identificá-la melhor ao longo do relato.
Algumas instituições exigem que você seja convidado por alguém do próprio movimento para poder tomar o chá – e essa era exatamente a minha grande dificuldade. Eu não conhecia ninguém. Mas um dia, a manicure da minha ex-esposa estava conversando com ela enquanto fazia suas unhas e comentou que ela e o marido tomavam o chá. Minha ex-esposa sabia da minha vontade de experimentá-lo e contou para a manicure. Foi daí que  finalmente fui convidado a experimentar o tão famoso e misterioso chá. Mas não antes de uma exigência formal de entrevista com líder da instituição – mestre T.. Feita a entrevista, agora era só ir lá no dia e horário marcados. E fui.

O local era espaçoso,  limpo, bem organizado, com muitas árvores e verde- mas o caminho era bem complicado, estrada ruim e escura. Só ia para lá quem realmente conhecesse do que se tratava. Eu fui seguindo as placas, perguntando e finalmente seguindo outros carros que pareciam ir pro mesmo lugar que eu. Cheguei cedo e fiquei puxando conversa com algumas pessoas- já que tinha muitas. Era um dia especial para  convidados que eles chamam de “adventistas”. Havia um clima de cordialidade e atenção para conosco, por isso , senti-me bem  acolhido. Fiquei em um banco sentado, sozinho, esperando a sessão começar.
Em um dado momento, uma pessoa – que depois soube que era um dos mestres – chamou-me para “me enturmar”, depois de uma rápida conversa, me deixou conversando com dois rapazes que estavam próximos a nós. Um que já era “sócio”  e o outro que era convidado como eu. Sócios são as pessoas que já fazem parte da Instituição, podem frequentar à vontade as sessões do chá, convidar outras pessoas e  pagam uma espécie de dízimo mensal.
O tal sócio era um rapaz jovem ,  bem arrumado, parecia um artista ou galã de novela, vou chamá-lo de R. Ele estava dando algumas informações ao seu amigo  e tirando-lhe algumas dúvidas. Entrei na conversa meio que “forçado” e senti uma certa relutância por parte de R. que nunca se dirigia a mim- apesar de seu esforço em querer demonstrar polidez e simpatia – sentia uma certa resistência  nele , na hora eu não entendi direito. Então, me calei e fiquei apenas ouvindo-os conversar.
R. falava sobre o nível social de algumas pessoas que frequentavam o local. Médicos, militares de alta patente , políticos etc. Contou também sobre um empresário que doou uma quantia milionária ao movimento. E eu só escutando. Era como se eu não estivesse ali- talvez eu o estivesse incomodando . Ou talvez minha aparência externa não o tivesse causado boa impressão : uma camisa indiana roxa, calça jeans e chinelão de couro. Fui vestido de maneira simples pois não me toquei que era um dia festivo e que portanto, merecia trajes melhores  para a ocasião especial. Não que haja uma etiqueta formal para isso. Mas percebi que todos estavam muito bem vestidos como se tivessem ido para uma cerimônia importante.

O fato é que fui totalmente ignorado pelos dois. Eles mal falavam comigo e fiquei sobrando, “segurando vela”-como se diz no jargão popular. Muitas pessoas indo e vindo. Algumas me cumprimentavam, outras só me olhavam e sorriam. Eu estava esperando o tal líder, o Mestre T.- o mesmo que fez a entrevista comigo por telefone. Finalmente ele chegou. R. comentou acerca da marca do carro do mesmo- para algumas indivíduos a marca do carro revela o status pessoal do dono. Outra coisa que percebi é que quando o convidado está sozinho, sem esposa/namorada, sem amigos e sem quem lhe convidou acompanhando-o você é visto com uma certa desconfiança. Ora, minha ex-esposa não queria ir pois era evangélica e achava que aquilo era coisa de macumba. Quem me convidou estava com um problema pessoal de saúde na família e não pode ir. Tive que ir só mesmo. Não poderia perder esta oportunidade que esperei por tanto tempo.


Finalmente tocou um sino. Todos se dirigiram a um grande salão cheio de cadeiras estilo “preguiçosa”. Eu acompanhei os rapazes. Já no salão, sentei-me atrás deles- pois não havia mais lugar na fila deles. Ao meu lado, sentou-se um casal- fiquei pensando se eram irmãos, amigos ou namorados. Quando olhei para a moça  achei-a parecida com um Elfo ou Gnomo. Ela sentou-se do meu lado direito e ele sentou-se ao lado dela, pareciam muito simpáticos e cordiais. Do meu lado esquerdo a cadeira estava vazia. Foi então que chegou um homem alto, gordo e sorridente que disse em voz alta: acho que vou me sentar aqui!
Ele era muito simpático também e gostei de tê-lo ao meu lado. Puxou um pouco de conversa e foi muito receptivo . Começou a me contar que o chá era muito amargo. Foi  então que levantou-se , deu uma saidinha e depois voltou com um pedaço de laranja enrolado em um guarda-napo e me perguntou:
- Você sabe para que é isso?
Respondi que não .
- Para tirar o gosto! – respondeu.
Era um pedaço de laranja e mais dois bombons de iogurte que ele tinha trazido para me dar. Alguém já havia me falado que era melhor beber o chá de uma vez pois era muito amargo. Diante da perspectiva de tomar algo com gosto tão ruim, fiquei muito feliz e grato pelos tira-gostos.
Finalmente o mestre T. começou a sessão. Explicou a logística da prescrição : primeiro, os mestres mais antigos, depois os mais novos, seguindo toda uma hierarquia de antiguidade até que por fim, seríamos nós, os adventistas . Havia uma fila até o altar onde estava o mestre que botava o chá nos copos de vidro. A quantidade de chá para cada pessoa era decidida por ele. Percebi que os mais antigos recebiam um copo quase cheio. Os adventistas recebiam só metade. Mesmo assim, vi que alguns adventistas receberam uma dose maior do que a minha. Não entendi muito o motivo- se é que teve um.
Quando me aproximei do mestre, vi que ele chamava as pessoas pelos  nomes- mesmo os adventistas. Mas o meu ele esqueceu. Ato falho? Pensei na hora. Ou qual seria a razão do esquecimento? Lembrei que ele já havia esquecido meu nome antes quando , ao microfone, apresentou os nomes dos adventistas no começo da sessão. Ao invés de chamar pelo meu nome ele me identificou como: “ O convidado da fulana!”. Na hora fiquei com a nítida impressão que eu o incomodava mas eu não conseguia entender o porquê. O fato é que ele mal olhou pra mim quando me entregou o copo de vidro com o chá. Pode ter sido só uma impressão mas ela perdurou até o último momento quando , no final,  fui me despedir dele.
Finalmente eu estava prestes a beber o chá, mas tinha que esperar o comando do Mestre.  Tudo lá tinha uma ordem, uma sequência e uma hierarquia. Até para se levantar ou sair do salão tinha que ser com o consentimento dele.  A prioridade para beber o chá era dos mestres mais antigos, depois os mais novos, os membros ou sócios e , por último, os adventistas . Eu bebi de um gole só, de uma vez. E foi tão rápido que  mal deu pra sentir o gosto . Ato contínuo peguei a laranja e a bala de iogurte. Depois me sentei como os outros fizeram.
O mestre começou a ler o que ele chamava de “documentos”. Sua voz ecoava através de potentes auto-falantes estrategicamente colocados ao longo do salão. Os documentos eram o estatuto da instituição e algumas histórias interessantes sobre o mestre fundador da ordem. Até aquele momento, eu ainda não havia sentido nada. Após 20 a 30 minutos, ele perguntou pelo microfone se os adventistas já estavam sentindo a “borracheira”- que são os efeitos do chá. Nesse exato momento comecei a sentir uma sensação diferente, uma alegria que eu não sabia de onde vinha – de repente comecei a ver vários círculos coloridos aparecendo dentro da minha cabeça. Eu estava com os olhos fechados e comecei a ver mandalas ,  bonitas, brilhantes , de diversas cores, formatos e tamanhos. À medida que elas surgiam dentro da minha mente,  sobrevinha uma alegria e paz muito muito intensa.



De repente, ouvi alguém me perguntando sobre a tal “ borracheira”. Abri os olhos e vi que era o mestre T.  já bem próximo a mim. Respondi-lhe que sim, que já estava sentindo seus efeitos mas que se resumiam ao aparecimento de figuras geométricas circulares. Ele sorriu e saiu perguntando a mesma coisa a outros adventistas.  Fechei meus olhos novamente,  as mandalas coloridas e brilhantes surgiam como balões dentro do meu cérebro.  Abri os olhos novamente para checar se poderia vê-las com os olhos abertos, mas elas sumiam e tudo parecia normal . Depois os fechei novamente e as mandalas apareciam acompanhadas por   sensações boa de alegria e êxtase.  Senti que a nave que me levaria a essa viagem inóspita estava apenas decolando, muito mais estava por vir.

2. A DECOLAGEM

 A “viagem” só começa mesmo com a invocação do Mestre que faz isso através de “chamadas”, cânticos e hinos tradicionais da instituição que lembram muito as canções  tribais dos índios. De repente, ele começou a invocar a “ Força” do vegetal- que acreditam ser o espírito ou energia elemental que está presente no chá daí a denominação dada por eles de “enteógeno” ao invés de “alucinógeno”. O primeiro, supostamente leva ao autoconhecimento através da viagem interior, despertando o Eu superior presente no ser humano. Já no segundo caso, seria apenas alucinações mentais mesmo. Foi aí que começaram as “mirações” ou visões.

Nesse exato momento, senti algo muito forte e diferente de tudo o que eu já havia sentido em toda minha vida.

(Alsibar)





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