O chá tem diversos
nomes: ayahuasca, santo daime, vegetal, hoasca, etc etc. Etmologicamente o nome
vem de Aya (Espírito) e Wasca ( Cipó) ou seja : espírito do cipó ou "cipós das almas". Historicamente,
a origem do chá remonta a eras antigas e tradições xamânicas dos índios da
Amazônia e Peru. Sua descoberta recente está envolta em lendas e manifestações
do sincretismo religioso xamânico e católico .
Há várias documentários, reportagens e filmes sobre ele-
incluindo um na Netflix : the last xamã ( O último xamã) que conta a história
de um jovem americano em busca da experiência do chá como forma de curar o
vazio existencial de sua alma. O chá é produzido pela maceração de duas plantas
nativas : o cipó jagube e a folha
chacrona. Toda a confecção do chá é acompanhada de muito respeito , rituais e
mistério e é prescrito em diversas instituições, grupos e comunidades
religiosas- oficiais ou não. Minhas considerações gerais sobre o chá pode ser
visto aqui mesmo no blog, numa outra postagem cujo link está no final desse
texto. Na presente postagem, pretendo relatar especificamente minha experiência pessoal com o chá, sem
lançar juízo de valor- ou seja: sem entrar no mérito da polêmica
envolvendo o chá. Decidi postar esse relato em duas ou três postagens para não
ficar muito cansativa sua leitura. Essa é a primeira parte do relato.
O RELATO
1. O COMEÇO
Eu ouvi sobre o chá pela primeira vez quando eu tinha uns 15
anos. Minha prima estava conversando sobre ele com alguém. Achei tão impressionante
o relato que, desde então, acendeu-se em mim o desejo de experimentá-lo. Não
lembro os detalhes do seu relato , mas me sei que foi daí que surgiu essa
vontade que só passou no dia em que finalmente o experimentei...Mais de 20 anos
depois. Como é a descrição de uma experiência real, não posso revelar nomes,
nem lugares. Quando me referir a alguém vou sempre usar apenas uma letra
inicial- que não é necessariamente do nome da pessoa, mas apenas um meio de
identificá-la melhor ao longo do relato.
Algumas instituições exigem que você seja convidado por alguém do próprio movimento para poder tomar o chá – e essa era exatamente a
minha grande dificuldade. Eu não conhecia ninguém. Mas um dia, a manicure da
minha ex-esposa estava conversando com ela enquanto fazia suas unhas e comentou
que ela e o marido tomavam o chá. Minha ex-esposa sabia da minha vontade de
experimentá-lo e contou para a manicure. Foi daí que finalmente fui convidado a experimentar o tão
famoso e misterioso chá. Mas não antes de uma exigência formal de entrevista
com líder da instituição – mestre T.. Feita a entrevista, agora era só ir lá no
dia e horário marcados. E fui.
O local era espaçoso,
limpo, bem organizado, com muitas árvores e verde- mas o caminho era bem
complicado, estrada ruim e escura. Só ia para lá quem realmente conhecesse do que se tratava. Eu fui
seguindo as placas, perguntando e finalmente seguindo outros carros que
pareciam ir pro mesmo lugar que eu. Cheguei cedo e fiquei puxando conversa com
algumas pessoas- já que tinha muitas. Era um dia especial para convidados que eles chamam de “adventistas”.
Havia um clima de cordialidade e atenção para conosco, por isso , senti-me bem acolhido. Fiquei em um banco sentado, sozinho,
esperando a sessão começar.
Em um dado momento, uma pessoa – que depois soube que era um
dos mestres – chamou-me para “me enturmar”, depois de uma rápida conversa, me
deixou conversando com dois rapazes que estavam próximos a nós. Um que já era
“sócio” e o outro que era convidado como
eu. Sócios são as pessoas que já fazem parte da Instituição, podem frequentar à
vontade as sessões do chá, convidar outras pessoas e pagam uma espécie de dízimo mensal.
O tal sócio era um rapaz jovem , bem arrumado, parecia um artista ou galã de
novela, vou chamá-lo de R. Ele estava dando algumas informações ao seu amigo e
tirando-lhe algumas dúvidas. Entrei na conversa meio que “forçado” e senti uma
certa relutância por parte de R. que nunca se dirigia a mim- apesar de seu
esforço em querer demonstrar polidez e simpatia – sentia uma certa resistência nele , na hora eu não entendi direito. Então,
me calei e fiquei apenas ouvindo-os conversar.R. falava sobre o nível social de algumas pessoas que frequentavam o local. Médicos, militares de alta patente , políticos etc. Contou também sobre um empresário que doou uma quantia milionária ao movimento. E eu só escutando. Era como se eu não estivesse ali- talvez eu o estivesse incomodando . Ou talvez minha aparência externa não o tivesse causado boa impressão : uma camisa indiana roxa, calça jeans e chinelão de couro. Fui vestido de maneira simples pois não me toquei que era um dia festivo e que portanto, merecia trajes melhores para a ocasião especial. Não que haja uma etiqueta formal para isso. Mas percebi que todos estavam muito bem vestidos como se tivessem ido para uma cerimônia importante.
O fato é que fui totalmente ignorado pelos dois. Eles mal
falavam comigo e fiquei sobrando, “segurando vela”-como se diz no jargão
popular. Muitas pessoas indo e vindo. Algumas me cumprimentavam, outras só me
olhavam e sorriam. Eu estava esperando o tal líder, o Mestre T.- o mesmo que
fez a entrevista comigo por telefone. Finalmente ele chegou. R. comentou acerca
da marca do carro do mesmo- para algumas indivíduos a marca do carro revela o status
pessoal do dono. Outra coisa que percebi é que quando o convidado está sozinho,
sem esposa/namorada, sem amigos e sem quem lhe convidou acompanhando-o você é
visto com uma certa desconfiança. Ora, minha ex-esposa não queria ir pois era
evangélica e achava que aquilo era coisa de macumba. Quem me convidou estava
com um problema pessoal de saúde na família e não pode ir. Tive que ir só
mesmo. Não poderia perder esta oportunidade que esperei por tanto tempo.
Finalmente tocou um sino. Todos se dirigiram a um grande
salão cheio de cadeiras estilo “preguiçosa”. Eu acompanhei os rapazes. Já no
salão, sentei-me atrás deles- pois não havia mais lugar na fila deles. Ao meu
lado, sentou-se um casal- fiquei pensando se eram irmãos, amigos ou namorados.
Quando olhei para a moça achei-a parecida com um Elfo ou Gnomo.
Ela sentou-se do meu lado direito e ele sentou-se ao lado dela, pareciam muito
simpáticos e cordiais. Do meu lado esquerdo a cadeira estava vazia. Foi então
que chegou um homem alto, gordo e sorridente que disse em voz alta: acho que
vou me sentar aqui!
Ele era muito simpático também e gostei de tê-lo ao meu lado.
Puxou um pouco de conversa e foi muito receptivo . Começou a me
contar que o chá era muito amargo. Foi
então que levantou-se , deu uma saidinha e depois voltou com um pedaço
de laranja enrolado em um guarda-napo e me perguntou:
- Você sabe para que é isso?
Respondi que não .
- Para tirar o gosto! – respondeu.
Era um pedaço de laranja e mais dois bombons de iogurte que
ele tinha trazido para me dar. Alguém já havia me falado que era melhor beber o
chá de uma vez pois era muito amargo. Diante da perspectiva de tomar algo com gosto
tão ruim, fiquei muito feliz e grato pelos tira-gostos.
Finalmente o mestre T. começou a sessão. Explicou a logística
da prescrição : primeiro, os mestres mais antigos, depois os mais novos,
seguindo toda uma hierarquia de antiguidade até que por fim, seríamos nós, os
adventistas . Havia uma fila até o altar onde estava o mestre que botava o chá nos copos de vidro. A quantidade de chá para cada pessoa era decidida por
ele. Percebi que os mais antigos recebiam um copo quase cheio. Os adventistas
recebiam só metade. Mesmo assim, vi que alguns adventistas receberam uma dose
maior do que a minha. Não entendi muito o motivo- se é que teve um.
Quando me aproximei do mestre, vi que ele chamava as pessoas
pelos nomes- mesmo os adventistas. Mas o
meu ele esqueceu. Ato falho? Pensei na hora. Ou qual seria a razão do
esquecimento? Lembrei que ele já havia esquecido meu nome antes quando , ao
microfone, apresentou os nomes dos adventistas no começo da sessão. Ao invés
de chamar pelo meu nome ele me identificou como: “ O convidado da fulana!”. Na
hora fiquei com a nítida impressão que eu o incomodava mas eu não conseguia
entender o porquê. O fato é que ele mal olhou pra mim quando me entregou o copo
de vidro com o chá. Pode ter sido só uma impressão mas ela perdurou até o
último momento quando , no final, fui me
despedir dele.
Finalmente
eu estava prestes a beber o chá, mas tinha que esperar o comando do
Mestre. Tudo lá tinha uma ordem, uma
sequência e uma hierarquia. Até para se levantar ou sair do salão tinha que ser
com o consentimento dele. A
prioridade para beber o chá era dos mestres mais antigos, depois os mais novos,
os membros ou sócios e , por último, os adventistas . Eu bebi de um gole só, de
uma vez. E foi tão rápido que mal deu
pra sentir o gosto . Ato contínuo peguei a laranja e a bala de iogurte. Depois
me sentei como os outros fizeram.
O mestre
começou a ler o que ele chamava de “documentos”. Sua voz ecoava através de
potentes auto-falantes estrategicamente colocados ao longo do salão. Os
documentos eram o estatuto da instituição e algumas histórias interessantes sobre
o mestre fundador da ordem. Até aquele momento, eu ainda não havia sentido
nada. Após 20 a 30 minutos, ele perguntou pelo microfone se os adventistas já estavam
sentindo a “borracheira”- que são os efeitos do chá. Nesse exato momento
comecei a sentir uma sensação diferente, uma alegria que eu não sabia de onde
vinha – de repente comecei a ver vários círculos coloridos aparecendo dentro da minha
cabeça. Eu estava com os olhos fechados e comecei a ver mandalas , bonitas, brilhantes , de diversas cores, formatos
e tamanhos. À medida que elas surgiam dentro da minha mente, sobrevinha uma alegria e paz muito muito
intensa.
De repente,
ouvi alguém me perguntando sobre a tal “ borracheira”. Abri os olhos e vi que
era o mestre T. já bem próximo a mim.
Respondi-lhe que sim, que já estava sentindo seus efeitos mas que se resumiam
ao aparecimento de figuras geométricas circulares. Ele sorriu e saiu perguntando a mesma
coisa a outros adventistas. Fechei meus
olhos novamente, as mandalas coloridas e brilhantes surgiam como balões dentro do meu cérebro.
Abri os olhos novamente para checar se poderia vê-las com os olhos
abertos, mas elas sumiam e tudo parecia normal . Depois os fechei novamente e as
mandalas apareciam acompanhadas por sensações boa de alegria e êxtase. Senti que a nave que me levaria a essa viagem
inóspita estava apenas decolando, muito mais estava por vir.
2. A
DECOLAGEM
A “viagem” só começa mesmo com a invocação do
Mestre que faz isso através de “chamadas”, cânticos e hinos tradicionais da
instituição que lembram muito as canções tribais dos índios. De repente, ele
começou a invocar a “ Força” do vegetal- que acreditam ser o espírito ou energia
elemental que está presente no chá daí a denominação dada por eles de
“enteógeno” ao invés de “alucinógeno”. O primeiro, supostamente leva ao
autoconhecimento através da viagem interior, despertando o Eu superior presente
no ser humano. Já no segundo caso, seria apenas alucinações mentais mesmo. Foi
aí que começaram as “mirações” ou visões.
Nesse exato
momento, senti algo muito forte e diferente de tudo o que eu já havia sentido
em toda minha vida.
(Alsibar)
Continua no
próximo post, link abaixo:
https://alsibar.blogspot.com/2018/12/a-experiencia-do-cha-parte-ii-as.html
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