domingo, 16 de outubro de 2011

A VERDADE E O PROBLEMA DA LINGUAGEM: The Truth and the Language's problem

A Verdade e o problema da linguagem- Alsibar
 Qual a importância da linguagem no nosso dia-a-dia? Será que todos nós realmente usamos uma "linguagem comum" ? Qual a relação entre linguagem e a percepção da Verdade? O que precisamos fazer para compreender o “novo”e , consequentemente, nos transformarmos? Vamos refletir sobre estes e outros assuntos ?
      A linguagem molda nosso mundo subjetivo e, consequentemente, a forma como o percebemos e dele nos acercamos . Gurdjieff costumava afirmar que uma das nossas maiores ilusões é acreditar que “usamos uma linguagem comum e que nos compreendemos”. Não nos damos conta o “quão subjetiva é a linguagem, quão diferentes são as coisas que dizem, embora todas empreguem as mesmas palavras”. Assim, é impossível haver um verdadeiro estudo ou uma verdadeira comunicação, se não estivermos conscientes do papel que a linguagem exerce sobre nós. 

              Ora, tudo em nossa vida é comunicação. As relações se baseiam nela. Quanto melhor o nível de comunicação, maior o entendimento. Se nos entendemos bem, não há espaço para confusões ou mal-entendidos. Mas se nossas linguagens são tão confusas como haveremos de nos comunicarmos corretamente? Será que somos capazes de entender o Novo que é a Verdade? Será que somos capazes de transmiti-la?
Em geral , achamos que para entender a Verdade transmitida por um sábio basta  lê-lo ou ouvi-lo. O problema é que, à medida que vou lendo ou ouvindo, vou fazendo associações com as coisas que já conheço. Se o que o autor fala condiz com o meu pré-conhecimento, então passo a gostar dele.  Senão, taxo-o de complicado ou simplesmente discordo dele. Além disso, mesmo quando penso que  compreendi o que o autor disse , em geral, o que aconteceu foi apenas uma reinterpretação das falas do autor de  acordo com o meu pré-conhecimento .  E isso não é compreensão .
    Na verdade, a compreensão só surge quando não faço associações. Se escuto algo realmente novo, esse algo só é novo, quando minha mente não a reinterpreta de acordo com o velho. Caso contrário,  perderá o impacto que deveria ter sobre minha mente e sobre minha vida. O resultado é a continuidade do velho, em detrimento do novo. Vamos pegar, por exemplo, a palavra "vigiar". Se em toda sua vida, você ouviu esta palavra sob a visão da cultura judaico-cristã, então no seu universo linguístico a palavra “vigiar”  tem um peso moral e repressor muito específico. Significaria algo como  “cuidar para não cair em pecado ou em tentação”. Mas, se escuto um monge budista dizer: Vigiai o pensamento!- então o significado não é o mesmo. Um budista pensa na vigilância do pensamento dentro de uma perspectiva não-dual e impessoal. Enquanto um cristão tem nessa frase uma perspectiva totalmente dual e pessoal . Assim, se o cristão não libertar sua mente de conceitos  fortemente arraigados, dificilmente irá compreender o novo significado que está sendo apresentado a ele dentro de uma nova perspectiva cultural. 

         Em suma, a linguagem e a capacidade de compreensão estão interligados. E se para evoluir preciso compreender, tenho então que refletir sobre minha capacidade de compreensão e como isso se manifesta na minha mente. Ora, será que existe o novo se estou apenas reinterpretando e fazendo associações? Existe o novo se já considero que aqueles conceitos já me são conhecidos e que, por isso mesmo, penso já tê-los apreendidos? Existe o novo se minha mente está saturada de  velhas idéias, conceitos, imagens e definições ? Ou será que tenho que me libertar de tudo isso para que o novo possa “nascer” ?
  O novo só pode surgir quando se compreende o quanto o “velho” é prejudicial. Infelizmente, estamos tão dominados por velhos conceitos que fica difícil entendermos o quanto isso é verdadeiro. Para demonstrar o quanto nossa linguagem  é confusa, plural e imprecisa vamos analisar, algumas palavras e conceitos do  nosso cotidiano. São palavras que, em geral, acreditamos saber o significado mas será que sabemos mesmo? Senão, vejamos:

1.  ILUSÃO: uma palavra que tornou-se, ela própria, fonte de muitas ilusões. Ora, a ilusão para uma pessoa criada e educada dentro de uma perspectiva religiosa repressiva e moralizadora poderá considerar como ilusão tudo o que esteja dentro da esfera dos desejos biológicos ou carnais. Todavia, temo que ter cuidado para não confundir as coisas. Ilusão por definição é tudo que parece ser mas não é. Mas os “desejos da carne” são bastante reais. Além do mais, se considero ilusão tudo o que é carnal então por que tenho lutar contra ? O que é ilusão simplesmente não existe e se não existe para que a luta, a disciplina, a repressão?  Na verdade , a ilusão  está na mente. Não está nas coisas tangíveis, não está nos nossos desejos sexuais-estes são muito reais. Dizer que “o mundo é uma ilusão, um sonho”- não tem significado nenhum. A verdadeira ilusão, a verdadeira Maya, está na nossa mente. É dela que parte nossa visão subjetiva de mundo. É esta visão de mundo subjetiva, forjada pela cultura e educação, que nos impede de ver a Realidade como ela realmente é. 

    2.  EGO- esta palavra é uma verdadeira salada de significados e fonte de muitos mal-entendidos. Por isso que, quando me refiro ao EGO, sempre procuro usá-la em “caps lock”-pois tenho em mente um sentido bastante específico. Seus significados são múltiplos e variam conforme o autor, a cultura, a tradição, a fonte, o livro etc. Para mim,  EGO é  simplesmente o conteúdo da mente representado pelas pensamento, pelo passado, as imagens, as convicções, as certezas, os desejos psicológicos, o futuro psicológico, as vontades, as escolhas, as lembranças, as expectativas, o meu senso de “mim mesmo” etc.  Muitos autores dizem por aí que o EGO é uma ilusão. Mas como o EGO pode ser uma ilusão se ele existe? Em outras palavras, o sonho é uma ilusão? O sonho é real, pois todos nós sonhamos. O problema surge quando confundimos as "realidades". Mas se compreendo que sonho é sonho e realidade é realidade então está tudo bem.  A miragem existe, enquanto miragem e assim deve ser considerada. As imagens na tela do cinema são reais enquanto imagens projetadas em uma tela branca. Tolo é quem confunde a realidade objetiva com a realidade encenada na tela . Cada coisa deve ser considerada em sua própria natureza. Assim o EGO é uma realidade projetada na tela da mente original. Mas ele existe, não como entidade essencial, verdadeira mas existe; e se o negamos corremos um grande risco de sermos, por ele,  enganados.

           3. CRENÇAS-As crenças, por exemplo, são crenças apenas- não podem ser confundidas com a realidade ou consideradas verdades absolutas. Se assim compreendo, e coloco cada coisa em seu lugar, então não há problema nenhum. 
   4.  AMOR- Esta palavra é, talvez a mais desgastada e incompreendida de todas. Não irei defini-la, pois a considero indefinível. Apenas mostrarei que esta palavra tem para cada pessoa um significado diferente. Para alguns ela significa caridade, para outros ela encerra uma Força, uma Luz. Alguns acreditam que amar é cultivar as virtudes da tolerância, gentileza e bondade. Há  aqueles que dizem que o amor não se pratica, pois está além de todas as práticas , palavras e virtudes. E também aqueles que defendem que não há diferença entre Amor e Deus- quem encontra um, encontra o outro pois estão intimamente associados. E assim, por diante. O fato é que em termos de significado a palavra amor está totalmente alterada e desgastada pelo seu mau uso. Como resgatar seu significado puro e original? Eis um dos grande desafios daqueles que procuram resgatar a força de uma palavra tão bela, poderosa e importante.
   5. A VERDADE- É dito que a Verdade, está além de todos os conceitos e palavras mas, até mesmo para compreender isso, precisamos estar abertos ao novo. O novo só surge quando o velho morre. Assim, se queremos nos autoconhecermos, se queremos realmente nos transformarmos, temos que morrer também para velhos e desgastados conceitos que nos impedem  a percepção da Verdade. Deus, ou o Desconhecido é definido em algumas culturas e autores como “ o eternamente novo”. Ele, não pode ser “captado” por uma mente que opera dentro da dimensão do velho e do conhecido . Somente quando a mente liberta-se completamente do seu próprio conteúdo -velho, desgastado e repetitivo- é que ela poderá entrar em contato com uma nova dimensão. Chame-a de Deus, Desconhecido, Verdade… Ou, se preferir, fique quieto e em silêncio- deixando que “aquilo” se revele por si mesmo.
          Por fim temos o problema  da transmissão. Muitos sábios optaram pelo silêncio. A lenda diz que Bodhidharma- o grande introdutor do Budismo na China- foi um deles. Passou nove anos olhando para uma parede, pois não encontrava ninguém que pudesse entender a Verdade. Após esse tempo, um discípulo apareceu e o desafiou, cortou sua própria mão e disse: “Já cortei minha mão, se não virares e não me ensinares, cortarei também a cabeça !”. Foi aí que ele se virou, satisfeito por ter encontrado um discípulo com condição de entender a verdadeira essência do Budismo, daí surgiu o Chan ou Zen. Ramana passou um bom tempo em silêncio. E Lao Tsé  dizia que o Tao é indefinível. Eis o grande dilema: como comunicar o incomunicável? Como falar daquilo que não se pode falar? Como nomear o que é “ inonimável”? Essa foi e continua sendo a grande dificuldade de todos os mestres, sábios e iluminados. Talvez, por isso, o Tao Te Ching nos adverte: “ o sábio cala, quem fala- não sabe”.
    O silêncio, talvez, seja a resposta- não o exterior, mas o interior encontrado na verdadeira Meditação. 

 Namastê!
 Alsibar ( inspirado)

Um comentário:

  1. Rapaz inspirado!!! Grande texto. Ao fundo de tudo isso a tirania do pensamento, construímos grossas paredes diante da temível insurgência do novo. Sim, o ego é um campo - um espaço vazio que enchemos, abarrotamos de certezas e "verdades", crenças, todas em essência "pensamentos". E é por este processo, a hipertrofia do pensamento, o preenchimento do "campo do ego" com tolices, a rede consensual das ilusões - é daí que nossa escravidão começa a ter forma. Aí, um mundo destruído por uma humanidade insana e brutal. E o recheio de tudo isso: o MEDO, tradicionalmente cultuado e perpetuado pela sociedade, pela educação. Grande texto,meu velho!!!

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