Se analisarmos a história dos grandes iluminados, a maioria foi ignorado, perseguido ou assassinado. E mesmo aqueles que não sofreram tal destino, foram mortos de uma outra forma: seus ensinamentos foram deturpados e sua memória apagada. Em seu lugar, criaram-se figuras míticas, fantasiosas que nada tem a ver com o personagem histórico real. Isso aconteceu, por exemplo, com Sidarta Gautama, com Sócrates e Jesus. Mas qual a razão desse fenômeno? É o que explico ao longo desse texto.
A explicação está no ego humano. A força egoica que domina a mente do homem vive o seguinte dilema: se um iluminado for “humano” demais, o ego o despreza. Isso explica por que Jesus foi tão desprezado pela comunidade na qual vivia. Ninguém poderia acreditar que tal homem, que eles conheciam bem e que com eles convivia, pudesse ser o grande messias prometido. O ego simplesmente não consegue aceitar isso. Então, poderiam perguntar, por que seus discípulos o reconheceram? Porque houve uma intervenção direta do Alto que lhes abriu a mente e o coração.
Mas, então, por que sua memória se manteve ao longo de tantos anos? Por que ele foi deificado, mitificado. A deificação é um mecanismo do ego para resolver esse difícil dilema: esse sujeito tem qualidades excepcionais, mas ele é um ser humano igual a mim. Como pode ser isso? Então, para resolver tal dilema, mata-se a verdadeira identidade do sujeito e, no lugar, cria-se um mito, uma imagem idealizada: o ser perfeito e infalível, o próprio Deus em carne humana, a encarnação da pureza e da perfeição. Mas qual é o problema disso?
De forma bem didática: se o iluminado parecer muito humano aos olhos do ego, ele não consegue tê-lo como exemplo e referência. O ego só valoriza aquilo que, aos seus olhos, lhe parece ser maior do que ele. O problema é que, devido à própria cegueira do ego, ele é incapaz de avaliar os fatos com precisão e clareza. A frase: “santo de casa não faz milagre” resume bem essa questão. “Como pode “fulano” ser lá grande coisa?” Então, a saída encontrada é deificar tal pessoa, esquecer sua personalidade humana e colocá-la em um altar, em um pedestal. Assim fazendo, ele deixa de ser “aquele fulano que conviveu conosco” e torna-se um ser divino, puro, sobre-humano. E desta forma, não se tem mais um ser humano comum que alcançou a realização divina. Agora, o que se tem é um ente divino para ser adorado e venerado e não mais um exemplo para ser seguido.
Ao fazer isso, o ego tem uma justificativa para não buscar a mudança e a transformação interior: “tal pessoa só viveu tais ideais porque ela era especial . Eu sou um reles mortal, pecador e limitado, então, só me resta venerar e adorar tais seres divinos”. Cria-se então uma distância instransponível entre si mesmo e o “santo reverenciado” . Isso aconteceu com Sidarta Gautama, um homem comum que buscou a libertação do sofrimento e que, depois de sua morte, tornou-se Buda, o deus de boa parte dos budistas. Jesus, um homem simples que recebeu a iluminação no deserto, tornou-se a terceira pessoa da santíssima trindade, e assim por diante. E, devido a tudo isso, o esforço para se viver seus ensinamentos é substituido pela veneração e adoração o que, convenhamos, é muito mais cômodo.
Então, ou você tem uma pessoa como Jiddu Krishnamurti que apesar dos defeitos e limitações conseguiu vivenciar a iluminação, mas que, exatamente por isso, é desprezado pelas grandes massas. Ou você tem um Jesus e Buda que são admirados não pelo que realmente foram, mas pela imagem fictícia criada pelos seguidores após sua morte. E, nesse meio termo, a humanidade pode descansar despreocupada, sem se sentir culpada por não realizar a difícil viagem do autoconhecimento. E o resultado está ai: crises, guerras, doenças, conflitos e sofrimento em todos os âmbitos da vida.
Resumo da ópera: toda vez que a Luz da Verdade se manifesta no mundo, o ser humano a despreza, mata ou a substitiu por uma “luz falsa”. Essa luz torna-se, então, seu objeto de adoração e veneração. É a ela que a pessoa recorre para pedir graças e favores e depois poder dormir sossegada sem nenhum peso na consciência. Mas o certo seria seguir os passos daquele a quem se reverencia para encontrar em si mesmo a mesma Verdade que o sujeito reverenciado encontrou dentro de si.
07/11/25
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