domingo, 25 de abril de 2021

O APEGO FUNCIONAL E A DESMISTIFICAÇÃO DA ILUMINAÇÃO

 


A Leia é, a meu ver, uma das poucas pessoas realmente iluminadas desse Brasil- no sentido dado por Krishnamurti. Faz apenas dois anos que ela começou sua busca espiritual e um ano que conversamos bastante sobre Krishnamurti e seus ensinamentos. Sempre que possível, trocamos ideias e ela me fala sobre seus insights. Nesse diálogo, conversamos sobre a questão do apego e também sobre a desmistificação da “ iluminação”. Vale a pena conferir!

 Alsibar -Olá Leia bom dia, tudo bem?

Leia-Tudo bem graças a Deus! Ontem tive um “insight” a respeito do apego, que vou compartilhar contigo: o que liberta a mente não é o desapegar da coisa apegada mas o entendimento, a compreensão do porquê  alguém se apega.  De fato, é o medo de “não ser". Medo do vazio. Isso me trouxe um relaxamento, um silêncio muito profundo!

 Alsibar -Lindo! É exatamente isso !

Leia - Engraçado que você só  observa que se apega e a luta termina.

Alsibar -Yes ! Cessa o conflito.

Leia -Eu achava que a libertação seria você estar desapegado de tudo, só que não é! É quando  você se conhece de verdade e não pode fazer nada a respeito!

Alsibar - Sim, porque cessa a luta.

Leia - Só que nisso está a grande mudança: a “não ação”! Jesus ! Um “vazio” imenso se abre sem luta.

Alsibar - A luta sustenta mais ainda aquilo do qual  você quer se livrar.

Leia - Simmm! Exatamente! Não tenho mais controle nem memória de nada... me perdendo de mim!

Alsibar - Leia... Você já mergulhou.... E assim como eu, Jesus, Krishnamurti, UG, Vimala, ou qualquer outra pessoa, você vai se aprofundando cada vez mais.Você vai chegar no estágio de completo desapego. E só terá o apego funcional. O que seria o apego funcional? O necessário pra você viver e lidar com as questões práticas da vida .

 Leia - Entendo sim: necessidade básica de sobrevivência.

 Alsibar - Exatamente! Foi essa a 'jogada de mestre' que JK fez com o Raja Gopal. Ele não esperava que K o processase para reaver seus bens e direitos. Você entende mais ou menos xadrez?

Leia - Não (rs)

 Alsibar - Tem a jogada do cavalo. É, tipo, uma jogada imprevisível e inesperada. O Raja nunca imaginou que JK fosse demonstrar apego às coisas materiais. E aí foi que ele quebrou a cara. Esse é o apego funcional. Ele tem uma razão , um sentido...

Leia - Humm...entendi! Acordei ontem pensando num vídeo do Krishnamurti em que  ele fala de religião e meditação e, à tarde,  assisti ele por três vezes. Parecia que algo dentro de mim queria repetir o vídeo até que a ficha “caiu”.

Alsibar- Então,  não é um simples apego... Mas um apego “necessário” em prol de uma razão maior.

Leia – Simm!

Leia -  Apego que não traz conflito, nem sofrimento! Muito diferente deste que falamos.

Alsibar- Isso mesmo! Não traz porque é movido por uma razão maior. Não é um simples capricho do ego.

Leia - Entendi.

Alsibar - Vou dar outro exemplo: o seu trabalho. Você precisa dele. Então tem que amá-lo e protegê-lo. Precisa ter esse 'link' com ele.

Leia - Sim! Amo minha vida ali. Fico um dia sem trabalhar hoje e já quero ir pra cozinha. rs

Alsibar - Porque  ele é uma fonte de prazer e sobrevivência.

Leia - Amo mesmo! Não é “trabalho”!

Alsibar- Leia,  a propósito, você tem noção de quanto tempo faz que nós conversamos?

Leia - Bom, comecei a busca faz 2 anos. Faz 1 ano que a gente começou a conversar. Antes completamente dormindo.

Alsibar - Sim! Foi a minha previsão também. Então... Mesmo contabilizando os dois anos...Pra algumas pessoas isso parece impossível! Mas defendo a tese de que isso é relativo e depende de cada um.

Leia- No meu caso, eu tinha uma intenção profunda. Reflexão dia e noite. Não parei um segundo até compreender.

Alsibar - Sim, eu também tinha. Mas  você levou dois anos pra chegar a uma compreensão que levei a vida toda rs.

Leia - Acho que essa intenção  vai abrindo as portas do entendimento.

 Alsibar - Então qual o diferencial? Tem gente que não acordará nessa vida por mais que pareça tentar. Outras levarão muitas...

Leia - Verdade! Talvez por serem muito fechados, no fundo não querem mudar. Quem quer mudar não desiste.

 Alsibar - Bom.... É isso também! Que é o que chamam de “carma”. Carma é o que você é: seus pensamentos, sentimentos e atitudes. Se você é arrogante, orgulhoso, duro.... Esse é o teu “carma”. Porque ele fecha os teus caminhos de crescimento. Ou seja, você MESMA se fecha . Mas aí tem um fator secundário, mas não menos importante: o LIXO DE CONHECIMENTO ACUMULADO!

Leia - Sim! A própria pessoa é seu carma. Ela cria sua própria  “caixa”.

Alsibar - Exatamente. Por exemplo, a minha “caixa” era pesada e cheia de tralhas. Levei anos pra limpá-la.

Leia - A de todos nós...

Alsibar - Mas  a sua tinha pouca coisa em comparação com a minha. A  sua só tinha o Joel Goldsmith que eu me lembre. E parece que teve contato com as coisas do Hélio Couto.

 Leia -Mas acho que tinha também porque foram dois anos doloridos... Não foi fácil... Tinha dias que a sensação era a de estar arrancando a pele.

 Alsibar- Mas estou me referindo especificamente às tralhas do “conhecimento”, das leituras nesse campo. Por exemplo, você não conhecia o Osho, nem o Advaita, ou o Gurdjieff. Esses conhecimentos que, a meu ver, mais atrapalham do que ajudam. Porque dão margem à interpretações equivocadas, inflam o ego  na medida em que fortalecem a ilusão do “saber”. Obviamente que você tinha suas questões pessoais a serem resolvidas. Mas não tinha a ilusão e a prepotência de que já sabia o caminho. Pelo menos, não tão forte como a maioria dos tais “espiritualistas” modernos.

Leia - Realmente não tinha. Não li ninguém. Nem um livro sequer. Só vi vídeos do JK e os seus. O K foi tudo!

Alsibar-Pois é disso que falo. Estou falando das tralhas do conhecimento livresco. Alguns confundem e até desvirtuam as pessoas.

Leia - Sim, egos guiando egos.

 Alsibar - Por isso continuo meu trabalho . Tentando esclarecê-las, avisá-las.Osho não é JK. Tolle não é JK. Zen não é JK. Advaita não é JK. Gurdjieff não é JK.

Leia - Não sei nada desses daí. Rsrs. Realmente  K é único. Fiquei só nele , ali já tinha tudo.

 Alsibar – Lamentavelmente , as pessoas tendem a botar tudo num saco só e acabam ficando perdidas. Que foi o que eu também fiz.

Leia- Sim ! K não escondia nada. Mandava a “real” na cara da gente. A verdade sobre o que realmente somos.

 Alsibar - Então, quando eu quebrava a cara com Osho, eu pedia a Deus uma luz.... E meu coração me levava ao K. Depois foi com o Gurdjieff... novamente Deus me apontou o “K”.

Leia - O primeiro vídeo do K me pegou de primeira...

 Alsibar - Porque você não tinha o lixo do “ conhecimento acumulado”.

Leia- Algumas pessoas me perguntaram : como  você consegue ouvir esse velho estranho?

Alsibar - Pois é, sua mente estava fresca, nova, não contaminada. Que é o estado mental que JK insistia que as pessoas estivessem ao ouvi-lo.

 Leia - Fui “direto ao ponto”, não tinha muita bagagem. Hoje percebo o “falso” facilmente.

Alsibar- Essa “bagagem” ao invés de ajudar, atrapalha. Ela é muuuuuuito pesada pra muitas pessoas e o pior  é que  elas se identificam com a bagagem e aí ficam confusas.

Leia - Porque a confusão aumenta o conflito.

Alsibar- Sim, mas por que elas se identificam? Porque isso lhes dá um sentido de superioridade e prazer. E não percebem que é o ego que está se fortalecendo nisso tudo.

Leia – Simm, muita coisa só alimenta o ego.

Alsibar - E o resultado final? Dor e sofrimento pois ficam presas em suas próprias teias egóicas.

 Leia - Graças a Deus agradeço por ter despertado um pouco pelo menos porque quando a gente se conhece, conhece o mundo. Na compreensão de como eu" funciono” compreendo o outro. A liberdade nada mais é do que parar de brigar com tudo o que sou.

Alsibar – Isso. O meu caso foi muito específico e às vezes procuro entender por que ele foi tão demorado e penoso. E aí me vem a resposta: como eu poderia fazer esses paralelos e esclarecer as pessoas sobre esses equívocos se eu mesmo não tivesse passado por eles?

Leia- A gente acha que vai se libertar primeiro e só depois sentir paz plenitude. Só que não. Sou “isso”. FIM! Mas é muito relaxante. É  o descansar, apaziguar a mente.

Alsibar - E aí, quando digo que conheço uma “iluminada” ninguém acredita. rs

Leia - (rsrs) Não me sinto assim! Estamos todos no mesmo barco. Só me compreendo um pouco mais e parei de “brigar” comigo mesma.

Alsibar - Óbvio que não sente. Se sentisse não seria. Por mais que dissessem a JK que ele era Iluminado ele não se sentia. O mesmo com o UG. O Iluminado nunca sente que seja. E essa é a marca das mentes Iluminadas. Isso quando o sentimento é sincero, óbvio.

 Leia - Acho que tem muita carga em cima desta palavra “iluminado” porque é só o fato da pessoa se auto conhecer, mais nada. As pessoas criam  a ilusão de que o iluminado é algo a mais que os outros. Há uma espécie de endeusamento. Apesar da luz do entendimento, continua tudo igual.

 Alsibar - Sim. Autoconhecimento é Iluminação. Essa palavra está muito carregada sim. E por isso que esse movimento iniciado por JK não pode terminar. Exatamente pra “desmistificar” o termo. E trazê-lo ao seu real sentido. Uma vez que ninguém se torna mais ou melhor do que ninguém. Apenas passa a sentir  paz, alegria, amor, compaixão, felicidade.

 Leia -Sim. Felicidade não produzida,  mas que surge espontaneamente da ausência do conflito. A paz sempre esteve ali. Quando cessa a “briga interna” ela toma espaço.

 Alsibar - Isso não torna ninguém um “santo”, superior ou melhor do que ninguém. Nem mesmo “autoridade” . Porque se ela se sentir autoridade, então a mutação não aconteceu.

Leia - Óbvio. Pois quem se conhece mesmo a fundo não vê ninguém diferente de si mesmo

Alsibar – Isso.

Leia - Lembra que uma vez te perguntei se conhecia algum iluminado no Brasiil? Naquela época eu ainda não tinha entendido nada.

 Alsibar- Ainda bem que eu não conhecia. A propósito, ontem vi um vídeo em que o Bohm pergunta ao K se o iluminado sente a dor e o caos do mundo. E ele responde, meio embaraçoso, : é claro que sim! Logo depois ele “tira de tempo” e fala de uma outra forma a mesma coisa.

 Leia - Sim, é verdade. O mesmo sofrimento meu é o do mundo, mas o mundo ainda luta. E a gente sente compaixão porque não há nada que possamos fazer.

Alsibar: Isso . Foi nessa mesma linha de raciocínio. Mas  o que você  pode você faz-dentro das suas capacidades e limitações.

Leia - Sim, porque quando alguém recebe a luz do entendimento já benefícia toda a consciência humana. Não é algo individual, só da pessoa.

 Alsibar : Isso mesmo! Algumas pessoas pensam na Iluminação como um estado de graça e perfeição....algo místico, etéreo e distante. Como se a pessoa fosse viver numa eterna bolha protetora, livre dos desafios e problemas práticos.

 Leia - Simm. Essa visão leva muita gente a buscar a iluminação nesse sentido aí.

Alsibar - Mas é exatamente no dia a dia que o Iluminado encontra a energia e o sentido da vida. Antes era só conflito, dor e confusão. Depois é paz, amor, alegria, êxtase e muitos desafios.

Leia - Verdade! As situações que antes causavam conflito passa ser simplesmente a vida acontecendo. Não ficam marcas depois!

Alsibar – Exatamente! Você resolve tudo o que pode ser resolvido. De uma forma que antes seria impossível de imaginar. As “graças”, as bençãos, a inteligência, os insights, as intuições e soluções que de repente chegam “do nada”, tornam a vida muito mais emocionante significativa e plena. E tudo vai fluindo como numa dança cósmica.

Leia –Sim, recebo tudo que vem como uma “graça”.

 Alsibar - E aí é só alegria de ver esse movimento divino acontecendo. E você se deixando levar... E também agindo quando precisar, claro.

Leia -  Sim, e tem esse silêncio que de repente tá ali e você não quer tocar pra não estragar (rs)

Alsibar - Exato . Você sabe que tem que deixar quieto porque se tocar ou até mesmo “olhar”- pode estragar,  ao criar uma “onda” de turbulência.

Leia – Verdade. Era a briga, a busca, o “vir-a-ser” que faziam barulho. Só isso  já maltrata demais neh? Como esse mundo sofre.

Alsibar – Sim, muito. Muito mesmo pois do conflito interior nascem todas as outras desgraças do mundo: depressão, angústia, raiva, violência, ambição, guerras de toda espécie. Porque sem paz não há amor, nem compaixão.

  Leia – Sim, por que a pessoa joga no mundo o que tem por dentro. Então o mundo sou eu.

 Alsibar – Isso! A paz interna marca o início da compaixão. Na paz o amor transborda!

 Leia - É o que sinto também por algumas pessoas. Muita compaixão porque entendo como elas funcionam. Por isso que Jesus deixou-se prender na cruz, sem luta. Essa é a “não-ação” que atua sobre  o mundo. Isso surge quando a gente entende todo esse processo.

Alsibar – Isso mesmo!

 Leia - Obrigada Alsibar, por tudo mesmo! Que a tua luz continue alcançando mais mentes!

 Alsibar : Ok, eu que agradeço pela conversa muito produtiva. Abcs!


Link do vídeo de Krishnamurti com David Bohm citado no diálogo

6 comentários:

  1. Vocês são a prova viva de que, qualquer um de nós,seres humanos, podemos despertar para a verdade Atemporal.

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  2. Gratidão pela partilha desse rico diálogo

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  3. Muito bom e esclarecedor esse diálogo! Vejo-me claramente nos conflitos mencionados, inclusive no que se refere à bagagem de conhecimento desnecessário, que foi denominada no artigo de lixo, mas é isso mesmo, qualquer conhecimento que não acrescenta autoconhecimento, é lixo mesmo. E desvencilhar desse lixo é um das maiores dificuldades. Mas se nossas intensões forem intensas e persistentes, na medida do possível, ininterruptas, chegamos lá.

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    1. Olá Aram, verdade amigo. Obrigado por sua participação e palavras. Fica na paz!

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