Se alguém me
perguntasse qual o sabor das avós eu
diria: de laranja. Explico: minha avó paterna foi quem me apresentou às
laranjas quando eu ainda não as conhecia. Lembro-me da cena quando provei uma
pela primeira vez. Eu tinha uns sete anos, ela estava na velha sala de
estar descascando habilmente a fruta cítrica, cuidando para não ferir a parte
branca, enquanto a casca externa esverdeada ia-lhe caindo por sobre as mãos
quase atingindo o chão de tão longa e inteiriça que ficava. Em pouco tempo,
como mágica, a fruta ia tornando-se uma bola branquinha , enquanto gotinhas da
casca caíam no meu olhar lacrimejante e maravilhado. Para mim, iniciava-se ali
um espetáculo, até então inédito, de
cores, sabores e cheiros.
Dividido entre a
ansiedade e o encantamento, eu sentia o aroma alaranjado tomar conta da sala.
Por fim, vinha a surpresa final : ela estendia a mão e carinhosamente dava-me a laranja . Ela ficava apenas com a “tampinha”
de cima. O sabor único, incomparável e inesquecível foi tão marcante que até
hoje não faltam laranjas na minha
geladeira e sempre que corto uma, vem a lembrança de minha avó com suas
laranjas docinhas que ela comprava cedinho na feira do mercado.
Mas esse foi apenas um
pequeno exemplo de como aquela senhora de personalidade forte e generosa, com
seus cabelos grisalhos, seu andar altivo, sua voz firme e serena marcou a vida
daquele garotinho “franzino” e “jeitoso”- como ela dizia. Durante muito tempo,
minha avó foi minha principal figura
materna- talvez até mais do que minha própria mãe. Pois ela sabia expressar amor
de uma forma muito especial que até então eu não conhecia. Com ela sentia-me
acolhido e amado pois até seu abraço de boas vindas tinha um sabor único,
inconfundível e restaurador, transbordava de felicidade e aconchego, fazendo-nos se sentir a pessoa mais importante
do mundo.
Mas o menino não morava
em Juazeiro do Norte onde sua avó morava e sim em Fortaleza distante quase 600
km . Então quando ele voltava para casa após as férias, ficava na janela,
olhando a rua por cima do muro , na esperança de vislumbrar aquela figura
maternal com seus traços característicos. A vontade de reencontrá-la era tão
grande que, ao vislumbrar qualquer senhora com ela parecida, o menino caía aos
prantos gritando pela sua “vozinha”. E, depois de muito tentarem convencê-lo do
contrário sem sucesso, o menino voltava
novamente o olhar esperançoso para a rua até onde a vista dava, dia após dia,
ano após ano.
Finalmente, as reviravoltas da vida levou o menino a morar
por duas vezes com a avó querida. E como sempre, não lhe faltou amor , cuidado,
doçura mas também muitos ensinamentos e lições de vida. Mesmo quando brava, ela
apenas pegava na orelha, simulando um “puxão”, que mais parecia um carinho do
que uma repreensão. Com ela, o menino aprendeu o valor da honestidade, do
trabalho, das “coisas direitas” e do “caminhar sem deixar rastros”.
De todas as influências
dela recebidas, merecem destaque o misticismo e a forte religiosidade . Devota
fervorosa do Padre Cícero, de Nossa Senhora das Dores e do Coração de Jesus,
não perdia uma missa- mesmo adoentada, acordava de madrugada para cumprir seus
rituais de fé. Impossível não ser tocado por tamanha devoção e genuína
espiritualidade.
Sua vida de trabalho e
retidão, sua disposição e força interior nos faz refletir: para onde pessoas
tão especiais assim vão depois do seu passamento? Certamente, elas não morrem-
perpetuam-se em seus descendentes ao longo de várias gerações. Sem dúvida que
minha avó deixou sementes que germinaram
e deram muitos frutos em um efeito cíclico interminável. Foram frutos doces e
inesquecíveis como as laranjas que ela me dava e eternos como as memórias que
nunca se acabam .
Para Maria Januário
Barbosa (In memoriam)
By Alsibar
Sensacional!
ResponderExcluir