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terça-feira, 26 de outubro de 2021

O NEO-ADVAITA E A DESUMANIZAÇÃO PELA INSENSIBILIZAÇÃO

 



 Tenho observado nos últimos tempos uma tendência crescente para se confundir espiritualidade com insensibilidade. Devido à ascensão de correntes orientais no ocidente, em especial, da tradição indiana conhecida como advaita-vedanta (não-dualista) trazida e disseminada pelos gurus ocidentais, tenho visto um aumento considerável de pessoas interpretando o vedanta como uma filosofia que vai gradativamente abolindo a capacidade de sentir. Sob a justificativa da crença que afirma que tudo ligado à matéria é ilusão e que apenas a “consciência”  é verdadeira, criou-se uma outra ilusão: a de que iluminação é a capacidade de  não sentir e, assim, não sofrer. O resultado é uma visão confusa e perigosa acerca do verdadeiro significado de espiritualidade. Se evolução espiritual significa tornar-se insensível, então todos os esforços são feitos no sentido de abstrair a mente da realidade concreta e de qualquer situação que possa causar tristeza, angústia ou sofrimento. Até mesmo o termo “pessoa” é abolido como forma de não se identificar com as vulnerabilidades do corpo . “Você não é o corpo! Você não é seus pensamentos! Você é a Consciência por trás deles!”. À primeira vista, parecem sentenças profundas e sábias, mas só à primeira vista.  Uma análise mais apurada pode nos revelar exatamente o contrário.

Quando os grandes mestres autorrealizados como Sankara, Ramana, Nisargadata dentre outros, proferem sentenças como essas, eles partem de uma percepção muito avançada acerca da natureza essencial do “eu”.  Ou seja, eles se movem da experiência para o discurso e não o contrário. Isso significa que eles falam de uma experiência real, direta e objetiva e não do que os outros disseram ou do que leram. Foi essa vivência que os fez perceber  que por trás da aparência visível da realidade,  existe “ Algo” maior que alguns chamam de  Luz, Consciência, Deus, Fonte, Amor, Imensurável, etc.  Até mesmo os cientistas já reconhecem que a natureza da matéria não é sólida, que tudo é feito de pequeníssimas partículas de energia, luz e, mais profundamente, espaço e vazio. Então, não há nada de novo nos discursos dos gurus neo-advaitas. O que há de novo é a má interpretação que estão fazendo desse conhecimento, gerando um fenômeno perigoso entre seus adeptos: a desumanização do homem através da insensibilização.

De acordo com essas pessoas, o sentir está ligado ao corpo e, portanto, não devem sentir pois eles são a “ Consciência” e a consciência não sente, não muda, não se apega, não se identifica. Desta forma, criam um estado de completa abstração da realidade para se refugiarem em um estado mental idealizado  em que se sentem seguros e protegidos.  Para eles, quanto maior a insensibilidade, maior a espiritualidade. É claro que não estou dizendo que todos fazem isso, mas que há uma tendência, por parte de alguns, em confundir insensibilização com elevação espiritual. O resultado é a temerária construção  de um estado mental  em que o ser humano é reduzido a coisa, pois se se lhe tira a sensibilidade, tira-se também sua humanidade.

Ora, Jesus — para alguns, o maior de todos os iluminados — nunca defendeu tal tese. Pelo contrário, o que se vê nele é uma vida de muita emoção, sensibilidade, compaixão e paixão. Krishnamurti, um iluminado moderno, por várias vezes enfatizou a importância da sensibilidade, de sentir o vento, os cheiros, as cores, a beleza da natureza, etc. Isso nos leva a refletir o seguinte: embora algumas correntes religiosas conservadoras condenem os sentidos ensinando, inclusive, a controlá-los, essa atitude pode não passar de um grande equívoco. De acordo com Krishnamurti o controlador  é o controlado e, sendo assim, o controle é uma ilusão pois cria mais conflito e sofrimento. Outros iluminados de outras correntes como Yogananda, Sri Yuktéswar, Lahiri Mahasaya e até Babaji, em nenhum momento deram a entender que a realização espiritual significaria a extinção total das emoções e dos sentimentos. Então, tudo leva a crer que está havendo uma espécie de “ilusão de ótica coletiva” nisso tudo.

O problema é o seguinte: cada pessoa só pode falar daquilo que vivencia. O ideal de Ramana de uma vida ascética, apartada do corpo, das emoções e da realidade sensorial era verdadeiro para ele que escolheu o caminho da renúncia.  Por ser uma alma elevada, sua mente mergulhava naturalmente em profundo êxtase, alcançando com facilidade estados elevados de consciência. Todavia, quando uma pessoa comum, com a mente inquieta e cheia de conflitos, fica apenas tentando imitá-lo, não é a mesma coisa. Ao invés de realização espiritual passa a ser invenção mental. Em suma, o que acontece é que a mente começa a condicionar a si mesma, criando para si um mundo ideal em que se exclui tudo aquilo que possa significar dor. Infelizmente, isso não é advaita mas sim uma deturpação do advaita. Quando a mente se divide em “Personagem e Ser”, ou quando ela  resiste a qualquer emoção que possa perturbar sua suposta paz, ela não está sendo não-dualista. Pelo contrário, ela está criando resistência pela não identificação, o que constitui uma fuga da realidade. É uma forma esperta que a mente encontra de evitar a dor e, de quebra, ainda ganhar o status de  “Desperto”. Mas, a verdade é que isso não funciona por muito tempo. Se a cada desafio, problema ou situação difícil, houver, por parte do sujeito, apenas uma negação mental  do fato, sob a justificativa de “não ser real”,   o que ele faz  não é muito diferente daqueles que usam drogas , bebem ou tomam remédios para esquecer dos problemas. Certamente que tal atitude não demonstra lucidez espiritual, mas fraqueza, imaturidade e covardia.

Grandes mestres como Jesus, Krishnamurti, Sri. Yuktéswar e Nisargadata não fugiram da vida, não a negaram. Pelo contrário, vivenciaram-na em todas as suas nuances, desde o prazer de um bom vinho, uma boa comida, uma boa companhia até a dor de uma crucificação, da traição ou de um câncer mortal. Não há vida sem sentimentos ou emoção. Jesus nunca seria um grande mestre se não tivesse sentido em si mesmo a dor dos sofredores e oprimidos. Sendo assim, se você está começando a estudar o advaita através desses gurus ocidentais modernos, tenha muito cuidado não só com aquilo que eles lhe transmitem, mas também com a sua própria interpretação. Não se deixe impressionar pela beleza dos seus discursos e  tenha o máximo de cautela com aquilo que eles ensinam. Não se deixe levar tão facilmente por suas palavras e mantenha-se atento para perceber as sutilezas do discurso que podem levá-lo à desumanização. Mantenha o "desconfiômetro" ligado pois, embarcar numa ilusão como sendo realidade pode até ser bom no começo, mas, no final, pode custar-lhe muito mais caro do que você imagina.

By Alsibar Paz

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domingo, 24 de outubro de 2021

SOBRE KRISHNAMURTI E YOGANANDA

 



Recentemente, houve no grupo de mentoria que oriento, uma discussão acerca da validade de ensinamentos espirituais diferentes daquele apontado por Krishnamurti e no caso específico, o caminho de Yogananda. É inevitável que haja um choque entre essas duas visões tendo em vista que ambos apontam caminhos diversos para o mesmo objetivo. Mas quem está correto? Por que essas duas correntes, aparentemente verdadeiras, são tão diferentes entre si?

Paramahansa Yogananda e seus mestres estão inseridos no contexto da tradição religiosa hindu. Mesmo que sua mensagem seja universal, não tem como se desprender da influência da tradição, sociedade e cultura em que viviam. Isso aconteceu com todos os grandes mestres. Buda dialogou com o Brahmanismo, a corrente hindu predominante na sua época. Seus ensinamentos e visão estão recheados de termos e expressões dessa tradição, seja afirmando, refutando ou simplesmente referenciando. Jesus, apesar de ter vivido a experiência do  Despertar  como um fenômeno Universal, Eterno e Humano, não teve como se livrar do peso da cultura e da sociedade em que estava inserido. Os elementos de seu discurso e ensinamentos, tais como: termos, linguagem, exemplos e expressões foram inevitavelmente tirados do seu próprio background, do contexto em que ele vivia e fora criado. O discurso é um fenômeno social, influenciado e condicionado pelo meio em que se vive. No caso de Krishnamurti, por mais que tenha se livrado do peso da sua educação e cultura em que crescera, e por mais universalista que se tentasse ser, era inevitável falar sobre mestres, tradições, religiões, condicionamentos, organizações, meditação, iluminação, etc. —até mesmo como forma de refletir sobre suas influências e limitações em nossas vidas. A questão, portanto, não é se livrar totalmente dessas influências, mas saber até que ponto ela atrapalha e altera  nossa percepção da Verdade, daquilo que é verdadeiro.

Yogananda não lutou contra o seu meio, condicionamento e tradições — pelo contrário, ao reafirmar e confirmar seus valores e crenças, tornou-se ele mesmo uma peça fundamental para sua legitimização e validação. É preciso ter o discernimento para saber onde termina o campo puramente social, cultural e religioso e começa a experiência pura da verdade universal. Os elementos puramente culturais são, por definição, superficiais e convencionais. Servem para comunicar, dentro de suas limitações, a experiência que está além de toda linguagem. Por isso que JK sempre enfatizava que a experiência não é palavra, a coisa não é o objeto, a palavra não é a coisa. A “coisa” está muito além de toda expressão, mas a linguagem é fundamental para poder transmiti-la aos outros. Consciente dessa questão e vendo que, muitas vezes, as pessoas se apegam ao meio e esquecem o fim, adoram o dedo mas esquecem a Lua, JK enfatizou essa problemática de uma maneira radical, como nem mesmo o Zen o fez. Assim fazendo evitou, dentro dos limites do possível, usar palavras e expressões com significados estabelecidos pelas tradições religiosas. Muitas vezes, perdia quase uma hora tentando explicar os novos sentidos que estava dando a cada palavra e expressão. Assim, termos como : observação, atenção, inteligência, meditação, verdade, ordem,  tempo, Deus, ação,  religião, etc. foram todos ressignificados. Yogananda e seus mestres não foram por essa direção. Ao contrário, tentaram trazer para a humanidade um novo impulso, um novo ânimo e esperança dentro da própria tradição. Conseguiram? Talvez sim, talvez não.

O caminho de Yogananda e seus mestres se apresenta como uma nova perspectiva dentro do caminho milenar da Yoga Tradicional. Sua Kriya Yoga nada mais é do que a releitura do caminho dos grandes mestres do passado, os Rishis ou grandes sábios da Índia antiga. Ao apresentar ao mundo a existência de grandes almas iluminadas (Yogues) vivendo nesse mundo, alguns deles, como seu próprio mestre, a poucas quadras de sua casa, ele ajudou a tirar o iluminado do pedestal de distanciamento e sacralidade presente no imaginário popular. O próprio Yogananda, talvez influenciado por essa perspectiva idealizada, duvidou da iluminação de seu próprio mestre e o abandonou, indo em busca de um Yogue distante, recluso e renunciante. Ora, por que será que Yogananda abandonou seu mestre? Claro que ele não fala. Todavia, é óbvio que de alguma forma ele não estava satisfazendo suas expectativas e aspirações. O fato é que Sri. Yuktéswar era um homem inserido na sociedade e  foi caracterizado no livro como um mestre rígido, às vezes imaturo, às vezes infantil — quando, por exemplo, não cumprimentou Babaji mostrando-se ressentido por ele não ter lhe esperado no Kumb Mela — e muito emotivo ( por exemplo, quando Yogananda foi para o Ocidente ele caiu em prantos). Ou seja, talvez ele fosse, “humano demais” para os padrões de Yogananda. Mas, ficou a grande lição que aponta na mesma direção de Krishnamurti: somos todos seres humanos sujeitos a falhas, erros e imperfeições.

Krishnamurti e Yogananda são muito diferentes, por certo. Seus ensinamentos não têm nada a ver um com o outro exatamente porque um segue a tradição e o outro a nega. Enquanto Yogananda diz que há um caminho científico para Deus, Krishnamurti, por sua vez, o nega radicalmente. Ambos, têm lá suas razões. Particularmente, acredito que o sucesso de Yogananda se deve à presença física dos mestres. Como descrito por ele mesmo, os próprios mestres intervinham de forma direta na evolução espiritual do discípulo. Um fenômeno realmente raro, mas que nem sempre dava certo. O próprio Yogananda descreve que vivia pedindo a seu mestre pela experiência da Consciência Divina ou Samadhi e este, por sua vez, lhe dissera várias vezes que ele não estava preparado. Mas, o certo é que só o Samadhi em si não é o bastante para revelar Deus. A pessoa precisa estar também preparada para entender seu significado profundo e estar madura o bastante para que aquela experiência cause uma transformação positiva em sua vida. Além disso, um Samadhi muito intenso, ou na hora errada, pode trazer grandes problemas na psique do sujeito. Daí o cuidado e a cautela do seu mestre. Samadhi por Samadhi, o chá está aí para quem quiser, mas quantos se iluminaram através de um Samadhi artificialmente provocado? Ou até mesmo por um Samadhi acidental? Ninguém. Muitos ficaram com sérios problemas psicológicos.

Em Krishnamurti não existem mestres, nem métodos, nem organizações. Os mestres da tradição de Yogananda já se foram. E o que começou como um movimento vivo de almas  espiritualmente elevadas, agora tornou-se mais um movimento religioso nos moldes das religiões tradicionais. O dedo sobrepujou-se à Lua.  Atualmente, não há apenas uma organização da tradição iniciada por  Babají, há diversas, sem falar nas brigas jurídicas em torno da verdadeira “Kriya Yoga “, da verdadeira tradição e dos direitos autorais do legado deixado por esses grandes mestres que, diga-se de passagem, não estavam nem aí para isso. A história se repete, os mesmos erros do passado se repetem. E aí fica mais claro entender por que Krishnamurti evitou com todas suas forças criar uma nova organização religiosa. Se por um lado as organizações são importantes para perpetuar a memória e preservar os ensinamentos dos grandes mestres, por outro lado elas se tornam fator de divisão e conflito.

Por fim, cada um siga o caminho que mais lhe apetece e com o qual mais se identifica. Independente do caminho de Yogananda estar certo ou não, não é isso que vai iluminar ou impedir a iluminação daqueles que realmente estão preparados para ela. Ramana Maharshi nunca praticou nada, não seguiu método nenhum e não teve mestres, mesmo assim, naturalmente,  a Verdade despertou dentro dele. Já Nisargadatta Maharaj teve um guru que lhe ensinou um método que ele seguiu e em poucos anos se iluminou. Como disse UG, não há regras, não há meios, ninguém sabe como isso acontece. De repente, “por um golpe de sorte você tropeça nisso”. Mas, sinceramente acredito que tanto Yogananda quanto Krishnamurti têm sua validade. Aquilo que falta em Krishamurti - uma abertura maior ao misticismo mesmo que seja apartado da tradição convencional- pode ser encontrado em Yogananda. E o que falta em Yogananda - essa percepção de que Deus/a Verdade não pode ser subjugada, nem alcançada por nenhum método direto - pode ser encontrada em Krishnamurti. Na dúvida, duvide de ambos e descubra por você mesmo a verdade acerca dessa questão.

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quarta-feira, 13 de outubro de 2021

O DEUS DO ANTIGO TESTAMENTO É O VERDADEIRO DEUS?

 



Muita gente criou uma certa ojeriza ao Deus do Antigo Testamento pelo seu “comportamento” por demais humano uma vez que, amiúde, demonstrava sentimentos de raiva, vingança, violência, etc. Embora seja difícil de aceitar, vou explicar, ao longo deste artigo, por que eu acredito que o Deus dos Judeus é sim o mesmo Deus dos hindus, budistas, taoístas  e de todos os grandes místicos — inclusive os impersonalistas— ou seja, o verdadeiro e único Deus.

 Quando somos crianças, nossos pais nos dão palmadas porque não compreendemos ainda o que é certo ou errado. Quando minha filhinha era mais nova, tive que dar umas palmadas fortes nela por que ela não parava de mexer na tomada da energia. Por mais que eu lhe dissesse para não mexer lá, pois era perigoso, ela continuava mexendo. Obviamente, que ela não conseguia entender o que era “perigo” pois  não tinha ainda estrutura cognitiva para isso. Então, a saída emergencial que encontrei foi dar uma boa palmada na mão dela. Depois disso, ela nunca mais mexeu nas tomadas. Olhava e passava adiante. Em suma, foi uma forma de protegê-la de um grande problema.

Essa analogia  serve para ilustrar o meu pensamento. Os antigos judeus, como está demonstrado na própria Bíblia, eram povos com uma mentalidade ainda muito primitiva. Seu comportamento, em geral teimoso e belicoso, mostra que eles dificilmente conseguiriam ter uma noção de Deus que não fosse aquela que lhes foi apresentada pelos antigos profetas. Em suma, eles precisavam sentir medo do castigo, para poderem “entrar na linha”. Isso é confirmado nas Cartas de Cristo na primeira conversa que ele teve com sua mãe, Maria, logo após a sua iluminação que lhe revelou a Verdade. A reação de sua amada genitora foi típica de um judeu conservador. Como que não há condenação eterna? Como que não é necessário sacrifícios? Como o homem iria obedecer às leis se não fosse através do castigo? Ela simplesmente não conseguia entender a sua mensagem.

Todavia, o que demonstra que o Deus “ Pai” de Jesus é o mesmo de Moisés e Abraão é exatamente por que Jesus é aquele que fora anunciado pelos Antigos Profetas. Ao longo do tempo, o próprio Deus, através das profecias foi preparando o povo judeu para uma mensagem mais avançada em relação à espiritualidade. Enquanto com Moisés o que vigorou foi a Lei do castigo, com Jesus ele trouxe a nova lição: a Lei do Amor. Enquanto no Antigo testamento o Reino de Deus era visto como um acontecimento utópico no futuro, ou como uma realização histórica com o restabelecimento da glória do povo de Israel, Jesus veio falar sobre o Reino que já mora dentro de cada um. Em suma, é a mesma coisa que acontece em uma escola. Nas primeiras séries, você tem as lições mais básicas. Depois, os alunos recebem novas lições à medida que vão crescendo e amadurecendo.

Como sei que o Deus de Jesus e de Moisés é o verdadeiro Deus? Por algumas “chaves secretas” que são universais, a saber:

 Quando Moisés perguntou o nome de Deus, como era de praxe na época, pois todas as coisas e deuses tinham nomes, Ele não lhe deu um nome. Ao contrário, expressou-se como sendo o “sem nome”, aquele que está além de todos os nomes: “E disse Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos filhos de Israel: EU SOU me enviou a vós. (Êxodo 3:14) . Essa sentença é uma espécie de senha universal presente em todas as grandes tradições e que serve para identificar o aspecto Insondável, Incognoscível de Deus. Ele está tanto na fala de Moisés, na de Jesus e também no Apocalípse — como se quisesse comprovar que é a mesma consciência eterna, o EU SOU universal, presente em todas as culturas e grandes religiões. O curioso é que mesmo "impersonalistas" como Jiddu Krishnamurti, frequentemente, falava sobre a percepção  de “ O Que é” identificando esse “ o que é “ como sendo a Verdade, a Realidade ( Deus).

Outros elementos que reforçam minha tese, são algumas sentenças do Antigo Testamento que, por serem tão avançadas não dá para imaginar que não tenham vindo de uma fonte realmente elevadíssima. Até hoje, a sentença de Jesus: amai ao próximo como a ti mesmo, é considerada válida por todos grandes místicos inclusive de outras religiões. Essa sentença já existia no Antigo Testamento só que Jesus a retoma e lhe dá a devida visibilidade e importância. A sentença: “Aquietai-vos e sabei que sou Deus” foi considerada pelo grande sábio hindu, Ramana Maharshi como sendo a essência da sabedoria universal. E, a última, não menos perturbadora e inquietante: quando Deus diz no Antigo Testamento: “Sois deuses, sois todos filhos do Altíssimo”. Ele já dizia aquilo que todos os grandes místicos distantes no tempo e espaço já afirmavam através de suas próprias experiências. Essas sentenças tinham como objetivo elevar a consciência dos povos em questão e, por isso, eram tão elevadas para a época.

Então, quando for ler o Antigo Testamento,  é bom  levar em consideração esses pontos que apontei. Além disso, é óbvio que algumas coisas podem ter sido interpretadas ou “captadas” de forma errônea ou imprecisa por alguns profetas. Suas mentes e pensamentos podem ter  interferido na receptação da mensagem. Apesar disso, é importante ressaltar que a Verdade Universal não muda, mas as pessoas sim. 

Em outras palavras, não é que a Verdade esteja mudando, afinal, ela é eterna. Todavia, ela é ampla e muito vasta. E assim como dois mais dois continua sendo quatro desde a alfabetização até o doutorado, a Verdade não está evoluindo, o que evolui é a consciência humana e quanto mais evoluída, maior sua capacidade para entender e aceitar verdades profundas, abstratas, complexas e, muitas vezes, difíceis de serem apreendidas. Vide por exemplo, Krishnamurti que, apesar de usar uma linguagem moderna para transmitir essa mesma Verdade essencial, até hoje sua mensagem não foi devidamente compreendida. Se na antiguidade as pessoas não conseguiram entender uma sentença relativamente simples como a que diz que o Reino de Deus está dentro de nós,  imagina se lhes fosse apresentada a questão sobre o “o observador e a coisa observada”.

Alsibar Paz

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segunda-feira, 11 de outubro de 2021

SAMADHI: O GOZO CELESTIAL


Também chamado de  "êxtase espiritual" , o Samadhi é o 'sonho de consumo" de nove entre dez buscadores espirituais. É um fenômeno psicofísico que emerge com a subida da Kundalini, despertando os chakras e causando diversas sensações e impressões, tais como: êxtase, paz, lucidez, intuições, insights, explosões de  energia  alegria sem causa, alteração do sentido do tempo e fenômenos extrafísicos  como : telepatia, clarividência, sonhos lúcidos, etc.

Ao contrário dos 'samadhis' artificiais causados por drogas ,chás e técnicas de meditação, o samadhi que ocorre naturalmente causa uma transformação profunda na consciência. O samadhi confunde-se com a própria iluminação em si porque é ele que inicia o processo de transformação profunda do 'eu'. 

Assim sendo, nem todo samadhi é Iluminação, mas toda iluminação é introduzida por um Samadhi. A diferença entre os dois é que a iluminação é um fenômeno mais amplo que inclui desde o êxtase, passando pela compreensão do 'eu'  até a transformação permanente da psique.

A grande questão que todo mundo quer saber é: como alcançar o Samadhi? 

Primeiramente : o verdadeiro samadhi é um acontecimento de ordem sagrada, transcendente ao pensamento. Os samadhis provocados por técnicas de meditação, jejuns, chás, drogas, mantras e autossugestâo são apenas vagas imitações do verdadeiro êxtase. Sendo assim, não há como provocá-lo de forma direta. A única coisa que o sujeito pode fazer é preparar a mente, criando as condições ideais para a manifestação do fenômeno. Isso inclui desde o autoconhecimento que desenvolve a sabedoria até o cultivo natural das virtudes e valores universais tais como: amor, humildade, respeito, gratidão, fé, entrega, generosidade, tolerância, serenidade, temperança, paciência, etc.

Além disso, o Samadhi, semelhante ao orgasmo físico, diminui e passa depois do clímax, já a iluminação não. Pode ser que depois de um episódio de Samadhi o indivíduo passe anos sem ter um segundo. Há pessoas que morrem sem nunca terem vivenciado nenhum   samadhi ao longo da vida.  Outras, chegam a ter alguns episódios apesar do grande intervalo de anos  entre um e outro. A maioria dos espiritualistas vivenciam esse fenômeno por alguns instantes, horas ou dias. Todavia, quem o experimenta nunca mais o esquece. O livro ' O diário de Krishnamurti"  descreve os fenômenos e impressões diárias provocados pelo Samadhi que   Krishnamurti vivenciou ao longo de quase um ano.

Não existe apenas um tipo de samadhi. Há vários tipos e níveis . O que caracteriza um verdadeiro samadhi não é o que ocorre durante o fenômeno, mas sim o que fica quando ele termina pois é impossível continuar sendo a mesma pessoa, ou vivendo a mesma vida,  depois de experimentar um verdadeiro e profundo Samadhi.

Alsibar Paz

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domingo, 10 de outubro de 2021

O CONFLITO DE PAULO

 



 "Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse eu faço' (Romanos 7:15)

 

O conflito está em  querer fazer uma coisa, mas fazer outra. Ou seja, quero praticar o bem, mas não consigo. Não quero cometer  o mal, mas acabo cometendo. Ou seja, há uma luta entre o desejo e o fato. Pois o que desejo não se realiza.

Em linguagem ' Krishnamurtiana': Qual é o fato? O fato é que  está havendo uma contradição entre o que quero fazer e o que realmente faço. O observador, observa suas ações e percebe que elas não estão conforme suas intenções. Essa contradição é o conflito. E o conflito cria o sofrimento.

Como se libertar dessa contradição (conflito)?

Vamos pegar um exemplo: sou invejoso, mas não quero sê-lo. Mas quanto mais luto contra a inveja mais forte ela fica. Há então um 'observador' que vê a inveja e quer se livrar dela. Mas a inveja é parte de mim, não sou separado dela. Ou seja eu ( o observador) sou a inveja (observado)

Qual o caminho para se libertar dessa luta inútil e desgastante?

Ao ver a inveja eu não tento controlá-la. Eu nem a chamo de inveja ; apenas a observo em ação com a mente livre da memória, da condenação e do julgamento. Quando observo diretamente  aquilo que chamo de inveja e a vejo em ação, sem condenação, sem nem mesmo nomeá-la o que acontece?

Passo a ver a 'coisa' como ela realmente é. E então, pela compreensão do fato, que é aquela energia pura em ação, o fato sofre uma transformação. Ou seja, a inveja deixa de ser fortalecida pela palavra, pela condenação, pela divisão, pela memória e pela própria luta. E por não ser alimentada ela enfraquece e morre com o tempo. Em suma, o próprio conflito estava fortalecendo e perpetuando a inveja.

 

Sendo assim, eu apenas olho o fato que está acontecendo (o sentimento da inveja em ação). Dessa forma não há mais uma entidade separada da inveja, condenando a inveja. Destarte, não só dou fim ao conflito como também me liberto daquilo que sempre condenei porque não compreendia, não via claramente a sua natureza.

Isso é o processo de Autoconhecimento. O que vale pra inveja, vale pra ambição,  para a tristeza, raiva, agressividade,, egoísmo, ciúmes, solidão, compulsões diversas,  etc. O processo de compreensão e libertação é o mesmo.

Alsibar Paz!

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sábado, 9 de outubro de 2021

KRISHNAMURTI: O FINDAR DO CONFLITO!

 


Durante muito tempo, o ser humano entendeu a palavra conflito como sendo a luta entre o bem e o mal, entre a carne o espírito, guerras e disputas entre países e pessoas. Com Krishnamurti, esse termo ganhou uma acepção mais ampla passando a significar não apenas a luta em si, mas a própria ausência de paz interior. Sendo assim, conflito tornou-se sinônimo de ansiedade, agitação, inquietação, sofrimento psíquico.

Ao longo de sua vida, JK explicou, muitas vezes, como este estado de libertação pode nascer na consciência. Note, que não falei do “como alcançar” esse estado porque, na verdade, ele não pode ser alcançado como quem alcança o topo de uma montanha. Ele surge por si mesmo. De forma direta, não há nada a ser feito. Mas, de forma indireta, muita coisa pode ser feita. A primeira coisa é compreender o conflito, o que ele é, como surge e se é possível o seu findar. Embora seja uma compreensão puramente intelectual, ela funciona como um “start” para vivência direta desse processo.

O problema é que mesmo a simples compreensão intelectual que , por definição, é superficial, para muitas pessoas é dificílima. Mas, sem penetrar nesse primeiro nível da compreensão, fica quase impossível a sua concretização. Por isso, tentarei, dentro das minhas possibilidades e com as minhas palavras, explicar a mecânica do conflito. Quem sabe, assim, possa contribuir para a compreensão de um assunto tão importante.

O conflito surge da divisão “ observador e coisa observada”. Destarte, enquanto não houver a compreensão prática do que isso realmente significa, será impossível ir adiante. Toda vez que observo algo em mim e tento modificá-lo, aí estará o observador lutando contra a coisa observada; aí estará a divisão e o conflito. Além do observador normal, comum a todo mundo — que é aquele impulso para mudar as coisas que não gosto em mim — os gurus criaram mais um “observador” que chamo de “observador sutil”. É aquele esforço que se faz para estar sempre observando tudo de forma atenta e “presente”. É o tal “estado de presença”.

Toda vez que você se esforça ou tenta ficar consciente do agora, surge o “observador” . E o conflito surge por que a pessoa, ao se distrair, saindo do tal “estado de presença”, sente-se culpada e frustrada por sua “desatenção”. Isso mostra que os gurus, em sua grande maioria, substituíram um conflito por outro. Por isso que JK não defendia a prática da observação. Observação praticada é conflito porque é uma ação da mente em busca de um estado especial de consciência. De fato, o observador se fortalece toda a vez que alguém pratica o tal “estado de presença” ou “observação ao presente”. Em suma, as pessoas estão perpetuando o conflito, na ilusão de que estão se libertando dele.

Quando não há observador separado da coisa observada não há “estado de presença” consciente. Apesar de poder surgir, vez ou outra, de forma natural. Todavia, o próprio observador não tem consciência da observação. Ele não está consciente de estar consciente. Quando ele olha para algo, como estou olhando agora para a tela desse computador, é uma ação natural, “inconsciente”. Se houver uma entidade consciente — fora de seu estado natural de relaxamento e quietude— então não é o verdadeiro estado original. Se o sujeito ainda precisa, de instante a instante, trazer a atenção para o “agora”, isso continua sendo conflito, pois é o “observador” que percebe sua própria distração e diz para si mesmo: preciso ficar atento. A constante oscilação entre “distração” e “ atenção” comprova claramente que a luta e o esforço continuam.

Mas quando não há observador, nem coisa observada não há luta por que a entidade que criaria o conflito está ausente. Há apenas o “corpo” , com sua inteligência natural, em consonância com os eventos da vida em ação. Não há ninguém consciente do corpo, nem dos sentimento, emoções, reações, nada. Tudo acontece nesse estado de consciência de forma espontânea e impessoal. E, exatamente por isso, não existe mais conflito porque para havê-lo teria que haver a separação da entidade que percebe o fato e se esforça para controlar ou alterar aquilo que é percebido.

Em suma, quando Krishnamurti aponta para o estado de ausência do conflito, pode parecer, à primeira vista, algo simples e banal mas não é. É um estado difícil de ser compreendido e mais difícil ainda de ser “realizado”. Sendo assim, da próxima vez que você ouvir JK falar sobre o findar do conflito, preste muita atenção pois é algo realmente precioso e raro. Enquanto houver conflito não haverá paz, nem plenitude, tampouco haverá amor. Mas, quem teve a sorte ou “graça” de vivenciar esse estado sabe que ele é o ponto de partida para a grande viagem rumo ao Desconhecido!

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