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domingo, 24 de outubro de 2021

SOBRE KRISHNAMURTI E YOGANANDA

 



Recentemente, houve no grupo de mentoria que oriento, uma discussão acerca da validade de ensinamentos espirituais diferentes daquele apontado por Krishnamurti e no caso específico, o caminho de Yogananda. É inevitável que haja um choque entre essas duas visões tendo em vista que ambos apontam caminhos diversos para o mesmo objetivo. Mas quem está correto? Por que essas duas correntes, aparentemente verdadeiras, são tão diferentes entre si?

Paramahansa Yogananda e seus mestres estão inseridos no contexto da tradição religiosa hindu. Mesmo que sua mensagem seja universal, não tem como se desprender da influência da tradição, sociedade e cultura em que viviam. Isso aconteceu com todos os grandes mestres. Buda dialogou com o Brahmanismo, a corrente hindu predominante na sua época. Seus ensinamentos e visão estão recheados de termos e expressões dessa tradição, seja afirmando, refutando ou simplesmente referenciando. Jesus, apesar de ter vivido a experiência do  Despertar  como um fenômeno Universal, Eterno e Humano, não teve como se livrar do peso da cultura e da sociedade em que estava inserido. Os elementos de seu discurso e ensinamentos, tais como: termos, linguagem, exemplos e expressões foram inevitavelmente tirados do seu próprio background, do contexto em que ele vivia e fora criado. O discurso é um fenômeno social, influenciado e condicionado pelo meio em que se vive. No caso de Krishnamurti, por mais que tenha se livrado do peso da sua educação e cultura em que crescera, e por mais universalista que se tentasse ser, era inevitável falar sobre mestres, tradições, religiões, condicionamentos, organizações, meditação, iluminação, etc. —até mesmo como forma de refletir sobre suas influências e limitações em nossas vidas. A questão, portanto, não é se livrar totalmente dessas influências, mas saber até que ponto ela atrapalha e altera  nossa percepção da Verdade, daquilo que é verdadeiro.

Yogananda não lutou contra o seu meio, condicionamento e tradições — pelo contrário, ao reafirmar e confirmar seus valores e crenças, tornou-se ele mesmo uma peça fundamental para sua legitimização e validação. É preciso ter o discernimento para saber onde termina o campo puramente social, cultural e religioso e começa a experiência pura da verdade universal. Os elementos puramente culturais são, por definição, superficiais e convencionais. Servem para comunicar, dentro de suas limitações, a experiência que está além de toda linguagem. Por isso que JK sempre enfatizava que a experiência não é palavra, a coisa não é o objeto, a palavra não é a coisa. A “coisa” está muito além de toda expressão, mas a linguagem é fundamental para poder transmiti-la aos outros. Consciente dessa questão e vendo que, muitas vezes, as pessoas se apegam ao meio e esquecem o fim, adoram o dedo mas esquecem a Lua, JK enfatizou essa problemática de uma maneira radical, como nem mesmo o Zen o fez. Assim fazendo evitou, dentro dos limites do possível, usar palavras e expressões com significados estabelecidos pelas tradições religiosas. Muitas vezes, perdia quase uma hora tentando explicar os novos sentidos que estava dando a cada palavra e expressão. Assim, termos como : observação, atenção, inteligência, meditação, verdade, ordem,  tempo, Deus, ação,  religião, etc. foram todos ressignificados. Yogananda e seus mestres não foram por essa direção. Ao contrário, tentaram trazer para a humanidade um novo impulso, um novo ânimo e esperança dentro da própria tradição. Conseguiram? Talvez sim, talvez não.

O caminho de Yogananda e seus mestres se apresenta como uma nova perspectiva dentro do caminho milenar da Yoga Tradicional. Sua Kriya Yoga nada mais é do que a releitura do caminho dos grandes mestres do passado, os Rishis ou grandes sábios da Índia antiga. Ao apresentar ao mundo a existência de grandes almas iluminadas (Yogues) vivendo nesse mundo, alguns deles, como seu próprio mestre, a poucas quadras de sua casa, ele ajudou a tirar o iluminado do pedestal de distanciamento e sacralidade presente no imaginário popular. O próprio Yogananda, talvez influenciado por essa perspectiva idealizada, duvidou da iluminação de seu próprio mestre e o abandonou, indo em busca de um Yogue distante, recluso e renunciante. Ora, por que será que Yogananda abandonou seu mestre? Claro que ele não fala. Todavia, é óbvio que de alguma forma ele não estava satisfazendo suas expectativas e aspirações. O fato é que Sri. Yuktéswar era um homem inserido na sociedade e  foi caracterizado no livro como um mestre rígido, às vezes imaturo, às vezes infantil — quando, por exemplo, não cumprimentou Babaji mostrando-se ressentido por ele não ter lhe esperado no Kumb Mela — e muito emotivo ( por exemplo, quando Yogananda foi para o Ocidente ele caiu em prantos). Ou seja, talvez ele fosse, “humano demais” para os padrões de Yogananda. Mas, ficou a grande lição que aponta na mesma direção de Krishnamurti: somos todos seres humanos sujeitos a falhas, erros e imperfeições.

Krishnamurti e Yogananda são muito diferentes, por certo. Seus ensinamentos não têm nada a ver um com o outro exatamente porque um segue a tradição e o outro a nega. Enquanto Yogananda diz que há um caminho científico para Deus, Krishnamurti, por sua vez, o nega radicalmente. Ambos, têm lá suas razões. Particularmente, acredito que o sucesso de Yogananda se deve à presença física dos mestres. Como descrito por ele mesmo, os próprios mestres intervinham de forma direta na evolução espiritual do discípulo. Um fenômeno realmente raro, mas que nem sempre dava certo. O próprio Yogananda descreve que vivia pedindo a seu mestre pela experiência da Consciência Divina ou Samadhi e este, por sua vez, lhe dissera várias vezes que ele não estava preparado. Mas, o certo é que só o Samadhi em si não é o bastante para revelar Deus. A pessoa precisa estar também preparada para entender seu significado profundo e estar madura o bastante para que aquela experiência cause uma transformação positiva em sua vida. Além disso, um Samadhi muito intenso, ou na hora errada, pode trazer grandes problemas na psique do sujeito. Daí o cuidado e a cautela do seu mestre. Samadhi por Samadhi, o chá está aí para quem quiser, mas quantos se iluminaram através de um Samadhi artificialmente provocado? Ou até mesmo por um Samadhi acidental? Ninguém. Muitos ficaram com sérios problemas psicológicos.

Em Krishnamurti não existem mestres, nem métodos, nem organizações. Os mestres da tradição de Yogananda já se foram. E o que começou como um movimento vivo de almas  espiritualmente elevadas, agora tornou-se mais um movimento religioso nos moldes das religiões tradicionais. O dedo sobrepujou-se à Lua.  Atualmente, não há apenas uma organização da tradição iniciada por  Babají, há diversas, sem falar nas brigas jurídicas em torno da verdadeira “Kriya Yoga “, da verdadeira tradição e dos direitos autorais do legado deixado por esses grandes mestres que, diga-se de passagem, não estavam nem aí para isso. A história se repete, os mesmos erros do passado se repetem. E aí fica mais claro entender por que Krishnamurti evitou com todas suas forças criar uma nova organização religiosa. Se por um lado as organizações são importantes para perpetuar a memória e preservar os ensinamentos dos grandes mestres, por outro lado elas se tornam fator de divisão e conflito.

Por fim, cada um siga o caminho que mais lhe apetece e com o qual mais se identifica. Independente do caminho de Yogananda estar certo ou não, não é isso que vai iluminar ou impedir a iluminação daqueles que realmente estão preparados para ela. Ramana Maharshi nunca praticou nada, não seguiu método nenhum e não teve mestres, mesmo assim, naturalmente,  a Verdade despertou dentro dele. Já Nisargadatta Maharaj teve um guru que lhe ensinou um método que ele seguiu e em poucos anos se iluminou. Como disse UG, não há regras, não há meios, ninguém sabe como isso acontece. De repente, “por um golpe de sorte você tropeça nisso”. Mas, sinceramente acredito que tanto Yogananda quanto Krishnamurti têm sua validade. Aquilo que falta em Krishamurti - uma abertura maior ao misticismo mesmo que seja apartado da tradição convencional- pode ser encontrado em Yogananda. E o que falta em Yogananda - essa percepção de que Deus/a Verdade não pode ser subjugada, nem alcançada por nenhum método direto - pode ser encontrada em Krishnamurti. Na dúvida, duvide de ambos e descubra por você mesmo a verdade acerca dessa questão.

By Alsibar Paz

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