Este artigo é o resultado dos meus últimos estudos e investigações sobre Krishnamurti e o fenômeno da
iluminação em si. Nele, reflito sobre as questões envolvendo a vida e o trabalho de JK, sobre a
incompreensão dos seus ensinamentos e o suposto fracasso de sua
missão. É um artigo um pouco longo por causa da importância fundamental
dos assuntos aqui tratados. No final, há os links de referência que serviram de
base e fundamentação para muitas das minhas impressões relatadas ao longo do presente artigo. Leia-o e tire
suas próprias conclusões.
Quem lê Krishnamurti, precisa lembrar que ele não enfrentou um processo gradual de iluminação; não precisou buscar nada, nenhuma meta, nenhum objetivo. Sua mente, segundo seu próprio relato
e os daqueles que o conheceram - incluindo professores, amigos e os tais
videntes- era iluminada desde criança. Por isso, sua dificuldade em entender
as limitações da mente humana comum, presa ao tempo e aos
condicionamentos . Toda sua vida foi dedicada ao trabalho de
libertar o homem de suas próprias ilusões e, ao mesmo tempo, tentar compreender por que ele não conseguia
alcançar a tão sonhada libertação. Muitas vezes,
quando perguntado sobre esta questão, JK a devolvia ao interlocutor: é você mesmo que tem que
respondê-la, não eu. E não era retórica. JK queria realmente entender o porquê da dificuldade humana para a iluminação interior.
Por ser considerado um iluminado - e por acharem que isso significaria ter todas as soluções aos problemas do universo - as pessoas o questionavam e até exigiam dele uma resposta sobre suas próprias deficiências. Muitas vezes, fora pressionado a responder questões que ele não sabia as respostas. Para
respondê-las, ele teria que ter passado "da sombra à Luz" e, assim, conhecer
as dificuldades peculiares dessa transição. Mas, como ele próprio não a vivenciara, era-lhe impossível dar respostas satisfatórias.
Ao longo dos anos, foi ficando cada vez mais claro que sua missão não seria tão fácil
quanto, talvez, imaginara quando em 1929 dissolvera a Ordem da Estrela do
Oriente. Libertar o homem se mostraria uma tarefa difícil, inglória e “quase”
impossível. Não se sabe ao certo quantos se libertaram enquanto JK ainda estava
vivo, oficialmente não há ninguém - nem mesmo aqueles que lhe eram próximos e que com ele conviveram ao longo de tantos anos. Ele mesmo reconheceu apenas um caso de “mutação real da
psiquê” : a Vimala Thakar. Mas essa informação é extraoficial. Foi a própria autora que a deu em seu livro " Eternal Voyage". Como seu relato não foi negado pelas Fundações, nem pelo próprio Krishnamurti - tudo indica que são informações fidedignas.
Susunaga Weeraperuma |
Isso também
explicaria o porquê da Vimala Thakar – a Iluminada de
Krishnamurti- ter sido totalmente ignorada pelas suas biógrafas oficiais, apesar de sua inegável importância, uma vez que seu caso foi muito famoso na época. Além disso, a Vimala pode ter sido a única pessoa iluminada sob a influência direta de JK. E por que ninguém fala sobre isso? Por que preferiram ignorá-la? Por que optaram em apresentar JK como um fracassado ? Qual problema em reconhecer a iluminação da Vimala? Será por que ela era Hindu e se apenas ela tivesse sido iluminada por JK, isso a tornaria uma espécie de sucessora espiritual do
mesmo?
Vimala Thakar |
O escritor espanhol Carlos Silva, e outras escritoras
como Pupul Jayakar, já chamavam a atenção sobre o problema do “Círculo Interno”
que super protegia Krishnamurti. Seus
participantes, formado por poderosos sócios e patrocinadores das Fundações,
tentavam controlar JK como se ele fosse sua propriedade . E de uma
certa forma era, pois eles detinham os direitos autorais de sua obra, marca e imagem.
Isso criava uma situação muito difícil para a mente iluminada do sábio indiano pois as Fundações foram criadas exatamente para cuidar dos assuntos administrativos - algo que, no começo, JK queria manter distância. JK fora, muitas vezes, chamado para decidir à revelia, sobre questões envolvendo decisões, impasses e discordâncias entre os membros das Fundações.
Vale lembrar que as pessoas que compunham as Fundações eram muitos queridas
e próximas a ele . Amigos pessoais como Mary Lutyens, David Bohm,
Mary Zimbalist e empresários que ajudavam a manter seu trabalho através de financiamentos . Então, ficava muito difícil para Krishnaji separar a
vida pessoal das questões burocráticas.
Em suma , aos milhares de leitores, fãs e o público em geral, ficou a amarga sensação de um suposto fracasso.
Sua última gravação, pouco antes
de morrer, deve ter chocado muita gente. O que se percebe é que mesmo nos
últimos instantes de sua vida, JK continuava sendo o mesmo de sempre: um ser amoroso, sensível, lúcido, coerente e "preocupado" com o andamento das coisas . Suas últimas palavras foram também sua última polêmica. Após sua morte, foi publicado um artigo do Osho comentando sobre as últimas palavras de Krishnamurti em que o guru afirmava que JK dissera, nesta ocasião, que sua vida teria sido um grande desperdício porque ninguém o teria levado a sério. Mas, há provavelmente um mal entendido aí. Segundo Mary Lutyens, o que ele realmente disse foi que NINGUÉM havia entendido nada do seu mistério e que ninguém havia entrado em contato com aquela Suprema Inteligência que havia usado seu corpo durante toda sua vida.
Ele estava certo. A manifestação daquela Suprema Inteligência da forma como aconteceu com K foi única na história da humanidade. Talvez em séculos ou milênios
não aparecerá outro titã espiritual de tamanha envergadura. Era um fenômeno raríssimo - tal como Jesus ou Buda . Mas isso não significa dizer que ninguém se iluminou ou que seu
trabalho tenha sido um fracasso. A mutação aconteceu a muitas pessoas e
continua acontecendo. Não com a mesma força e singularidade de JK, mas dentro
da capacidade e limites de cada um.
Ninguém nunca será um Krishnamurti, assim como nunca ninguém será um Jesus ou
Buda. Mesmo seres de grande luz como São Francisco,
Saulo de Tarso, Santo Agostinho, Padre Pio, Dogen, Nagarjuna, Bodhidharma etc. não se tornaram iguais aos seus mestres, apesar de terem mergulhado na mesma fonte. Não se tornaram cópias, pelo contrário, foram seres humanos únicos cumprindo a missão que lhes foi destinada.
UG Krishnamurti |
Voltando às ultimas palavras de Krishnamurti: para deixar
uma porta aberta, JK terminou dizendo: mas aqueles que viverem
os ensinamentos poderão entrar em contato com essa Suprema Consciência e Inteligência. Então nem tudo estava perdido. Ele apenas não quis apontar nomes, para que ninguém se intitulasse seu sucessor espiritual, evitando, assim disputas e brigas internas. Ao responder a esta última questão, ele teria que ser cauteloso como o fizera ao longo de toda sua vida.
Restou a investigadores independentes, como o autor desse artigo, buscar as respostas a essa questão primordial : ora,
se Krishnamurti não conseguira iluminar ninguém, ou ele era um instrutor incompetente ou seus ensinamentos não eram verdadeiros. Como
sou professor por profissão, sei que se numa sala de aula ninguém
aprendeu o que foi ensinado, o problema certamente está no professor ou em sua didática. Mas, no caso de JK, o problema talvez seja mais complexo. É provável que a humanidade não estivesse pronta para receber ensinamentos tão elevados. Mas, talvez, as próximas gerações estarão. Krishnamurti
deixou um vastíssimo material que certamente vai contribuir para a evolução espiritual das gerações futuras. Desta forma, a mutação em massa, que muitos sonhavam e esperavam para a Nova Era não passaria, então, de uma grande
utopia.
Nunca houve uma transformação coletiva da humanidade. Os místicos, santos, sábios e iluminados foram muito poucos em comparação a quantidade de pessoas que passaram pela Terra desde o surgimento da civilização. Um número tão irrisório que chega a ser insignificante. O fato
é que todas as transformações SEMPRE foram individuais. Os maiores iluminados da humanidade nunca transformaram profundamente as massas. No máximo, elas se tornaram seus devotos
e seguidores . Na melhor das hipóteses, os mestres se transformaram em mitos, referências ou refúgios
espirituais- mas nunca foram fator de transformação
coletiva - e o mesmo vale para Krishnamurti.
As sementes foram lançadas por todos os mestres que apareceram nesse período de final de milênio sinalizando o começo de uma Nova Era para a humanidade. O diferencial de JK é que sua vida e mensagem foram extensamente registrados ao
longo de vários anos por vários meios e recursos modernos. Nunca antes na história, um grande mestre teve sua vida gravada com tanta riqueza de detalhes, sob tantos ângulos e olhares.
Por isso que, até mesmo suas supostas “contradições”, devido às mudanças em sua linguagem e abordagem, foram amplamente percebidas e discutidas por diversas pessoas.
Ao longo de sua vida, Krishnamurti refez sua própria linguagem para transmitir seus ensinamentos da melhor forma possível. Muitas vezes, teve que mudar termos e expressões na tentativa de transmitir suas ideias com a máxima exatidão possível. Aquilo que não funcionou ao longo dos anos, ele deixou de dizer. Ao final dos anos 70, começo dos anos 80, vemos um Krishnamurti mais sereno, com a linguagem mais enxuta, precisa e contida. Questionado acerca dessas mudanças, Krishnamurti confirmou que sim, sua linguagem havia sofrido alterações, mas não a essência dos seus ensinamentos.
Os últimos anos de sua vida, Krishnamurti passou tentando entender o porquê de suas palavras não terem tido o efeito que ele esperava. Algumas vezes, seu desânimo era explícito beirando a angústia e o amargor. “ Eu me pergunto se vocês estão
conseguindo me entender”- repetia constantemente. Realmente ninguém estava
entendendo nada. Durante uma reunião pública, alguns ouvintes chegaram ao ponto de pedir que ele parasse de falar, pois se suas palavras não estavam sendo compreendidas,
suas palestras eram, portanto, inúteis. Ao ver o vídeo, eu realmente pensei que ele ia se levantar e abandonar o palco. “ É isso mesmo que vocês querem? Que eu vá embora e os
deixe aqui sozinhos?”- perguntou novamente ao público. Alguns responderam que sim. Mas ele olhou-os novamente e
viu que alguns não se pronunciaram e pareciam até discordar daquela proposta inusitada e, por que não dizer, ingrata ?
J. Krishnamurti |
“ Talvez alguns dentre vocês entenderão isso : como a
semente lançada, talvez algumas possam cair sobre as pedras, outras num campo fértil, outras simplesmente morrerão.”
De fato, não há nada para reclamar de Krishnamurti. Nem
ele, nem ninguém poderia abrir os corações
e as mentes das pessoas à força . Cada um deve preparar seu próprio solo para receber a semente da “cura” ou mutação interior. O
iluminado não pode iluminar ninguém- mesmo que quisesse. Nem fazer por outrem o trabalho que é da responsabilidade individual de cada um .
Cada pessoa deve fazer
sua parte e não culpar os outros pelas próprias dificuldades e deficiências. Através dos grandes mestres do passado, a Verdade tornou-se acessível a todos. O que nos chegou até aqui foram apenas fragmentos. Com Krishnamurti, a mensagem do Dharma - a Verdade Universal- retorna com uma nova roupagem, numa linguagem moderna e acessível a todos. Não é necessário ser perfeito, nem deixar sua
casa, família e trabalho para encontrar a iluminação. É preciso sim
assumir a parcela de responsabilidade e, diante das dificuldades, procurar as soluções. Se os ensinamentos de JK parecem muito complicados, talvez seja melhor abrir-se a outras fontes de sabedoria e conhecimento. Os dois
iluminados ligados à história de Krishnamurti - UG e Vimala- beberam de outras fontes- eles não ficaram presos ao K.
Não posso terminar esse artigo sem dar minha
contribuição a todos aqueles que realmente querem encontrar a iluminação. Na minha jornada espiritual, sempre tive a fé, a devoção e a oração como importantes aliados em momentos de grande crise. Sempre recorri a " Deus", ao Poder Supremo- seja lá que nome você chama- para me mostrar a "Luz". E, misteriosamente, essa "Luz" sempre me levava aos livros de Krishnamurti.
Bastava abrir um livro qualquer e lá estava a resposta, a Luz que me poria novamente na caminhada. Sei que
muitos leitores de K o consideram ateu ou algo parecido -
mas ele não era. Ele apenas não precisava acreditar em Deus porque ele o vivia como uma Realidade pessoal. Ele queria que as pessoas saíssem do nível das crenças e passassem para o nível da vivência direta.
É como se, através de Krishnamurti, aquela " Suprema Inteligência" tentasse uma nova estratégia para ajudar a humanidade em sua escalada evolutiva já que a
religião, as tradições e sistemas haviam falhado. Nascia, então, a figura do iluminado moderno, capaz de alcançar altos níveis de consciência em contato com aquela "Suprema Inteligência” enquanto atende as demandas e desafios da vida “material”. Através de JK, fica claro que
ninguém precisa se isolar numa floresta, caverna ou mosteiro para ter contato
pessoal com o Sagrado. JK não abandonou a vida social, nem o mundo, mas apenas suas ilusões, superstições, mentiras e falsidades.
Krishnamurti, velho e na juventude |
JK nunca teve um emprego formal. Seu trabalho consistia em transmitir os ensinamentos para a humanidade. Não se eximiu
de nada. Viveu, estudou, viajou, se relacionou, aproveitou a vida em todas as suas dimensões-
inclusive a amorosa. Mostrou ao mundo que é possível vivenciar a Verdade, mesmo em meio aos afazeres do dia a dia e que não é necessário
desprezar o corpo, nem tampouco o
conforto da vida moderna- como um bom carro ou uma casa, por exemplo- para ser espiritualizado. Procurou viver uma
vida saudável e equilibrada, aproveitou
os prazeres que a vida lhe proporcionou sem culpa , medo ou falsos
moralismos. Através do seu exemplo, a Existência parece mandar uma mensagem ao mundo: a de que ninguém precisa ser moralmente perfeito, nem socialmente impecável para encontrar a Realidade. Só precisam ser honestos, corajosos, sinceros e terem a Verdade como referencial e objetivo.
Se a missão de Krishnamurti foi a de ser um mensageiro e não um professor- então ele a cumpriu com êxito. Assim como Jesus, do alto de seu sofrimento, parecia ter fracassado, no caso de
Krishnamurti o fracasso também é só aparente. Há muito tempo pela frente para que seu valor possa ser reconhecido. Ele jogou as
sementes e agora cabe a cada ser humano cuidar
do solo para que cresçam e floresçam. Seu trabalho está terminado - mais de setenta anos- agora chegou a nossa vez. Não hesite em buscar a ajuda divina. Apenas saiba que ninguém tem o poder de despertar outrem. A iluminação começa dentro de cada ser humano. A luz está em todos os lugares mas só você pode abrir a porta para ela e convidá-la a entrar. Sempre foi assim e sempre será .
Repostagem autorizada desde que indicada a fonte, autor e
endereço eletrônico do mesmo.
Créditos:
Link do vídeo citado acima:
Links sobre
Vimala Thakar:
Site e
referências a Susunaga Weeraperuma:
Referências a
UG Krishnamurti:
Link sobre o
escritor espanhol Carlos Silva que faz
uma análise de suas últimas palavras de Krishnamurti e das fundações:
Link do Osho
sobre a morte as supostas últimas palavra de Krsihnamurti ( erroneamente citadas
por ele)