Uma reflexão sobre o texto do vídeo “CONSCIOUSNESS WITHOUT LIMITS” ( CONSCIÊNCIA
SEM LIMITES)
Acabei de assistir ao vídeo, “ Consciousness Without Limits” (Consciência Sem Limites) pela quarta vez. O vídeo é sem dúvidas muito bom e muito bem narrado, todavia, passa a impressão de ser o último palito de fósforo na escuridão da caverna da ilusão. Lamento decepcioná-lo mas não é. Apesar da boa intenção, das lindas figuras de linguagem, das belas imagens, do ótimo som e da narração primorosa, em termos de conteúdo não apresenta muita novidade. É o mesmo clichê das tradições e dos gurus, um pouco mais floreado, sem dúvidas. E, talvez, resida aí o seu grande perigo.
O vídeo começa criando um ambiente de expectativa ao afirmar que ele lhe proporcionará uma experiência única. Sim, como eu disse, é um vídeo muito bem produzido e, obviamente, que em casos assim, a experiência é bem diferente mesmo. Mas, insisto, aí reside mais um motivo de prudência e cuidado: apesar do vídeo proporcionar uma experiência bastante singular aos sentidos, ele pode criar a ilusão de que aquilo que é sentido ao longo da audição é uma pequena amostra do despertar. Não é. Explico: através dos diversos estímulos sensoriais, o vídeo cria uma experiência muito parecida com aquelas produzidas festas "raves" e tecno. É exatamente a mesma coisa: estimulação dos sentidos e nada mais. Todavia, no caso em questão, com uma roupagem mais “nobre” para dar um quê de espiritual.
Mas o conteúdo se supera em imprecisões e confusões ao misturar verdades profundas com afirmações duvidosas. Vamos analisar algumas:
1. Reconhecimento da Realidade
Esse é um dos maiores erros dos gurus e de seus seguidores. Por definição, a Realidade é sempre o Desconhecido, portanto, não pode ser re-conhecida. Como pode se ela é viva, sempre nova e se está sempre se renovando? Aquilo que é re-conhecido foi conhecido anteriormente e, se foi conhecido, NÃO é o verdadeiro Desconhecido. Sendo assim NÃO é a Verdade Atemporal.
2. A limitação da linguagem
O vídeo acerta quando fala da limitação da linguagem. Mas erra quando, contrariando sua própria premissa, adentra em um campo onde a linguagem não pode penetrar sob o risco de imprecisões e adulterações. Daí por que você só pode atuar dentro dos limites do conhecido e nunca tentar penetrar no Desconhecido. A linguagem pode apenas apontá-lo vagamente.
3. O limite entre o “eu” e o “não-eu”
O vídeo fala de uma forma como se houvesse realmente um limite, visto que esse seria o “primeiro limite que traçamos”. Logo depois ele afirma que não existe limite nenhum. Na verdade tanto o “eu”, quanto o “não-eu” e os “limites” são todos conceituais, tudo está no campo do eu, do conhecido. Ou seja, o próprio “não-eu” — enquanto conceito, ideia, percepção — é a continuidade do eu.
4. Quem tira o “limite primário”?
Outro equívoco importante; o vídeo diz: “ se tirarmos esse limite primário, todo o edifício se desmorona”. A pergunta é : quem tira? O próprio eu de quem estou tentando me libertar? Quem faz esse serviço? Se não existe eu, quem vai tirar o “limite primordial” do eu?
5. “Se conseguirmos ver através do limite primário a unidade não estará
longe”
Novamente, faço a pergunta: quem vê, para quê e por quê? Sutilmente, o vídeo cria um objetivo, um tempo, um “vir-a-ser”, uma condição: “se conseguirmos...” Automaticamente o sujeito pensa: se eu conseguir, estarei livre. Está inserido o fator tempo, o futuro psicológico que é, ele mesmo, a própria prisão da qual o eu tenta se libertar.
6. Entrar na “ Consciência da Unidade”?
Quem entra? Entra aonde? Não há lugar, nem ninguém, nem estado nenhum para se entrar. Caso haja, então não é a Unidade pois o “eu” estará lá “entrando”. E se o “eu” está lá conscientemente entrando na unidade, então, por definição, não é a unidade, já que “eu” e “unidade” são excludentes.
7. Nos comportamos como se o “eu” existisse
Exatamente, o vídeo acerta nesse ponto, mas não percebe que ele mesmo, o próprio autor do texto/vídeo está se comportando como se o “eu” fosse uma realidade, nos diversos pontos que já detalhei aqui.
8. “Quando formos em busca do “eu” primário, não descobriremos qualquer vestígio”.
O autor já revela o final da investigação. Ele já diz o que você vai encontrar: nada. Sim, parece correto. Mas esqueceu de apontar que ali ainda existe um “eu” procurando por si mesmo. E esse “eu” que procura e constata sua própria inexistência, ainda é a continuação sutil do “eu”. Falando de outra forma: quem faz essa constatação? Quem fica consciente de todo esse processo? Não é o próprio “limite primário? Ou seja, o “eu consciente de si”, sendo assim, ele continua ali, ou não?
9. Procurar a “sensação de um eu separado”
Vamos destrinchar essa afirmação. Quem busca a sensação do “eu separado”? Não é o próprio “eu separado”? Ou seja, o “eu separado” se distancia de si mesmo, para procurar a si mesmo. Faz algum sentido? Óbvio que não. O próprio “eu separado” ao buscar a si mesmo, continua se separando a si mesmo. O que, novamente, é um disparate.
10. O observador, a observação e o observado
Nessa altura do vídeo, temos a impressão que finalmente vai sair algo profundo, todavia, logo depois vem a decepção. Ele diz: o observador, a observação e o observado são aspectos de um mesmo processo e que “nunca, em tempo algum, um deles pode ser encontrado sem os outros”. Como assim? É uma outra confusão. Krishnamurti passou uma vida falando da ausência de separação entre observador e coisa observada. Ou seja, não existe a ‘separação” pois o observador é uma criação da mente. Só isso. Mas, a observação sem a divisão “observador versus coisa observada” existe, claro. Isso é um ponto chave dos ensinamentos de JK. E, particularmente, comprovei essa verdade por minha própria experiência. Sendo assim, você encontrará sim a “observação” sem o “observador”. Nesse ponto do vídeo, há um problema de tradução. E, aparentemente, o tradutor o fez exatamente porque ficaria contraditório e sem sentido. No original ele diz “ não existe o observador, o observado, nem o observar. São três aspectos que designam a experiência da observação.” Mas essa última parte foi traduzida assim: “são três aspectos que designam a experiência do testemunhar”. Ou seja, no original ele fala que há sim somente a observação.
11. A experiência: você não pode ouvir o próprio ouvinte
Como assim? Óbvio que pode, basta fazer algum barulho. Se o ouvinte está em silêncio, obviamente que ele não poderá ser ouvido. Como se vai ouvir algo que não faz barulho? Então, a afirmação: “você não pode ouvir o ouvinte dos sons” é inválida. Faça algum barulho que você ouvirá sim o ouvinte. Onde está o ouvinte? Ouvindo, oras. Novamente, o vídeo cria uma nova divisão: se você apenas ouvir os sons, não haverá nenhum problema, estará tudo certo. Mas quando ele diz para procurar o ouvinte, aí, nesse momento ele cria a divisão, ele cria a separação: ouvinte e som. Ou seja, o próprio texto cria uma nova separação, um problema onde, antes, não existia nenhum.
12. “Fundir-se com a totalidade de sons lá fora”
Quem se funde? O “eu” que o próprio vídeo afirma não existir? Novamente, a divisão, a separação é criada através de um suposto apontamento de unidade. A unidade já está aí, não existe nenhum “eu” pra fundir-se com nada. Simples.
13. “Quando ouvi o sino, havia apenas o som!”
Certíssimo, há apenas o ouvir, assim como há apenas o observar. A meu ver esse pequeno relato da iluminação do mestre zen foi o ponto máximo do vídeo. De forma simples, clara e objetiva o mestre foi mais conciso e preciso do que todo o palavreado do vídeo.
14. Ninguém jamais encontrou um “eu” separado da experiência.
É o tipo de afirmação vaga, parcial e, portanto, temerária. Toda a humanidade vive a experiência do “eu” separado. E ele pode sim ser encontrado; é isso o que o verdadeiro autoconhecimento faz: lhe aponta onde está o “eu separado” para que você possa identificá-lo, ver sua verdade e, assim dele se libertar.
15. Você não ouve o som do trovão, você é o som do trovão!
Ora, óbvio que você ouve. Para isso que existem os ouvidos. Mas só existe o escutar. Assim como disse o mestre zen citado pelo próprio autor: só existe o som. Ora, se o mestre não ouvisse o som do sino, como ele poderia percebê-lo e dizer que só existia o som do sino? Então, melhor do que dizer: “você é o som” seria dizer: “só existe o ouvir do som”. Ou seja, a ação, a experiência sem a entidade separada, sem o ouvinte.
16. Seu estado atual é de
consciência da unidade
Não. O estado atual é de separação. O “Estado de Unidade” pode acontecer caso haja uma percepção, um vislumbre dessa verdade não como uma teoria ou conceito, mas como uma vivência direta. E isso não pode ser feito pelo próprio “eu” pois o eu só pode atuar dentro do seu próprio campo de experiência. Ou seja, do conhecido, da fragmentação, da dualidade.
17. Não existe “alguém” que faça nada!
Ao final, ele fala sobre a ideia de “anatta”— não átman, não eu — do Budismo. Todavia, até chegar a essa compreensão profunda e transformadora, o eu continuará existindo como ilusão, como ignorância, como névoa, como miragem. E o indivíduo só se livrará dela se ele mesmo perceber e ver essa verdade. Até lá, ele não pode simplesmente acreditar que não é um “eu separado”. Muito pelo contrário, ele terá que ver o funcionamento do seu próprio “eu” em ação e de como sua mente cria o observador separado. Somente, aí, ao ver e constatar diretamente essa verdade é que ele pode realmente se libertar da separatividade. Até lá, todas essas afirmações não farão sentido nenhum pra ele pois o fato, a verdade para ele é a separação, não a unidade.
18. Quando nos desapegarmos da ideia de um “eu isolado”.
Novamente a pergunta: quem se desapega? O próprio eu que já é, por natureza, isolado? Separado?
19. Medite, olhe para dentro!
O vídeo termina reafirmando os clichês e as práticas milenarmente repetidas pelas religiões, tradições e gurus. Quem olha para dentro e por quê? Quem medita e por quê? São questões cruciais que todo aquele que anseia pela verdade deve se fazer caso queira realmente descobrir a verdade sobre si mesmo e sobre as questões apontadas nesse artigo e no vídeo.
20. Nós nos identificamos com nossa mente!
Pronto! Nos identificamos com as ideias, as crenças e os conceitos — como esses que o vídeo aponta. Então, é preciso questionar isso que o autor chama de “ Filosofia Perene”, mas que, a meu ver, é uma deturpação da mesma. Sendo assim, não se identifique com nada, nem com os supostos conceitos da filosofia perene, nem mesmo com os apontamentos desse texto. Investigue e descubra por si mesmo sua veracidade ou falsidade.
Por fim, quero dizer que a UNIDADE DA CONSCIÊNCIA não tem consciência de sua própria unidade. Se tiver, não será a verdadeira unidade e sim, mais uma ilusão.
P.S: Quero apenas fazer outra observação: ao longo do vídeo é claramente citado vários pontos chaves dos ensinamentos de Krishnamurti: observador e coisa observada, experimentador e experiência, pensador e pensamento, etc. todavia, em nenhum momento seu nome é citado, por que será? Uma pessoa que conhece Alan Watts, a tradição Zen, os ensinamentos de Buda, certamente deve ter conhecido os ensinamentos de JK. O curioso é que só seu nome foi excluído do vídeo, não suas ideias e ensinamentos. Muito estranho, não?
By Alsibar Paz
26/11/21
Link do vídeo: Consciousness Without Limits
Texto Interessante e de boa compreensão para os buscadores avançados.
ResponderExcluirObrigado, da próxima vez bote seu nome no texto.
Excluir