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quarta-feira, 25 de agosto de 2021

A DOENÇA DO GURU JEFF FOSTER

 



                A carta a seguir foi escrita pelo autor inglês Jeff Foster, professor espiritual dito “neo-advaita”, jovem, de apenas 40 anos, que se viu repentinamente com sintomas de síndrome rara, por enquanto diagnosticado com Doença de Lyme e POTS (Síndrome da Fatiga Crônica e Taquicardia Postural). Sentindo-se devastado pela condição da doença, e também por jamais esperar que isso pudesse lhe acontecer, e também fazendo uma reflexão sobre sua condição de pessoa realizada em vários âmbitos terapèuticos e espirituais, ele faz essa confissão. Uma carta de perplexidade, tristeza, busca de honestidade e renovação.

                    Falando da sua dificuldade e do paradoxo de querer estar em presença mas ser tão difícil neste momento, Jeff questiona várias das suposições que tinha e toca em várias questões importantes – e ilusões comuns – do caminho espiritual. E parece ele mesmo estar despertando para mais uma série deles. Uma carta que nos faz pensar e refletir sobre várias das fantasias e expectativas que se nutre na jornada do auto-conhecimento e como é absolutamente essencial ter os pés no chão, na Terra e na própria humanidade.

Ao final da carta ele se pergunta se essa situação de saúde lhe torna uma “fraude”.

Leia a carta (traduzida para o português pelo Dharmalog abaixo) e faça sua reflexão. O original em inglês está aqui.

Desde já desejamos a plena recuperação da saúde e vitalidade de Jeff, com suas capacidades físicas e cognitivas, dentro do melhor possível.

PS: (há uma segunda carta dele aqui, tratando da mesma situação)

“ESCREVO LIVROS SOBRE ACEITAÇÃO… MAS SIMPLESMENTE NÂO POSSO ACEITAR ISSO!” – UMA CONFISSÃO

Por Jeff Foster

1 de maio de 2021.

Queridos amigos,

Mais uma vez, estou escrevendo para agradecê-los pelas mensagens profundamente compassivas e emails de amor e apoio. Mesmo que eu não consiga responder pessoalmente a todos vocês neste momento, porque minha energia está tão limitada, por favor saiba que eu leio cada mensagem e aprecio profundamente sua extraordinária bondade. E mais uma vez, àqueles que tem me enviado doações, agradeço do fundo do meu coração. Nunca soube de verdade quantos de vocês se importavam tanto comigo e com meu bem-estar em um nível assim pessoal. Envio amor para cada um de vocês. Obrigado por me receber em suas vidas.

E minhas sinceras desculpas por quaisquer erros de digitação e outros erros nesta mensagem. Minha atenção, foco e habilidade de edição não estão tão acuradas como de costume! ;)

Estou em um lugar estranho nesse momento, amigos.

Está me atingindo duramente: estou fisicamente e cognitivamente incapacitado.

Pelo menos por agora. Pelo menos por enquanto. Talvez pro resto da minha vida. Ninguém sabe. Ninguém.

Estou vivendo no Desconhecido. Todos estamos, admitamos.

Comparado com onde eu estava no ano passado, e cada ano antes dele, é chocante me encontrar desse jeito a cada dia. Tem sido profundamente devastador – DEVASTADOR – perder certas funções físicas e cognitivas e habilidades assim da noite pro dia, sem promessa que elas vão voltar algum dia, ou ao menos retornar totalmente ao que eram antes.

Estou em um lugar estranho, amigos, um lugar entre uma esperança vaga e uma devastação total quase insuportável.

(De novo, não quero que isso seja tudo sobre “mim”. Tantas pessoas pelo mundo estão sofrendo neste momento, muito pior do que eu. Mas acredito que compartilhar minha própria luta, me abrindo sobre meu desafio de saúde atual, pode transmitir alguma verdade ao público. Tenho certeza que alguns de vocês vão se identificar, à sua própria maneira…)

Me viro para onde estou, e encaro o fato da minha incapacidade, das minhas limitações presentes como um corpo-mente? Encaro a devastação e a dizimação parcial da velha vida, dos velhos planos, da velha saúde, da velha função cognitiva, da velha sobrevivência, lamento profundamente o que perdi, e lamento pelo que ainda vou perder? Posso eu saber o que eu ainda vou perder? Podemos nós saber algum dia?

O que estou lamentando, exatamente? Posso eu lamentar a perda de um futuro desconhecido? Posso afundar nas minhas lágrimas, entregando-me à perda e a à ruína e à saudade, deixando que tudo me quebre e me abra, e desistindo de toda esperança do amanhã?
A esperança é real, ou baseada em fantasia?

Continuo a me esforçar, a lutar, a esperar, a querer a cura, alguma cura, alguma “resposta”, alguma poção mágica curadora?

Me aceito como estou hoje, ou aspiro por melhora, ou mesmo remissão, amanhã, quando a taxa de remissão para essa condição é estatisticamente tão baixa, e quando ninguém na Terra consegue me prometer tal coisa?

Serei eu um dos sortudos? Posso eu controlar os destinos de alguma maneira, manifestar um resultado?

Deveria eu ignorar todos os “fatos” objetivos nesta condição e apenas acreditar?

Ou está tudo nas mãos dos deuses, no fim das contas, e não importa o que eu faça?

Essas perguntas são tão velhas quanto a própria mente, tão velhas quanto o pensamento.

Aceitação do “jeito que é”, ou esperança de “como poderia ser”?

Claro, na realidade, essas duas energias podem coexistir.

E podemos sustentar esse paradoxo primal – de aceitar onde estamos aqui agora, desconforto e dor e limitações e tristeza e tudo, enquanto, ao mesmo tempo, imaginamos um futuro melhor, mais positivo, e fazer tudo que podemos em direção a ele. A aceitação profunda e uma mudança não se contradizem, são reflexos uma da outra, amantes, amigas muito antigas. Nossa divindade e nossa humanidade são Uma. Imperfeito e perfeito, quebrado e inteiro.

Descansar na dor, se apoiar na dor, se prostrar pra dor, enquanto não desiste da cura. Pelo menos não completamente. Pelo menos não agora. Pelo menos não hoje.

Sustentar essas energias gêmeas como nossos dois filhos queridos. Não filhos que opõem a existência um do outro, mas filhos que são igualmente amados e bem-vindos em nossos braços.

Dito isso, não é fácil. Alguns dias só quero que o desconforto acabe. Sinto nervosismo de admitir isso publicamente, sendo um “professor espiritual” e tudo (o que diabos isso queira dizer), mas sim, alguns dias só quero que tudo termine, o sofrimento, o desconforto, a confusão mental. Isso me torna um covarde, aspirar o alívio no meio do desconforto e da perda? Acho que não. Me torna humano.

Escrevi livros sobre o descanso profundo, a aceitação, amar o momento presente, abraçar totalmente as devastações da vida.

Escrevi poesia e talvez milhares de posts no Facebook ao longo dos anos para lembrar você que você nunca esteve quebrado, para ajudar você a lembrar da alegria de “se apaixonar com o lugar onde você está”.

Ensinei em inumeráveis retiros e oficinas pelo mundo convidado as pessoas a questionar profundamente sua experiência presente, a trazer consciência amoroso para os bolsos da resistência, a fazer contato com sentimentos há muito tempo repetidos, a lamentar, a abandonar os “deverias” da vida, a expor e derreter a vergonha escondida, a se entregar para o que é.

E eu humildemente admito que estou falhando neste momento em aceitar minha condição. Me sinto quebrado. Não estou apaixonado por onde eu estou. Não consigo “relaxar” com essa nova realidade estilhaçada.

Mas… Talvez haja graça nesse fracasso. Talvez haja um auto-amor mais profundo que nos permita ser profundamente imperfeitos, uma grande bagunça na encruzilhada da vida, um verdadeiro “sucesso” é realmente esse tipo de auto-amor.

O amor que nunca lhe deixa falhar, não importa o quão baixo você afunde, porque o mais baixo é o mais alto nesse amor, e o mais fraco é o mais forte.

O amor que lhe ama, mesmo no fundo do poço e na escuridão e nas dimensões indescritíveis do inferno.

O amor que lhe segura enquanto você toma o último ar, como lhe segurou enquanto você se engasgava com ao inspirar.

Quando estou ofegante, suando, sem ar, tonto, dissociado, tendo que sentar a cada cinco minutos na caminhada até a padaria. Quando a “confusão mental” é tão grande (como falei na minha ultima mensagem, tenho uma síndrome complexa e multi-sistema médico chamado POTS, uma forma de disfunção autônoma onde não chega sangue nem oxigênio suficiente no cérebro…) que mal consigo formar uma frase, ou lembrar o nome de um amigo, ou encontrar meu caminho pra casa ao sair da padaria, ou terminar uma sequência de pensamentos na minha cabeça, ou lembrar do que estou fazendo, ou porque, ou onde, ou como, ou…. QUando todo o sentido de tempo desaparece, e o mundo externo desaparece, e estou perdido numa sensação de bad trip o dia inteiro, como demente e fora do tempo (mas não no sentido da liberação espiritual, e sim de uma maneira dissociativa aterrorizante). Quando tenho uma conversa apaixonada, bonita e honesta com um amigo querido no telefone… e então desabo energeticamente por horas – ou dias – logo depois porque gastei energia demais, apenas falando e ouvindo.
Quando tudo isso tá acontecendo… é muito, muito difícil.

(Deus, pelo menos posso escrever. Mesmo que leve alguns dias para escrever um pedaço que antes levaria apenas algumas horas…)

Como consciência sou ilimitado. Todos somos.

Mas como um corpo física e mente, sou mais limitado do que jamais fui, e é esmagador.
Não é desse jeito que eu esperava que minha vida fosse ser, aos 40 anos. Depois de quatro décadas de boa saúde, depois de alguns dos mais felizes anos da minha vida nos últimos tempos, e com tantas coisas maravilhosas que eu estava planejando fazer, tantas coisas a fazer, livros a escrever, retiros a organizar, projetos criativos para explorar, amigos para dividir momentos preciosos, ver minha saúde desabara desse jeito, sem um médico ou terapeuta ou curador que até agora tenha sido capaz de me dar um prognóstico ou remédio para qualquer dos meus sintomas – viver assim cada dia é devastador.

Ainda estou em choque, essa é a verdade.

Nunca poderia ter previsto isso.

“Como eu ia saber? Como poderemos saber?” (Meu verso favorito de um dos meus musicais favoritos de Sondheim, “Into The Woods”) (o verso em inglês é “How was I to know? How are we ever to know?”).

Ugh, fui tão ingênuo, que abençoem meu coração. Pensei que todos esses tipos de doenças aconteciam aos outros.
Pensei que eu era imune, porque tinha feito todo esse trabalho em mim mesmo, ou porque eu tinha curado tantas das minhas feridas infantis, ou porque eu me sentia tão relaxado e vivo na maior parte do tempo, ou porque eu experimentava tão pouco estresse na minha vida, ou porque, bem, eu era “realmente realmente espiritual” ou algo desse tipo.

A arrogância. O orgulho. A audácia. O privilégio. A inocência, também.

Tudo isso… Apenas… tudo isso.

Alguns dias eu sinto que eu simplesmente não aceito o que está acontecendo comigo. Parece um sonho ruim, como se eu tivesse vivendo uma vida errada, como se algo tivesse dado errado, como se isso não deveria estar acontecendo.

Claro, lá no fundo, eu sei, não há nenhuma “vida errada”, e há somente VIDA, e isso é do jeito que é, e não há nenhum “deveria”, e não sou eu o culpado, e nenhum de nós é culpado, jamais. Essa doença não foi minha escolha. E não fiz nada para “merecer” isso, e não é punição, e não há pecado. Sei disso, nas profundezas dos meus ossos.
Tem vezes que simplesmente ficamos doentes do nada e não faz sentido e é assim que é, goste ou não, aceite ou não, confie ou não. Nossas vidas estão quebradas. Nossos filhos morrem. Nossos amados nos abandonam. Nossas carreiras acabam de repente. Perdemos dinheiro ou status ou sustento, nossas habilidades físicas. Carros e aviões batem. Tsunamis destroem vilas, cidades. Meteoros, cometas, asteróides caem na Terra, extinguindo espécies inteiras, talvez um dia todas as espécies. Nossos maravilhosos planos e filosofias viram pó. Grandes líderes são derrubados. O chão e abre e engole carros, estradas inteiras, edifícios. Triunfo e tragédia estão tão perto um do outro, o véu entre a vida e a morte é tão fino. Às vezes a realidade do caos do mundo relativo, e nossa falta de habilidade de controlá-la, simplesmente nos dá um tapa na cara. A crise chacoalha e nos acorda do nosso sonhos de que “as coisas estavam indo tão bem”. Dor indesejada nos testa até o limite das nossas capacidades. E ficamos profundamente confusos, estupefatos, incapazes de encontrar qualquer tipod e razão para essas repentinas mudanças, tragédias e perdas.

“Por que eu?!”, nós choramos.

E nossos choros se dissolvem num vasto silêncio e talvez exista uma resposta lá no eco e talvez seja possível sustentar tudo. Sim, tudo. A esperança e o desespero. O conhecido e o desconhecido. A dor e a expectativa. O sofrimento e o desejo do fim. O problema e a oração pela cura.

Talvez seja possível sustentar toda a vida em nossos suaves corações.

Pelo menos por um momento.

Pelo menos enquanto durar a próxima… preciosa… respiração.

E assim eu vou indo. Continuo aflito pela velha vida, as velhas capacidades, as coisas que adorava fazer e que não posso mais. (Nunca mais? Por hora? Pra sempre? Por semanas, meses, anos? Não sei, e quem sabe de certeza.)

Por hora, tenho momentos em que posso ficar com “o que é”, e momentos onde quero que tudo suma.

Momentos de “Namastê”. Momentos de “F**da-se essa M*rda.

Momentos onde sou um Buda. Momentos onde sou um mini-Hitler de mim mesmo.

Momentos que nunca esperava.

Momentos de uma vida sendo vivida, momento a momento.

Queria dividir isso com todos vocês.

Não pra pedir pena, mas para ser cru e honesto e autêntico sobre o que estou passando, enquanto vou passando por isso. Sinto que vocês merecem nada menos de mim agora do que a verdade nua e crua. Não quero esconder o que estou passando.

E quero ir em frente e destroçar a imagem do professor espiritual perfeitamente calmo, profundamente aceitador (nunca encontrei nenhum, por falar nisso). Aquele que nunca sofre. Aquele que nunca é tocado pelas coisas do mundo e flui com tudo. Aquele que transcendeu o mundo relativo.

Não, eu pedi para ser profundamente tocado por esse mundo, mas nunca imaginei que ele iria me tocar tão profundamente, da maneira particular.

Tenho trabalhado sobre muito sofrimento e devendado muitos traumas em minha vida, disposto a experimentar muitos estados emocionais difíceis, tive muitos colapsos e insights de êxtase, crises de cura e despertares felizes, fui capaz de sustentar tanta vida, mas isso… isso é outra coisa.

Queria dividir todas essas reflexões na esperança de que alguns de vocês possa ser capaz de se identificar, que algumas de minhas palavras tragam conforto ou cura ou calor ou coragem a vocês aí. Que vocês serão lembrados que não estão sozinhos na sua dor e confusão e tristeza, e que muitos de nossos irmãos e irmãs estão passando por um desabamento do seu próprio jeito neste exato momento. A destruição chegará para todos nós no final, nenhum de nós será poupado, não importa o quão “desperto” ou “curado” nós imaginamos estar.

Rezo às grandes e Misteriosas forças que todos possamos sair desses tempos mais humildes e fortes.
E, se eu for honesto…. SInceramente espero que eu possa sair bem desse desafio particular.

Às vezes me pergunto se tenho a coragem e a força para continuar através desse desconforto corporal, dessas novas esmagadoras limitações físicas e da desorientação cognitiva que essa condição traz – a confusão, os problemas com planejamento, foco, atenção, perda de memória de curto prazo.

Questiono minha própria habilidade de encarar esse tipo de devastação a essa altura da minha vida.

Sei que não sou mais corajoso que alguns de vocês.

Não sei o que me espera na estrada da vida.

Como vamos conseguir saber.

Isso tudo me torna uma “fraude”? Um professor espiritual fracassado?

Talvez sim. Talvez não.

Não suponho que isso importe.

Talvez isso me torna mais humano, mais enraizado no sangue e na lama e na carna e na dor da existência mortal mundana, e isso é muito mais precioso e real do que qualquer outro prêmio… mesmo que eu falhe nesse teste (e não há fracasso no amor, e nenhum teste, de qualquer maneira).

Sim, isso não é um teste e por isso eu – nós – não podemos falhar.

Tenho vocês todos no meu coração, vocês que se encontram na mesma estranha situação que eu.

Agora, digam comigo.

“Namastê. F**a-se essa m*rda!”

Jeff xxx

 

Fonte:

Dharmalog.com

link: Acometido de doença rara, autor Jeff Foster escreve carta-confissão aos seguidores – _ dharmalog


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