Até que ponto a prática da meditação pode ser útil? A prática da meditação leva à iluminação? Existe meditação sem prática? Em que consiste a meditação sem meditador? Quer saber mais sobre isso? Então
leia o artigo, reflita com serenidade e conclua você mesmo.
Durante
muito tempo, defendi a prática da meditação como o caminho mais seguro para a Iluminação.
Depois de uma vida meditando, finalmente compreendi que não é bem assim. Meditar não tem relação direta com a iluminação. A meditação- assim como os gurus- são fundamentais em algumas etapas do caminho espiritual. Mas chega um momento que tanto os gurus, quanto as técnicas de meditação, devem ser abandonados sob o risco de se tornarem verdadeiros estorvos.
Libertar-se
da meditação enquanto caminho para o Despertar é tão importante quanto libertar-se dos gurus. É necessário compreender que a prática de um método- seja
este qual for: Zen, MT, Vipassana, Mindfullness etc- acontece no campo da dualidade: praticante versus prática, buscador versus objetivo- o que cria o tempo psicológico. Compreender isso é fundamental. Acostumado às sensações que a prática meditativa proporciona, o aspirante pode sentir-se perdido e inseguro diante da ideia de abandoná-la. A meditação, dentro de certas limitações, pode ser saudável e benéfica. Todavia, aqueles que desejam encontrar a Verdade atemporal devem libertar-se do movimento do tempo. E como a prática da meditação é uma ação que ocorre dentro do processo temporal, faz-se mister libertar-se dela desde o início.
O
grau de importância da prática meditativa vai depender do estágio da viagem em que pessoa se encontra.
Para quem está começando no caminho da espiritualidade e do
autoconhecimento-esta prática é extremamente útil. Ela também ajuda na melhoria da saúde física e mental, diminuindo o stress, a ansiedade e a agitação dos pensamentos. Mas o buscador da luz ficará satisfeito apenas com a melhoria da saúde? Ou será que existe um estágio mais avançado? Será possível arrancar de vez as raízes da ilusão, do conflito e tornar-se verdadeiramente livre?
Para
quem pratica meditação há muito tempo é difícil conceber uma vida sem ela. Eu mesmo
não concebia. Considerava essa ideia uma espécie de blasfêmia. Eu não
compreendia quando alguns mestres criticavam a prática da meditação. Hoje
entendo que a meditação tem uma função específica- mas não aquela que eu imaginava. Muitas pessoas acham que a libertação depende da prática do estado de atenção/presença e que quanto mais se mantiverem nesse estado mais próximos estarão da iluminação. Mas, a meu ver, isso é um equívoco.
O motivo é muito simples : a prática deliberada da meditação é ação do pensador, do desejo- que é o ego. É
possível usar o ego pra libertar-se do próprio ego? Obviamente que não. Ele –o ego-
continua ali meditando no cantinho da mente. Como disse um amigo meu: torna-se
um “ego zen”. Mas ainda assim, ego- camuflado sob o manto do "meditador". A
meditação praticada deliberadamente com a finalidade de despertar proporciona uma falsa sensação de iluminação. Apesar dos inegáveis benefícios à saúde de quem a pratica-não deve
ser considerada o caminho para a libertação final. Pelo contrário, a libertação só
surge quando meditador e meditação deixam de existir . Quando cessa a divisão: ator e ação, pensador e pensamento, observador e coisa observada.
Sei
que esse artigo parece contrariar muita coisa que defendi ao longo desses anos. Mas estou falando da prática da meditação com vistas à iluminação. Isso
não deve ser motivo de estranheza . Buda disse: "depois de usar o
barco , abandone-o". No meu caso, a prática da meditação foi importante durante boa parte
da minha vida. Com ela consegui alcançar percepções fabulosas- algumas fundamentais
para amenizar crises, solucionar
problemas e harmonizar minha vida. Mas já fazia algum tempo que eu me sentia
estagnado- apesar de meditar muito. Com o tempo, a pessoa percebe que se não abandonar qualquer tipo de prática- não conseguirá ir muito longe. Foi então que percebi a necessidade de reavaliar meus conceitos- do contrário iria passar uma vida repetindo o mesmo padrão que vinha ocorrendo desde a adolescência. A "coisa" ia , ia e quando eu pensava que iria chegar "la´" voltava ao ponto de chegada. Percebi que não tenho mais tempo para isso. Foi então que me veio o insight.
A
jornada espiritual é cheia de fases-exatamente como um jogo de vídeo-game. Ao
se vencer os obstáculos e desafios de um nível, deve-se ir para o próximo, mais
avançado e difícil. Na jornada espiritual também é assim . Quando eu era mais
jovem, eu defendia a religião organizada, mas chegou o momento de deixá-la.
Depois vieram os gurus , passei um tempo defendendo-os mas- em seguida- tive que abandoná-los.
Na fase seguinte, me vi preso aos métodos
de meditação- que logo, logo se revelaram muito limitados- então os abandonei. Finalmente
me voltei para a "meditação-sem-método"- mas continuava praticando-a sutilmente. Hoje
percebo a meditação é um estado de consciência diferenciado que emerge quando cessa toda ideia de superar, praticar, observar, buscar etc. Sem a superação da dualidade sujeito versus objeto torna-se impossível “passar” para a próxima fase .
E
qual seria a próxima fase? É um
mistério. A mente não pode penetrá-la, descrevê-la ou interpretá-la pois ela
ocorre num estado de total ausência do eu . Ao contrário da "meditação-sem-método",
neste estágio não há direcionamento, nem intenção de nada. Ela ocorre por si mesma.
Era isso que Krishnamurti entendia por meditação: um movimento, uma energia, uma
presença que não se pode controlar, nem direcionar, nem produzir. Infelizmente
esta palavra foi deturpada pelo uso incorreto, por isso, muitos preferem não usá-la. Hoje em dia ela confunde mais do que esclarece .
Rubens Fieldman Gonzalez |
Segundo
o psiquiatra Rubens Fieldman Gonzalez- amigo de Krishnamurti- o próprio K. teria afirmado que não
mais usaria a palavra "meditação" em suas palestras .
A questão é que a meditação citada por K. não tem nada a ver com o que as pessoas conhecem e pensam . Para ele, ela era uma coisa viva, dinâmica e mutável – por isso ela
sempre se lhe apresentava de uma forma diferente. Penso que esta palavra é
inapropriada para descrever este movimento, sem tempo, sem intenção, sem direção, ou
divisão. Ao contrário da meditação deliberada, “isso” surge por si mesmo, não depende da vontade,
nem da intenção do meditador. É descontínuo e qualquer esforço para produzi-lo, mantê-lo ou
perpetuá-lo é inútil.
Pra
concluir, quero dizer que a viagem da alma é infinita. E todos haverão de passar por diversas fases. A ênfase na prática da meditação é importante principalmente para os que estão no começo do autoconhecimento ou querem encontrar mais equilíbrio e saúde mental. Mas é importante ter em mente que ela não vai além do conhecido. O mais importante é mergulhar naquele estado de silêncio e completa quietude- onde não exista nem mesmo a preocupação ou o pensamento em querer meditar. É nesses pequenos instantes de completa unidade e atemporalidade- onde não existe nem meditador, nem meditação- que a verdadeira meditação começa.
Até
a próxima !
Namastê!
Alsibar
http://alsibar.blogspot.com