(
Esse artigo foi escrito pela escritora e jornalista Joyce Collin Smith no seu
livro “Não chame ninguém de mestre”. Por ter sido ex-secretária do guru
Maharish, Joyce foi testemunha ocular de vários fatos e incidentes relacionados
com o guru da Meditação Transcendental- MT . Nesse excerto, ela descreve sua versão
sobre fatos estranhos ocorridos após a entrada do guru na vida da banda como, por exemplo, a
morte misteriosa de Brian Epstein- empresário e mentor do grupo- e o próprio John Lennon. Para a escritora, tais eventos podem não ter sido apenas fatalidade e revelam um lado obscuro e misterioso da vida do "risonho guru". - Alsibar)
Os Beatles surgiram no cenário e
apareceram, cheios de alegre exuberância,
entre os grupos reclusos de um
curso na Universidade Bangor, no País de Gales.
Maharishi tentara com
insistência, nos últimos seis ou sete anos, atrair gente bem
conhecida e influente para o
Movimento, e ficara desanimado ao perceber que seus
seguidores tinham muito pouca
influência nos altos escalões. Foi com surpresa e
desprazer que descobriu que todos
os famosos que se iniciavam solicitavam discrição
e privacidade. Mas Mick Jagger e
Mia Farrow, logo que o conheceram, começaram a
meditar avidamente, trazendo os
outros com eles, francos e abertos em seu apoio
declarado.A chegada de toda a
turma pop e do pessoal do mundo dos espetáculos teve
um efeito absolutamente explosivo
sobre o MRE (Movimento da Restauração). Com exceção de um único homem, o Povo Eleito cerrou o grupo contra
eles. Se eles odiaram os 'marginais lunáticos' e as
'pessoas inadequadas' na estrada
Prince Albert, que na maioria eram fracos ou
passivos diante da vida, odiaram
com muito mais vigor os rapazes de Merseyside,* tão
bem-sucedidos na vida! A idéia de
que eles pudessem aspirar aos mesmos benefícios
espirituais que seus colegas mais
bem-educados fez com que as penas se eriçassem
de imediato.
*[Referência a um lugar onde
surgiram muitos conjuntos de rock (N. do T.).]*
— Como é que eles vão entender
essas coisas? — perguntou uma senhora
idosa, com extremo desdém.
Na verdade, as mentes ágeis e
brilhantes dos Beatles captaram tudo num
instante, e sua atitude aberta e
franca para com Maharishi foi como uma brisa de
primavera soprando pelo inverno
gelado do Movimento. As discussões animadas e as
conversas curiosas indicavam que
a palavra da meditação se espalhava como um
incêndio pela geração mais jovem.
Eles surgiam aos bandos, vindos de todas as
partes. Mandavam os viciados se
afastarem das drogas antes. Aquilo que procuravam
através da maconha podia ser
obtido com a mesma facilidade e menos perigosamente
através da MT, disseram-lhes. As
drogas mais pesadas ainda não eram comuns
quanto as mais brandas, menos
nocivas, e as pessoas podiam ser convencidas a se
afastar se quisessem.O fenômeno
do grande afluxo de jovens cantando 'paz e amor', dando flores uns aos outros,
mudou tanto a face do Movimento que muitas pessoas foram embora e nunca mais
foram vistas.
Os Beatles foram a Bangor contra
a vontade expressa de Brian Epstein, seu
mentor e, para todos os fins, seu
criador como grupo. Eles eram profundamente leais
a Epstein, que administrava todos
os seus negócios, e normalmente obedeciam a sua
vontade. Dessa vez, porém,
seguiram seu próprio caminho, e Epstein foi passar um ou
dois dias em Sussex com alguns
amigos.
Na universidade, Maharishi se
trancava com os quatro durante horas a fio. Eles
dedicavam grande e sincera
atenção a seu Mestre recém-descoberto. Mas ele queria
deles mais do que silenciosa
aquiescência e obediência. Queria usar sua fama: quatro
arenques pequenos lançados para
pegar a cavala, ainda no grande mar da vida
ocidental contemporânea. Eles não
se importavam que as pessoas soubessem que
meditavam. Mas suas ações no
mundo eram ditadas por Brian Epstein, e obviamente
suas carreiras lhes eram muito
importantes. Estava claro que eles poderiam ser muito
úteis para Maharishi — se
estivessem livres.
Certa noite, enquanto ainda
estavam com ele em Bangor, Epstein saiu bem
tarde de uma festa na casa onde
estava hospedado, em Sussex, e sem qualquer
explicação ou motivo aparente,
foi dirigindo para seu apartamento em Londres. Todos
esperavam que fosse passar a
noite no campo. Em seu apartamento, tomou uma
grande overdose de
comprimidos para dormir, foi para a cama e não se levantou mais.
Ninguém sabia que ele estava no
apartamento, e passaram-se umas 48 horas até que
a porta fosse aberta com uma
chave-mestra, e seu corpo encontrado.
Os Beatles ficaram completamente
arrasados. Também ficaram espantados,
pois não parecia haver
absolutamente qualquer razão para que ele tirasse sua própria
vida numa época em que tudo
estava indo muito bem. Ele dormia mal, e às vezes
tomava barbitúricos. No entanto,
não havia dúvidas de que morrera devido a uma dose
grande demais para ser acidental.
Num estado de choque e pesar, incapazes de
encarar a perda filosoficamente,
os quatro rapazes procuraram consolo e conforto em
Maharishi. Tive a impressão de
que ele já sabia do ocorrido, apesar de ter sido
impossível sabê-lo por meios
normais. Ele não usou as palavras habituais para a
situação.
— Agora vocês poderão ir à Índia
comigo — foi tudo o que disse.
Tive a impressão de que uma mão
fria apertou meu coração quando soube
disso. Refleti sobre o que
observara a respeito do poder de Maharishi e de sua
vontade implacável. Outras razões
poderiam ter causado esse suicídio inesperado,
apesar de ninguém poder saber com
certeza. Porém, não consegui evitar um
pensamento freqüente: a
existência de Epstein era um claro obstáculo para Maharishi.
Sua saída do cenário removeu o
principal empecilho para seus planos de usar os
Beatles para levar toda a geração
pop para a causa do MRE (Movimento da Restauração).
Em poucas semanas, ele partiu
para a Índia com seu grupo e os quatro
rapazes, apagados e tristes,
caminhando ao lado da nova figura paterna que
substituíra seu velho amigo e
mentor. Os grandes dias dos Beatles como um grupo
unido e bem administrado cessaram
de fato com a morte de Epstein, e o lento declínio
e divisão em facções menos
eficientes começou.
Eles deveriam ficar no novo ashram
com Maharishi para "aprofundar suas
experiências com a
meditação", até que pudessem ser enviados ao mundo como seus
grandiloqüentes emissários. Na
verdade, após umas poucas semanas lá, três deles
voltaram para a Inglaterra de
maneira súbita e precipitada, enquanto George Harrison
ficou na Índia e se tornou,
durante algum tempo, aluno de cítara de Ravi Shankar.
John Lenon juntou-se a Yoko Ono,
cuja presença parecia ter uma natureza
desagregadora, Paul McCartney
encontrou Linda, e Ringo também teve alguns peixes
para fritar. Tempos tormentosos
antes do lento declínio.
A imprensa lhes perguntou
inúmeras vezes, individualmente e como grupo,
qual teria sido o motivo para
terem desertado tão depressa de Maharishi. Foram
cuidadosos e diplomáticos.
— Bem, afinal ele é humano. Por
um momento achamos que não fosse —
disseram. — Mas vamos continuar a
meditar.
Quando perguntaram ao próprio
Maharishi sobre sua partida, ele respondeu:
— Eles eram muito instáveis. Não
estavam dispostos a renunciar a seu reino
Beatle. Contudo, enquanto
continuarem a meditar, serão meus — acrescentou com
um sorriso sinistro.
Nessa época, porém, o número de
iniciados estava aumentando depressa, e,
apesar de ter perdido Jagger, Mia
Farrow e uma série de nomes famosos um tanto
rapidamente, seu movimento estava
ganhando impulso de modo extraordinário.
— Ponha-os na rede! Não podem
escapar — disse a seus íntimos em diversas
ocasiões, enquanto os números
aumentavam e o dinheiro jorrava. Lila Lakshmi, a
deusa da riqueza, estava trabalhando
entusiasticamente a seu favor. No início da
década de 1980, ele tinha
dinheiro e propriedades espalhadas pelo mundo, carros, um
helicóptero e uma universidade em
seu nome, em Freshfield, Iowa. Sete mil pessoas
se reuniram a seu redor em 1984,
e milhares freqüentaram seus cursos na Europa e
nos Estados Unidos. Observei tudo
isso de lado, ouvindo as notícias dadas por alguns
amigos, mas sem mais participar
das atividades.
Soube que as regras estavam
ficando mais rígidas. Em 1986, uma amiga
reclamou que seu marido foi
mantido virtualmente incomunicável num curso em
Yorkshire, e suas tentativas para
entrar em contato telefônico com ele devido a uma
emergência familiar foram
infrutíferas.
— Os alunos não podem ser
interrompidos durante os cursos por motivo
algum, a menos que seja uma
questão de vida ou morte. — disse-lhe uma secretária.
— É muito urgente.
— Nada é tão urgente quanto o
trabalho que estamos fazendo aqui.
— Então vou lhe mandar uma carta
registrada.
— Como quiser.
A carta só lhe foi entregue
quando estava saindo, três ou quatro dias depois.
Ela tinha o carimbo da recepção
com a data do dia seguinte ao que foi enviada, mas
foi retida.
Em 1987, os tribunais
norte-americanos se defrontaram com um caso
levantado por três antigos
devotos e professores de MT na Universidade Maharishi de
Iowa. Eles requeriam uma
indenização de 64 milhões de libras a título de danos,
dizendo que tinham pago milhares
de dólares a Maharishi e aos cofres da
Universidade por aulas que os
transformariam em 'mestres da criação'. Eles foram
levados, passo a passo, a pagar
mais por outras técnicas destinadas a 'ganhar poder
sobre as leis da natureza', e
ofereceram seus serviços de ensino de graça. Após anos
de estudo eles acabaram, não no
Nirvana, mas "tomados por ansiedade, raiva, culpa e
perda de memória". Eles
''perderam um período crucial da vida quando deveriam estar
estudando numa faculdade,
seguindo uma carreira e estabelecendo relacionamentos
familiares e sociais". Tudo
o que conseguiram com o exercício de levitação (que
faziam sentados com as pernas
cruzadas) foi "um rude retomo à terra e uma artrite
crônica''! Temendo represálias,
os querelantes preencheram os papéis do tribunal
usando os nomes falsos de John
Doe, James Doe e Mary Doe.
Poucos na Inglaterra reclamaram
tão ferozmente. Estóicos, levavam seus
colchões até o centro de estudos,
agora no Mentmore Towers, para amenizar qualquer
possível ''rude retorno'' caso
realmente conseguissem decolar. Se insatisfeitos, tal
como eu, simplesmente pararam com
os pagamentos e iam embora.
Pensei muito em Philip Devendra,
que deveria ser o sucessor de Maharishi
quando ele eventualmente se
aposentasse do mundo, e que me parecia ser um dos
poucos que cresceram em estatura
espiritual ao longo dos anos. Trocávamos
correspondência, e ele incluía
algumas flores secas de um jardim ou colina da Índia,
que eu mantinha numa pequena
caixa de madeira perfumada. Após alguns anos,
porém, não tive mais notícias
dele.
Até que um dia, 20 anos depois,
Philip apareceu inesperadamente em Londres.
Ele estava completamente exausto.
Também estava sem um tostão, e tão perturbado
que nem mesmo sabia onde pedir
ajuda. Ele foi até o apartamento de Nina na rua
Welbeck e ela o acolheu. Ele não
queria ver ninguém, e praticamente ninguém soube
de sua chegada. Tinha quase 60
anos, não tinha renda, não tinha meios de retomar
sua carreira como advogado e teve
de pedir dinheiro emprestado para se sustentar
enquanto procurava trabalho.
Ele explicou que ficou cada vez
mais perturbado com os efeitos da meditação.
Maharishi o mantinha em longos
períodos de jejum e meditação em cavernas escuras,
atividade que durou muitos anos.
— No final, sozinho nas cavernas,
pensei que estava ficando louco — disse. —
Maharishi não me deu assistência,
não me deu orientação. Ele apenas riu e me disse
para prosseguir.
Teve experiências terríveis
enquanto tentava obedecer à vontade de seu antes
amado e agora indomável Mestre,
tal como sempre fizera sem reclamar.
Finalmente, desesperado, saiu e
foi procurar Shankaracharya, que tinha
acompanhado as atividades de seu
antigo irmão espiritual com interesse durante
algum tempo. Aparentemente, o
Shankaracharya o teria aconselhado a partir — "fugir
discretamente" sem deixar
que Maharishi soubesse disso até que fosse tarde demais
para deter sua saída do ashram.
De bom grado, Nina deu-lhe apoio
durante a traumática readaptação à vida
ocidental. Mais tarde, incapaz de
encontrar coisa melhor, arrumou emprego como
garçom num restaurante japonês em
Londres. Vivendo de modo frugal e
economizando a maior parte de seu
salário, acumulou o suficiente para pagar suas
dívidas e para comprar uma
passagem para as Filipinas, onde tinha uma irmã. Ele
disse a Nina que iria escrever,
mas nunca o fez. Deu a impressão de ser um homem
completamente acabado.
Mais ou menos nessa mesma época,
surgiu algo no noticiário que me espantou
muito. De uma hora para outra,
Lennon denunciou Maharishi numa entrevista coletiva
nos EUA, em parte pelo fato de
manter, ao que parece, uma considerável atividade
sexual.
— Houve um grande diz-que-diz a
respeito de ele ter tentado estuprar Mia
Farrow e outras mulheres, e
coisas assim — ele disse. — Ficamos discutindo a noite
toda, foi verdade ou não? Fomos
ver Maharishi, todo o bando, no dia seguinte. Eu fui o porta-voz. Eu disse:
"Estamos indo embora". Ele me deu uma olhada como quem diz:
"Vou matá-lo, seu
canalha". Por causa desse olhar, percebi que tinha plantado verde e
colhido maduro".
Apesar de haver uma tradição em
torno do erotismo religioso na Índia,
Maharishi veio de uma linha de
irmãos espirituais celibatários, que negam o corpo e
têm poucas necessidades físicas.
Quando o conhecemos, ele comia pouco, dormia
pouco, usava poucas roupas para
se proteger do frio, tinha poucos bens. Ele parecia
todo Espírito, todo Luz. Não
creio que qualquer um de nós que esteve com ele e
cuidou dele nessa época jamais o
associasse à sexualidade. Ele não nos tocava, nós
não o tocávamos. Ele era tão assexuado
quanto um bebê.
Contudo, quando a história
surgiu, alguns começaram a relembrar essa época,
analisando pela primeira vez o
significado de um período em que ele começou a
trancar sua porta à tarde,
enclausurado com alguma jovem. Apesar da influência
hipnótica ter aparentemente nos
deixado inconscientes daquilo que acontecia na
época — pensávamos que ele
tivesse ministrando aulas especiais a devotos
escolhidos —, agora percebíamos
algo diferente. Havia um certo tipo de garota, com
olhos grandes e pele clara, por
quem o indiano de pele escura se sentia
freqüentemente atraído. Víamos
agora algo que ele tentou ocultar. Ele foi se afastando
da Tradição Sagrada de seus
Mestres à medida que as necessidades mundanas
foram tomando conta dele.
John Lennon foi o único dos
Beatles que falou aberta e francamente sobre
essas coisas, apesar de não
fazê-lo antes de se passarem alguns anos, após terem se
afastado dele. Os outros sempre
usaram tato e discrição ao responder a perguntas
sobre o Guru Risonho. Eles ainda
estão vivos. Mas Lennon, defrontando-se com um
assassino louco e misterioso que
aparentemente acreditava ser o próprio e verdadeiro
John Lennon, morreu, tal como
Brian Epstein, de forma prematura e inexplicável. É
possível que sua vida tenha
chegado a seu término natural. Entretanto, lembrando-se
do puro ódio e raiva que saíam
dos olhos de Maharishi, até hoje tenho arrepios
quando penso nisso.
''Há homens a quem ofendemos por
nossa conta e risco", como disse Eliphas
Levi. Faço o sinal da cruz, lembrando-me do poder da
flecha e do
arco.
Do
livro: Não Chame Ninguém de Mestre por Joyce Collin Smith – Editora Siciliano-
1993