domingo, 16 de fevereiro de 2014

O EGO DOS ILUMINADOS - The ego of the Enlighted Ones


É lamentável o desserviço que alguns gurus advaitas fazem à espiritualidade humana ao pregar a inexistência do ego. Quem prega o contrário- a existência- também presta outro desserviço. Como assim? Leia o artigo abaixo para compreender esse paradoxo  e depois tire suas próprias conclusões.
Boa leitura!

A corrente espiritualista neo-advaita (novos-monistas) composta de seguidores de gurus defensores da crença do “não existe ninguém aí” presta um desserviço à humanidade ao apregoar a inexistência do ego. Não entendem, ou não querem entender , que o ego é parte constitutiva do ser humano manifesto no corpo e na mente e que – por isso- não há como libertar-se dele. Talvez, ele cesse completamente com a morte do corpo físico... talvez. O mais provável é que continue existindo mesmo após ela.  E, tudo indica que, mesmo aqueles que chamamos de "despertos" tenham que conviver com sua incômoda companhia. Entende-se assim, que o ego é vencido, dominado, controlado - mas nunca destruído.


As alucinações existem ou não existem?

Uma das questões mais difíceis é compreender o paradoxo sobre a existência do ego. Como compreender que o ego existe e não existe ao mesmo tempo? Vamos a alguns exemplos: uma miragem no deserto existe? Ela não existe de fato, mas existe aos olhos de quem vê e – por isso- pode causar problemas se a pessoa não perceber a diferença. Ou seja, a miragem existe- mas não o que ela representa. Outro exemplo: um sonho existe? Se dissermos que não existe então ninguém sonha? Portanto os sonhos existem-mas como sonhos, dentro de uma realidade subjetiva – existente apenas na mente de quem dorme- não no nível concreto. Mais um exemplo, já usado pelos budistas e imitados pelos advaitas : um homem acorda e pisa numa corda achando que é uma cobra- a cobra existe? Não. Mas a visão da cobra existe? Sim. Então ambos são reais. Tanto a corda, como a visão da cobra. Negar a existência da visão da cobra é negar o fato da alucinação.  Ora, os psicóticos veem o que não existe- mas não se pode negar a existência de suas alucinações - do contrário quem procuraria tratar-se? As visões existem no plano subjetivo da mente doentia- mas não no plano da realidade concreta.

 Não seria exagero dizer que a  mente humana comum - quando  comparada a de um Buda- sofre de uma espécie de doença mental, uma psicose chamada egolatria, ignorância, ilusão. Assim, afirmar que o ego não existe é negar um problema fundamental no caminho da espiritualidade: que o ego, apesar de não ter existência substancial, ele existe enquanto persistir a doença da ignorância. Ora, se a pessoa  se considera liberta da “ilusão” do ego-sem realmente estar- isso apenas perpetua  e fortalece a atuação dele. Com isso, a pessoa não toma consciência de sua prisão e, consequentemente, não trabalha interiormente para libertar-se.

Outro engano é achar que apenas a desindentificação com os pensamentos é o bastante para promover a libertação do ego. Isso é o começo de um processo de desconstrução. O ego é uma estrutura milenar e intrínseca ao ser humano. A desindentificação com os pensamentos é um passo importante- mas não é tudo. Representa apenas o começo de uma jornada. O problema é que ao chegar nesse nível muita gente pensa: " pronto, estou livre, agora posso gozar e ser feliz!". É comum ver esse tipo de testemunho em sites, posts e comentários de pessoas supostamente "libertas" que vendem essa imagem para o mundo, geralmente para promover satsangs.


A libertação do ego talvez nunca venha nesta vida- e reconhecer isso  é de grande importância. Os pensamentos são apenas das partes, dentre as várias que compõe a  complexa estrutura do eu. Além dos pensamentos existem os desejos, os sentimentos, as emoções, as tendências pessoais, os conteúdos inconscientes individuais e coletivos etc etc. Se realmente não existisse ego por que uma pessoa gritaria para o mundo que é um “Desperto” – se autopromovendo? E  para que seus discípulos ficariam dando testemunhos- como se quisessem convencer a si mesmos e aos outros de que estão livres e felizes? A ausência do ego não seria- por definição- o fim de toda atitude ego-centrada? Não se parece isso uma grande contradição?

Krishna: o ego pode ser amigo ou inimigo
Ora, até os seres iluminados mais famosos da história deram sinais de que ainda possuíam  ego- todavia de uma maneira controlada. A mente não existe como algo separado. Ela faz parte de um fluxo universal que Jung chamou de Inconsciente Coletivo. E todo mundo que tem uma mente está ligado a este fluxo que, dentre outras coisas, é composto de elementos simbólicos, culturais, e históricos resultados de experiências e vivencias tanto individuais quanto coletivas. Jesus chorou, se enraiveceu, lutou contra os escribas e fariseus- inclusive humilhando-os em praça pública.  Krishnamurti se irritava publicamente e teve um caso com a mulher do seu secretário particular. E mesmo Ramana- que tentou representar a anulação absoluta do ego e suas partes constitutivas- ainda estava preso ao ego por sua atitude extremada de negação e passividade diante da vida. O próprio Krishna diz no Bhagavad-Gita : “O ego é o pior inimigo do Eu, mas o Eu é o melhor amigo do ego... O ego é um péssimo senhor, mas é um ótimo servidor." Claro está que o Ego continua existindo- mas controlado, não mais como senhor- mas como servo.

Alguns seguidores da visão “neo-advaita” acham que apenas a supressão dos pensamentos  “eu” e “meu” basta para libertar a Consciência do ego. Esquecem que esta é apenas uma pequena parte da porção intelectual do EGO. Além desta, o ego também tem sua parte emocional , instintiva e inconsciente. Essas continuam atuando mesmo na ausência dos pensamentos. Na verdade, ao se negar o pensamento o que acontece? São reprimidos e jogados para o inconsciente- mas isso não extingue-os de verdade. O ego continua agindo na surdina , por debaixo dos panos. Sua atuação passa a ser mais sutil e – por isso mesmo- mais perigosa uma vez que dificilmente será detectada.

 Por isso, você que é um buscador sincero da verdade, não se deixe enganar pelas palavras floridas e frases de efeitos dos gurus. Não acredite em nada em que se diz por aí- nem aqui- principalmente se pedirem  “entrega”, ou “rendição”- pois é aí onde mora o perigo. Quando a “guarda” baixa, seu ego é enfraquecido- mas não por que você se liberta dele- mas por que o seu “ego” passa a ser escravo do guru e da organização, grupo ou movimento que ele representa. Eles dizem :" não acredite em nada que você lê, não acredite na sua mente, nem nos seus pensamentos. Entregue-se. Renda-se!". E então cai-se vítima de uma prisão maior ainda. Pois se antes havia a consciência de se estar preso à ignorância do ego e precisava dele libertar-se, ao render-se ao guru a pessoa continua presa- pensando estar livre- tornando a libertação algo cada vez mais distante e irrealizável.


A maior artimanha do ego é fazer a pessoa crer que ele não existe, que nunca existiu, ou que existia e depois deixou de existir. Seja livre e veja a verdade por si mesmo. Esse artigo é apenas um “cutucão”  para que você acorde de seu sono, de suas verdades, de suas ilusões e prisões- mesmo aquelas pregadas pelos gurus e que você aceita como verdadeira por que elas lhes dão uma gostosa sensação de conforto e felicidade .  A verdade pode não ter nada a ver com isso. Como poderás saber se não a encontrares por si mesmo, sem gurus , sem organizações ou grupos?

Pense nisso e depois não diga que ninguém o avisou!

Namastê!
Alsibar

http://alsbibar.blogspot.com

12 comentários:

  1. ola alsibar boa tarde,

    Leio o seu blog faz algum tempo tenho 22 anos, achei o blog procurando informações sobre Krishnamurti, aprendi muita coisa aqui e principalmente vendo os videos de Krishamurti no Youtube, comecei a meditar faz algum tempo e o que percebo é que a maioria do tempo somos escravos do pensamento compulsivo ,sempre reagindo e nunca agindo, e só começamos a perceber isso observando a mente, quando os pesamentos se tornam conscientes vemos a loucura que é nossa mente, outra coisa também que acho que muito importante é a atenção, ela faz você desautomatizar você realmente começa a viver, comer prestando atenção na mastigação, andar prestando atenção no toque do pé no chão e todo o resto, mas isso não e a questão, a minha duvida e sobre o tal do "EU", quando estou meditando e coloco a questão "QUEM SOU EU" não tenho resposta alguma, mas ai fica a duvida "QUEM" faz a pergunta? é só outro pensamento, quem está escrevendo esse texto?, mas mesmo assim quando a mente está bem quieta ainda me sobra a percepção de que existe algo mais ainda não sei o que é,

    obrigado Alsibar seu blog ajuda muito

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    1. Ola Gabriel tudo bem?

      Grato por suas palavras. Quando não houver mais nem perguntas, nem respostas- nem o perguntador. Não será isso - em si mesmo - a libertação ? Não procure saber o que é isso. Ninguém nunca soube... apenas sentiu.

      Fraterabraços amigo!
      Namastê!

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    2. Olá Gabriel, li o seu comentário e gostaria de dizer que a mesma dúvida acontece comigo também. No meu caso, às vezes estou em puro silêncio, mas aí, esta pergunta "quem sou eu" surge em minha mente. Acredito que esta pergunta seja apenas um pensamento, coisa meramente mental que vem da memória. Em razão de eu já ter ouvido muitos mestres recomendarem essa pergunta, ela acabou se transformando em algo como um "questionamento imprescindível" (obrigatório) para a autodescoberta. No meu caso, essa pergunta acaba "atrapalhando" aquele momento de quietude e ausência de pensamento, pois induz a mente a procurar uma resposta. Sendo a verdade uma terra sem caminhos, não pode haver regras nem conceitos para realizá-la, pois assim, estar-se-ia limitando a própria verdade. Estou convencido de que essa pergunta "quem eu sou" não é imprescindível, assim como considero estarem equivocados aqueles que advogam que a presença de um guru é imprescindível para a iluminação. A verdade não pode estar limitada a uma coisa ou a outra, embora o guru ou o questionamento ou qualquer outra prática possam colaborar, a depender de cada caso. Acho que o mais induvidoso é permanecer em silêncio, notando todos os pensamentos que surgirem, mas sem considerá-los reais, pois os pensamentos são meros fragmentos do passado, que nada têm a ver com a realidade, que é sempre presente e não conhece limites.

      Um abraço e luz.

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    3. Ola Rogério,

      Valeu por sua participação... mas me permite uma sugestão? Tente não ligar, não se preocupar com os pensamentos. Mais importante é observar, se "concentrar" naquele "espaço" em que eles- de repente- ficam ausentes.

      Fraterabraços!

      _/\_

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    4. Ola Boa noite,

      exatamente, o que penso é que o "eu" ou EGO, não pode desaparecer, digo a individualidade, parece que mesmo que a mente esteja em profundo silencio ainda resta a sensação de que o "eu" exista, mas não e só um pensamento, pelo menos eu fico com essa sensação, mas acho que a dica que o Alsibar deu e que vários outros deram é a mais importante a observação sem julgamento algum,


      obrigado

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    5. Valeu amigo Alsibar!

      Quanto mais a gente se interessa nos pensamentos (mesmo que seja com o fim de entendê-los ou eliminá-los), mais eles ganham relevo, e o foco "naquilo" acaba sendo perdido.

      Mooji fala em ter uma atitude NEUTRA em relação aos pensamentos, ou seja, uma atitude desinteressada, sem interesse em se aproximar e sem interesse em se afastar (sem convidar e sem rejeitar). Porque o interesse (positivo ou negativo) por algo, acaba naturalmente atraindo nossa atenção para esse algo.

      Muita luz na caminhada!

      Abraço!

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  2. Bom texto, Alsibar. Apesar de eu ser bem simpático ao "enfoque" Advaita. Abraços

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  3. Olá Alsibar! Esse texto me lembrou uma reflexão de Ken Wilber: http://www.saindodamatrix.com.br/archives/2007/10/ken_wilber_ause.html

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  4. "Deveríamos nos tornar aptos a ver Deus todo poderoso, o Ser Supremo, até mesmo em nossos inimigos, pois esse é o sinal do estado de ausência de ego. Aquele cujo ego se foi é o verdadeiro Sadhu (o Santo). A natureza das pessoas consiste em encontrar faltas nos outros, mas a natureza do Sábio não é olhar os pontos ruins ou o que está faltando nos outros. Como pode alguém que está preocupado com o que é bom ou ruim nos outros ser um sábio? O sábio é diferente de tais pessoas, ele se comporta de maneira diferente das pessoas do mundo. A natureza de um homem mau é não ver nada de bom nos outros. O homem que é realmente grande vê o que é bom nos outros e sabe que é a própria “Luz de Deus” que está brilhando dentro de si.
    Seja gentil com todos e você não sentirá necessidade de nada. A compaixão por todos os seres é a melhor maneira de destruir a rede da Ilusão. Não há nenhum pecado pior do que a fofoca maldosa."

    Sri Siddharameshwar Maharaj

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  5. Leia o meu último artigo com o tema: " Sobre gurus e falsos gurus", link abaixo :

    http://alsibar.blogspot.com.br/2014/02/sobre-gurus-e-falsos-gurus.html#comment-form

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  6. "Deveríamos nos tornar aptos a ver Deus todo poderoso, o Ser Supremo, até mesmo em nossos inimigos, pois esse é o sinal do estado de ausência de ego. Aquele cujo ego se foi é o verdadeiro Sadhu (o Santo). A natureza das pessoas consiste em encontrar faltas nos outros, mas a natureza do Sábio não é olhar os pontos ruins ou o que está faltando nos outros. Como pode alguém que está preocupado com o que é bom ou ruim nos outros ser um sábio? O sábio é diferente de tais pessoas, ele se comporta de maneira diferente das pessoas do mundo. A natureza de um homem mau é não ver nada de bom nos outros. O homem que é realmente grande vê o que é bom nos outros e sabe que é a própria “Luz de Deus” que está brilhando dentro de si.
    Seja gentil com todos e você não sentirá necessidade de nada. A compaixão por todos os seres é a melhor maneira de destruir a rede da Ilusão. Não há nenhum pecado pior do que a fofoca maldosa."

    Sri Siddharameshwar Maharaj

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