quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

OS DOIS KRISHNAMURTIS- The two Krishnamurtis



   Nesse artigo, Peter Holleran faz uma síntese da trajetória dos dois Krishnamurtis e analisa aspectos polêmicos de suas vidas e ensinamentos. Apesar de não concordar ao todo com sua visão- principalmente quando cita  Ramana, Papaji e Paul Bruton como parâmetros para fundamentar sua opinião- considero-a bastante conciliadora e sensata. Vale a pena se abrir para ouvir algo novo- mesmo que esse novo possa abalar a imagem de dois dos mais influentes ícones da espiritualidade contemporânea.Boa leitura!


  J. Krishnamurti, UG Krishnamurti, Shree Atmananda, Papaji e Ramana Maharshi são todos exemplos de mestres espirituais -  considerados sábios por muitos - que tiveram, no início da vida, muitas experiências místicas, ióguicas e espirituais, mas que passaram a renegar o seu valor em favor da simples e silenciosa  percepção da consciência. Apenas Ramana geralmente  acolhia bem práticas diversas entre seus discípulos , além da  pura jnana ou auto-investigação, percebendo sua falta de preparação ou de afinidade com tal caminho, e também reconhecendo a eficácia de outros caminhos, como bhakti ou devoção. Não será verdade que todos esses professores se beneficiaram de suas experiências e práticas anteriores, mesmo que mais tarde tenham repudiado seu valor? Se não, mesmo que milhares de anos de ensino e interação guru-discípulo tenham sido de pouco valor, e os atuais não-dualistas estejam certos: tudo o que uma pessoa tem a fazer é compreender, sem a necessidade de nenhuma mudança, preparação ou qualquer tipo de purificação . As primeiras duas figuras citadas, negaram completamente a necessidade de um instrutor,  mesmo que tenham curiosamente assumido esta função por sua própria negação. Neste ensaio, vamos examinar a vida dos "dois Krishnamurtis" sob este foco, examinando o paradoxo e a contradição em prol  de nossa compreensão.

 Jiddu Krishnamurti (1896-1986) é ,de longe o mais conhecido dos dois, era um jovem sombrio e melancólico, quando, com a idade de doze anos, foi flagrado pelo teósofo Leadbeater que percebeu algum presságio  em sua aura. Leadbeater sugeriu ao pai de Krishnamurti (ele próprio um teósofo local) que seu filho poderia ser o novo messias e seria melhor educá-lo sob os cuidados de Emily Luytens (esposa do ilustre Edwin Luytens, o "arquiteto" do New Delhi), que se tornou sua nova "mãe". Sob os cuidados dos teosofistas (cuja  principal influência era de Leadbeater) Krishnamurti levou uma vida protegida e incomum. Ele não era particularmente inclinado à espiritualidade, mas tinha algo de romântico,  chegando a afirmar, muitas vezes, que ele era "meio apaixonado pela morte fácil." Com a perda precoce e inesperada de seu irmão (seu companheiro mais próximo, que também foi criado por Theosofistas juntamente com ele) Krishnamurti sofreu um terrível e esmagador golpe. Sua mente tomou um rumo sério, e ele passou a sentir que estava sendo usado pelos teosofistas para fins políticos. 

Aclamado por Annie Besant como a reencarnação de Jesus Cristo (um movimento que levou Rudolph Steiner a romper com ela e formar a Sociedade Antroposófica), Krishnamurti, em 1929, denunciou a reivindicação, dissolveu a "Ordem da Estrela", negou que era um guru, mestre espiritual, ou avatar, e desde então, até o fim de sua vida nunca admitiu ter discípulos. Em um comunicado, ele, então, escreveu anunciando que seu papel dali por diante seria ser um livre pensador, não um mestre, e que "a verdade é uma terra sem caminhos . "Embora ele tenha tido inúmeras experiências místicas / kundalini quando  estava com os teosofistas, ele aparentemente nunca se associou fisicamente com um verdadeiro mestre espiritual de maior calibre, e seu futuro repúdio da relação  entre mestre e discípulo – relação esta apoiada nas escrituras- parece ter sido -pelo menos em parte- uma reação às circunstâncias aberrantes de sua educação e sua associação moralmente duvidosa com Leadbeater . Na obra curta, mas poderosa, Aos Pés do Mestre (do qual Leadbeater pode ter sido o autor), ele respeitou a tradição da relação guru-discípulo (1), mas depois fez uma completa reviravolta e afirmou energicamente, com vários argumentos, que era desnecessário e até contra-produtivo,  se ter um guru ou mestre. 

Na verdade, Krishnamurti  teve instrutores, e até  usou esta posição em prol dos outros (apesar de seus protestos em contrário), mesmo assim, ele fez uma carreira com críticas baseadas naquilo que ele viu (não sem alguma razão) como uma insidiosa instituição oriental .  
Foi, sem dúvida, seu contato com certos recursos internos, no entanto, que  deu início em 17 de agosto de 1922- continuando até 1924 e por várias décadas depois disso- o que ele chamou de "o processo". Estes foram essencialmente anos de experiências místicas de transformações psíco-físicas, com aparente manifestação da kundalini , dor aguda na cabeça e na coluna (ver "A viagem pathless de Jiddu Kirshnamurti" para saber mais sobre essas experiências).   

As experiências de JK com mestres internos não terminou quando ele dissolveu a Ordem da Estrela e deixou a teosofia , como muitos podem supor, mas ambos: Aquilo e "o processo", continuaram ao longo de sua vida. Em 1948, quando ele tinha cerca de 53 anos de idade, Luytens escreve:   

"K havia saído para um passeio com elas, então ele disse que se sentiu mal e devia voltar para a casa. Ele pediu-lhes para ficar com ele e  que - acontecesse o que acontecesse-  não ficassem assustadas , e que  não chamassem  o médico . Ele disse que estava sentindo dor de cabeça. Depois de um tempo, disse que estava "saindo". Este 'saindo' era o que sempre acontecia no passado, durante o “ processo”. K deixava seu corpo sob o comando do que nós costumávamos chamar de “ elemental físico” -uma entidade infantil que tinha grande reverência e temor por K . Seu rosto estava cansado e cheio de dores. Ele perguntou-lhes quem eram e se elas conheciam Nitya (irmão de K, que morreu anos antes). Ele então falou de Nitya, contou-lhes que ele estava morto e que ele o amava e chorava por ele. Ele perguntou se elas estavam nervosas, mas de forma alguma  pareceu  interessado ​​na resposta. Ele mesmo parou de chamar para que Krishna  voltasse:. '. ele me disse para não chamá-lo.“Ele então, falou da morte. Disse que ela estava tão perto -" apenas um fio de linha' -  quão fácil teria sido para ele .. morrer, mas ele não queria porque tinha um trabalho a fazer. No final, ele disse: "Ele está voltando. Você vê todos aqueles com ele ? Impecáveis, intocados, com certeza - agora que estão aqui, ele virá . Estou tão cansado, mas ele é como um pássaro -  sempre fresco”  .
K. e Pupul Jayakar

"Na noite seguinte Pupul e Nandini novamente esperaram por ele em seu quarto enquanto ele foi para uma caminhada solitária. Quando retornou por volta das sete, ele estava "  estranho " ...., mais uma vez ele foi se deitar . Ele disse que se sentia queimando, queimando  tudo. Ele estava chorando  e então disse: 'sabe… eu descobri o que aconteceu naquela caminhada. “Ele” veio e tomou de conta totalmente, completamente. É por isso que eu faço.. . não sabia se eu voltaria- eu não sabia de nada.  Eles haviam me queimado de modo que  pudesse haver mais vazio. Eles querem ver o quanto “dele” podia vir. '. Posteriormente Krishnamurti comentou: " que aquela passou realmente de raspão. Aqueles sinos quase dobraram ante o meu funeral. "     

 Há uma boa quantidade de material como esse em toda a trilogia biográfica escrita por Luytens, com o objetivo de preparar e experimentar Krishnamurti para ser um "canal" para o "outro", presumivelmente Maitreya. Há também uma discussão sobre o que Krishnamurti pensava,  anos mais tarde , sobre esta ideia, e até mesmo uma história interessante, sugerindo que este era de fato "o outro". Infelizmente, Krishnamurti não teve professores em corpo físico para trabalhar com ele e confirmar ou prepará-lo ainda mais.  

Mais tarde, Krishnamurti, ou " K ", como ele preferia ser chamado,  pareceu negar a validade, a necessidade, ou a legitimidade dessas experiências (se referindo a elas como meros" incidentes ") e também, posteriormente, todo o processo de intermédio espiritual de um mestre autenticamente realizado. Se ele realmente sentia que suas experiências particulares foram necessárias e úteis para as fases mais maduras de seu próprio desenvolvimento espiritual, ele, no entanto, manteve seu argumento de que a submissão a um guru- ou recorrer ao mesmo para pedir ajuda- não eram importantes de modo algum. Aliás, o artigo no link acima  mencionado sugere que, depois das visões místicas em seus primeiros anos, os aspectos espirituais mais significativos na maior parte de sua vida, foram, para K. uma mente vazia e uma benigna, protetora e orientadora "sensação de presença" . Somente com a idade de oitenta e cinco anos ele realmente pareceu ter tido uma experiência mais profunda ou vislumbre com aquilo que Paul Brunton (PB) viria a chamar de “Eu Superior”, mas isso, na maneira como ele descrevia, não ficava claro. Durante os últimos anos de sua vida, ele disse que podia sentir a Presença o tempo todo com ele. 

Em suma, o estilo e a natureza do ensino avançado de Krishnamurti ao longo dos anos foi uma crítica útil em relação à Teosofia com seu misticismo- em geral- inferior e subjetivo. Mas pode-se argumentar que ele não fora longe o suficiente, e presumira uma capacidade em seus ouvintes que estava além de suas reais habilidades , de forma que não conseguiu a eficácia de levá-los à verdadeira realização. Ele teve uma influência purificadora sobre o ambiente espiritual e oculto de sua época, ainda que não tivesse um escopo abrangente. Seus alunos , em grande parte, foram levados para a prática do que ele chamou de "percepção sem escolha", geralmente limitada a uma disciplina intelectual ou cognitiva, mas não foram informados ou auxiliados para um verdadeiro progresso  através  dos estágios  avançados da prática espiritual. Naturalmente, esta é um coisa que Krishnamurti poderia alegar que estava tentando deliberadamente desencorajar:  a própria ideia de que não existe tal coisa como um progresso. Seu principal e honrado propósito era levar as pessoas  para além da faculdade conceitual da mente, além dos preconceitos e preconcepções, para  um estado de consciência mais perceptiva. Isso é valioso, sem dúvida, mas é apenas o começo, e em si mesmo passível de cair em uma "escola que apenas fala" de prática.   

O processo espiritual é considerado pela maioria dos santos e sábios uma provação ativa e a pessoa precisa de ajuda para isso.Num contraste gritante com a intensidade das experiências de sua juventude, e apesar dos esforços  para  criar uma prática espiritual somente na base dos seus argumentos, muitas pessoas adquiriram a visão- através de leituras de livros e frequentar palestras- que a contemplação e a intelectualização filosófica são práticas suficientes para a realização da Verdade. Para alguns poucos, com necessário background, isso pode realmente ser assim. No entanto, para muitos, infelizmente, não é. Por exemplo, a atitude de "testemunha" recomendada por ele é essencialmente o de uma personalidade presa-no- corpo que observa a si mesmo e a natureza, e não daquela consciência, que testemunha o eu, senhor do corpo-mente, numa fase madura da prática, tal como ensinada por Ramana Maharshi. Tal estágio avançado geralmente requer muitos meios de apoio para a sua realização. Mesmo assim, Krishnamurti teve o benefício de cedo ter despertado  a yoga (união) e isso, sem dúvida, lhe deu  energia e atenção de sobras para os exercícios contemplativos que advogou para a maioria dos seus seguidores. Mesmo assim, ele não ensinou como chegar a esse estágio. Assim Krishnamurti pode ser considerado como um pratyekabuddha , ou alguém que despertou, mas que não é realmente capaz de ensinar  aos outros ou orientá-los para a iluminação - por causa de sua própria falta de desenvolvimento, e também por que não passou através de todos  os estágios de desenvolvimento em uma única vida. Como PB escreveu:  

  "Há iluminados que não conseguem derrubar a ponte de onde estão para onde eles já estiveram uma vez, para que outros também possam atravessar. Eles não sabem ou não conseguem descrever em detalhes o caminho que os outros devem seguir para atingir a meta. Esses homens não são mestres do ensino, e não devem ser confundidos com eles ... O iluminado que nunca foi um aluno, que de repente ganhou seu estado pelo inexorável bom karma de vidas anteriores, é menos capaz de ensinar aos outros do que aqueles que de forma lenta e laboriosamente trabalharam  em seu caminho até alcançarem aquele estado - que recorda os ensaios, as armadilhas e dificuldades que tiveram de superar " (1a)
   
A verdadeira atitude de testemunha requer, tradicionalmente, uma libertação da atenção da natureza limitante dos cinco sheaths ou camadas sobre a alma e de sua ligação terrena que se origina na raiz do coração . Isso raramente é alcançado sem uma grande dose de maturidade e ajuda. Para liberar a mente conceitual  de sua reatividade para uma "consciência sem escolha" que leva à identificação com a “testemunha-transcendental” que é o “Eu”, apenas com a plena maturidade da prática, pois não é apenas um exercício mental, mas uma vida em que o corpo-mente é submetido ao que o-sustenta e o- transcende. Do contrário a tal "não-dualidade" é reduzida a mera conversa.   

Não é nossa intenção encontrar falhas nos mestres espirituais ou adeptos, pois tal tarefa é repleta de perigos. 
"Aquele que tenta distinguir um Santo de um Santo começa  a ir direto para o inferno." - Kirpal Singh (2) 
"A extensão da iluminação de qualquer outro homem não é facilmente mensurável, muito menos em casos em que o outro não está mais vivo ou se nunca fora  pessoalmente encontrado. " - Paul Brunton (3)   

Por outro lado, a discriminação é toda a proteção que temos, e deve ser utilizada em sua plena capacidade. Também foi dito: "Pelos seus frutos os conhecereis." Krishnamurti , quando da aproximação de sua morte, ligado a um gotejamento de morfina por causa de um câncer doloroso nível IV, lamentou que nenhum de seus alunos tenham entendido o que ele havia dito. De acordo com o livro, “Mil Luas” , o autor, Asit Chandmal, um amigo de Krishnamurti, pergunta: "Será que nem mesmo um único ser humano  foi transformado como resultado da aplicação de seu ensino? Krishnamurti respondeu: Esta questão me traz lágrimas aos olhos ... " Antes de morrer, ele disse em um gravador: "Até onde eu sei… ninguém entendeu."  
 Além disso, ele confessou o que eu acho bastante incomum à luz da natureza geral do seu ensino, que ele mesmo havia falhado no que ele considerava  ser essencial para o desenvolvimento espiritual : a transmutação das células cerebrais- algo que eu esperaria ouvir  mais de alguém como Sri Aurobindo do que de JK .   

Brunton era da opinião de que, enquanto Krishnamurti via muito de auto-engano e exploração na religião e misticismo, ele ainda estava lutando contra a verdade e não iria terminar o seu sadhana até que ele aceitasse um guia genuíno. (4) Por outro lado, ele também observou uma vez: que o que Krishnamurti ensinou foi absolutamente correto, mas relativamente inacessível para 99% dos seus seguidores. No entanto, ele, sem dúvida, ajudou muitas pessoas, e o Dalai Lama elogiou-o, dizendo: "Krishnamurti é um dos maiores filósofos da época." Sri Nisargadatta Maharaj foi mais longe ao dizer: "As pessoas que não entendem Krishnamurti não entendem a si mesmas." Ele era um iconoclasta e um indivíduo de extrema auto-confiança, este era o seu gênio, mas talvez também sua limitação. Para muitos ouvintes, a tal "consciência sem escolha", por si só leva facilmente a um esforço intelectual, ou mesmo nenhum esforço, o que torna sem prática e sem realização, um caminho vago, e o "caminho sem-caminho"- um conceito  em que ego pode facilmente se esconder dentro. O conselho para manter a mente "aberta", e sem nenhum esforço para controlá-la  tornando-a algo desinteressante, é um bom  - mas apenas para quem desenvolveu alguma habilidade preliminar para cultivar um centro de consciência. Simplesmente relaxar a mente como principal disciplina antes de ter desenvolvido mindfulness ou lembrança-de-si em um grau significativo, é arriscar definhar no subconsciente com pouco progresso real feito. É por isso que ninguém - ou muito poucos - 'compreenderam'.

 Uppaluri Gopala (UG) Krishnamurti (1918-2007) foi criado por seus avós maternos em Masulipatam, sul da Índia. Seu avô também era um teosofista e o garoto foi exposto aos ensinamentos de muitas filosofias, religiões, ocultistas, gurus e especialistas de sua infância. (Por um momento, apenas imagine o quão diferente era isto da maioria dos baby-boomers ( bebês nascidos no pós-guerra), que passaram os anos de sua formação principalmente assistindo TV!) . Nesse sentido, ele foi semelhante ao J. Krishnamurti (nenhuma relação). Entre as idades de quatorze e vinte e um anos ele praticou diferentes tipos de yoga, incluindo passar sete verões na companhia do renomado Swami Sivananda em seu ashram em Rishikesh, e experimentou muitas formas de estados de transe, mas sentiu que nenhum deles era o equivalente à libertação ou moksha. Isto em si mesmo é um surpreendente insight para alguém em uma idade tão jovem. Certa vez, ele conheceu o grande Ramana Maharshi e pediu ao sábio para "dar-lhe tudo o que tinha", mas Maharshi respondeu: "Eu posso te dar, mas você pode levar?" Isto chocou UG  e levou-o a questionar: "o que é isto que você tem, e por que eu não posso levar? ". Ele, então, sentiu que tinha de seguir o seu próprio" rumo desconhecido "e encontrar a resposta para esta pergunta”.  Ele deixou Ramana, embora mais tarde tenha admitido que o encontro mudou o curso da sua vida e colocou-o no "caminho certo". Isto é revelador daquilo que UG viria a argumentar depois que "ninguém poderia ajudar ninguém a perceber a Verdade" mas como ele podia saber se  a transmissão invisível de Ramana não fora o agente da graça em seu benefício ? Por que ele não ficou por lá por um tempo para ver?  

 Quando seu avô morreu UG herdou uma grande soma de dinheiro, o que lhe deu  relativa liberdade para continuar sua busca. Ele tornou-se ativo na Sociedade Teosófica e deu aulas por dez anos [Por quê? Foi apenas pelo dinheiro?- Pois tudo indica que UG não acreditava mais neste tipo de ensinamentos]. No final da década de 1940 começou a envolver-se com J. Krishnamurti (nos últimos anos viveu perto dele, na Suíça, e um divertido jogo começou com as pessoas indo de um Krishnamurti para outro) e ouviu JK por sete anos antes de realmente conhecê-lo pessoalmente. Depois de uma série de diálogos diários entre os dois, UG chegou à conclusão, para sua grande decepção, que o "outro Krishnamurti" não podia comunicar o que ele queria saber além  do  Ramana Maharshi já havia feito, e ele deixou-o também. Mais tarde, ele ridicularizou JK, referindo-se a ele como "a solteirona", vítima de um "pensamento distorcido", uma "fraude completa", e um " vitoriano que vive jorrando besteira pura."
  
Em seus vinte e poucos anos UG casou-se e, por fim, teve quatro filhos. Ele sentiu logo depois do dia da celebração que o casamento tinha sido um erro. Ele gastou a maior parte da fortuna que recebeu de seu avô com tratamento médico para seu filho mais velho, e garantiu a sua esposa um trabalho na World Book Encyclopedia para que ele pudesse seguir sozinho. Ele se mudou para Nova York, depois para  Londres, e depois Paris. Finalmente, falido e sozinho, ele se descreveu assim: 

  "Eu era como uma folha soprada por um vento inconstante, sem passado ou futuro, sem família, nem carreira, nem qualquer tipo de realização espiritual. Eu estava lentamente perdendo a minha força de vontade para fazer qualquer coisa. Eu não estava rejeitando ou renunciando ao mundo. Eu estava apenas se afastando de mim e eu me sentia incapaz e sem vontade de segurar-me " (5)   

Neste ponto UG entrou no consulado indiano em Genebra e se rendeu à sua misericórdia, pedindo para ser repatriado para a Índia. A secretária do Consulado, Valentine deKerven, sentiu solidariedade por UG , viveu com ele e o sustentou pelos próximos quatro anos. Durante este período UG não fazia nada: "Eu dormia, lia a revista Time, comia, e saia para passear com Valentine ou sozinho - e isso era tudo." Os dois viveram como emigrantes proprietários de casas , passando seus verões no vale suíço de Saanen, onde J.Krishnamurti mantinha conversações e reuniões.   

Desde a idade de trinta e cinco UG começou a ter fortes dores de cabeça e tomava grandes quantidades de café e aspirina para lidar com a dor. Segundo o biógrafo Terry Newland, UG começou a parecer mais jovem neste momento. Naquela época, ele tinha quarenta e nove anos mas parecia que tinha dezessete ou dezoito anos, depois disso ele envelheceu novamente. Ele começou a ter períodos que chamou de "Headlessness" (Sem cabeça) e desenvolveu várias habilidades ocultas, que ele chamou de "poderes e instintos naturais do homem." 
     Em seu  quadragésimo nono  ano, UG começou a sentir um upheavel ( comoção) dentro de si, que durou seis anos e terminou no que ele chamou de "calamidade". Ele descreveu isso como sendo um "simples definhamento da vontade", culminando em uma experiência de morte que posteriormente produziu mudanças físicas em seu sistema inteiro. Ironicamente, isso aconteceu enquanto ele ouvia uma palestra de J. Krishnamurti sobre o "homem livre" que aparentemente catalisou este evento final. Ele sentiu como se JK estivesse descrevendo ele ... Depois disso, ele pensou:  

"Eu procurei em todos os lugares para encontrar uma resposta para a minha pergunta: Existe iluminação? mas nunca questionei a própria busca. Porque eu assumi a meta- iluminação, existe!- eu tive que procurar, e a própria busca  foi me sufocando e me mantendo fora do meu estado natural. Não existe tal coisa como iluminação espiritual ou psicológica , porque não existe tal coisa como espírito ou alma- em absoluto. Tenho sido um tolo toda a minha vida, em busca de algo que não existe. Minha busca está terminada. " (6)   
  "Todos aqueles que procuram haverão de encontrar ", disse Cristo. Então UG procurou muito e encontrou a resposta- mas não foi o que ele estava esperando. Apesar disso, sua busca foi proveitosa. O aparente colapso da "estrutura" ou a identificação com um “eu” separado liberou grande energia no corpo de UG . 

  "Foi um prelúdio para a sua" morte clínica "em seu quadragésimo nono aniversário, e o início das mais incríveis mudanças corporais e experiências que iriam catapultá-lo a um estado que é difícil de entender dentro da nossa até então conhecida  iluminação tradicional ou mística . Suas experiências não foram as experiências felizes ou transcendentais que a maioria dos místicos falam, mas uma 'tortura física' desencadeada por uma explosão de energia em seu corpo que finalmente deixou-o no que ele chamou de "estado natural". 
  
 "Durante sete dias, o corpo de  UG  sofreu grandes mudanças. Toda a química do corpo, incluindo os cinco sentidos, foi transformada. Seus olhos pararam de piscar, sua pele ficou macia, e quando ele esfregava qualquer parte de seu corpo com a palma da mão, produzia uma espécie de cinzas. Ele desenvolveu uma mama feminina em seu lado esquerdo. Seus sentidos começaram a funcionar de forma independente e em seu pico de sensibilidade. E a glândula timo, que, segundo os médicos está ativa durante toda a infância e, em seguida, torna-se adormecida na puberdade, foi reativada. Todos os pensamentos do homem desde tempos imemoriais, todas as experiências, sejam boas ou ruins, felizes ou infelizes, ótimas ou horríveis, místicas ou comuns, experimentada pela humanidade desde os tempos primordiais (toda a 'consciência coletiva') foram jogadas para fora do seu sistema, e no sétimo dia, ele "morreu ", mas apenas para renascer em " consciência indivisível ".Foi uma viagem maravilhosa e um grande  e repentino salto  para o estado primordial intocado pelo pensamento. "(6a)  

Experiências kundalínicas ocorreram, e várias vezes ao dia, ele experimentou uma parada (shut-down) de todos os processos do corpo, em que a frequência cardíaca e a temperatura corporal diminuíram drasticamente e todo o seu corpo ficava rígido. Apenas quando o “desligamento” parecia estar quase completo  é que seu sistema voltava novamente até que tudo estivesse funcionando normalmente.   

 Um ano depois, UG não falou ou não podia falar, mas depois ele começou a falar incansavelmente. Ele insistia que a "calamidade" aconteceu sem a sua vontade e apesar de sua formação religiosa e espiritual [como ele sabia disso?], e que ele não podia ser usado como um modelo a ser repetido por outros. Devido às mudanças físicas em seu corpo, UG argumentou, por vezes, que a iluminação era um acontecimento mais fisiológico do que psicológico. De uma certa forma, nisto ele estava certo, uma vez que é a própria psique que é transcendida, mas a iluminação ou realização- se as escrituras e a confissão dos realizados puderem ser o nosso guia-não é apenas uma transformação física, mas uma total realização psico-físico e espiritual na e da consciência. Costuma-se dizer que é a realização da própria Consciência, com efeitos muitas vezes secundários no corpo-mente, que podem variar  de indivíduo para indivíduo. Como os estados Wei Wu Wei ( que é um aspecto importante a se notar, mas que ainda sentimos como sendo apenas parte de uma transformação total):  
 
 "Nada acontece...nada, nada é alterado, não há nenhum evento psico-somático- em absoluto; a mente não é afetada.É apenas a recuperação de uma visão clara. Não tem existência objetiva: é puramente um ajuste subjetivo. Não é fenomenal: ele não tem impacto direto sobre corpo-mente. É inteiramente numenal: sua existência é intemporal, e ele não se manifesta fenomenalmente.É essencialmente impessoal - a impersonalização de uma pseudo-psique individual. É um olhar na direção certa: é uma súbita compreensão de que não há “Eu” sujeito ao tempo. " (6-B)   

É um pouco difícil levar a sério a afirmação de UG , de que foi um processo completamente aleatório, sem ajuda de ninguém, incluindo mestres espirituais, santos ou sábios, a quem ele sentia, como JK, que eram fraudes em sua maioria. Quem sabe, no entanto, talvez a sua busca teria terminado muito mais cedo se ele tivesse ficado com Ramana Maharshi? Talvez não. Em qualquer caso, é óbvio que UG teve muita ajuda, incluindo aqueles que o instruíram no começo de suas práticas quando jovem. A graça de Deus na forma de seu avô, que lhe deixou uma boa soma de dinheiro, a simpática senhora do consulado que o apoiou durante anos, a presença de Maharshi e a influência do ensino de J.Krishnamurti. Mesmo assim UG declarou:

 . "Eu descobri sozinho e por mim mesmo que não há nenhum “eu” para se realizar – é esta a realização sobre a qual estou falando.Isto vem como um golpe devastador [talvez, se você não está esperando por isso]. Ele bate em você como um raio [talvez de novo, ou pode "cair como uma suave chuva do céu"]. Você investiu tudo em uma "cesta", auto- realização, e, no final, de repente, você descobre que não há nenhum “eu”  para descobrir, nenhum “eu” para realizar [nenhum “eu” sobre o qual você possa pensar ] - e você diz para si mesmo: 'O que diabos eu estava fazendo toda a minha vida ! Aquilo destrói você [mas "quem" diz isto? "Quem é destruído?]. 

    Todos os tipos de coisas aconteceram comigo - eu passei por isso, veja . [ novamente, 'quem' passou por isso?] A dor física era insuportável - é por isso que eu digo que você realmente não quer isso. Eu gostaria de poder lhe dar um vislumbre disso, um toque disso - então você não iria querer tocar nisso de forma alguma [que é a finalidade da prática, e , como disse Ramana Maharshi, da companhia do sábio, de modo que você vai gradualmente se acostumando com isso e não vai temer tal estado- que é a sua verdadeira natureza, o Eu, ou não-eu, faça sua escolha: a realidade] . O que você está buscando não existe,.. é um mito. Você não iria querer nada que tivesse a ver com isso!”

  "Meu interesse é apontar a absoluta impossibilidade de fazer o que quer que seja para atingir o estado natural … Para aqueles que chegam, porque seriamente desejam me entender, tudo o que posso dizer é que eu não tenho nada a dizer [parece que ele disse muito]. Eu não posso ajudar ninguém, e ninguém mais pode. Você não precisa de ajuda; pelo contrário, você precisa estar totalmente desamparado - e se você procurar alcançar esse desamparo com a minha ajuda, você estará perdido. "   

"É uma entrega total, jogando a toalha, jogando na esponja - e o que sai disso é jnana (sabedoria) ... Todos aqueles para quem esse tipo de coisa aconteceu realmente trabalharam muito duro [exatamente] , tocaram no fundo do poço, apostaram tudo. Isto não vem facilmente. Ele não é entregue a você numa bandeja de ouro por alguém " (7) [mas porque "apostar tudo" se é "algo que ninguém quer", e "não é atingível? UG não deixa nada -. ​​O que -supostamente- era sua intenção]   

É difícil não concordar com UG em certos pontos, e sua franqueza é refrescante. Duas coisas podem ser ditas, no entanto. Uma: se é como ele alegou que ninguém pode ajudá-lo, então por que ele se preocupou em ensinar? Além disso, se ninguém pode ajudá-lo, por que o seu encontro com Ramana Maharshi colocou-o "no caminho certo"? E por que seu despertar coincidiu de acontecer justamente durante uma palestra de J. Krishnamurti que parecia descrever seu próprio estado tão profundamente? UG parece ter sido desnecessariamente obscuro aqui, e isso pode ser simplesmente porque sua própria formação ( background) não preparou-o totalmente, nem ele estava purificado o suficiente para lidar com os acontecimentos de seu despertar sem grande comoção e trauma. Ou ele não compreendeu totalmente, a fim de ser capaz de ensinar aos outros de uma forma eficaz, em vez de enigmática. Já para Ramana não havia tanta agonia ou espanto. Além disso, as escrituras concordam que o ego deve perceber sua impotência , mas também que há certamente ajuda para tal revelação. Esforço e graça coincidem, e as tradições proclamam que a companhia de sábios iluminados -se alguém puder encontrar um- pode ser um agente da graça que ajuda na efetiva realização de um indivíduo preparado . Tal graça não funciona de um modo arbitrário, mas em uma divina  e espontânea sincronia, com muito mais  eficácia em níveis que são inconscientes para a  mente do praticante que está despertando.   

Todavia, é possível que o despertar da UG tenha sido resultado de um recepção tardia da transmissão do Maharshi. É verdade que ninguém pode ajudá-lo enquanto ego, mas argumentar que a ajuda divina não está disponível para minar o ego, ou que o Ser não se manifeste na auto- investigação, é injustificável. Tudo o que precisamos fazer é comparar o encontro de UG e Ramana, com o relato de Papaji sobre sua própria realização pela graça do Maharshi. [Papaji também teve muitas experiências místicas ao longo de sua juventude e praticou muitos sadhanas antes de vir até o sábio. Ele estava maduro. Sua mente tinha conseguido a devoção que aponta para o UM e ele podia ver a forma de seu ishta-guru Krishna à vontade. Ele, então, chegou ao estado de quietude mental, e recebeu um golpe final de Ramana que transformou totalmente o seu ser. É verdade que ele disse que se  tivesse ouvido falar da investigação de Ramana "Quem sou eu?" quando ele tinha seis anos de idade, isto teria lhe poupado anos passados ​​em devoção, mas quem sabe como isso aconteceria para outra pessoa?] Sim, ninguém torna-se iluminado. Como Adyashanti disse, apenas a iluminação torna-se iluminada. Ou, nas palavras de PB, a Mente Vazia conhece a si mesmo.Mas, será que mesmo isso é verdade? É dito que o ego morre no coração e o Self é realizado. No entanto, é o  Eu Absoluto que é realizado desta forma ou a alma? O despertar é paradoxal, mas não é tão desprovido de articulação como UG tenta fazer parecer. Milhares de pessoas já trilharam este caminho antes dele e deixaram o seu testemunho.

UG continua: "Eu não tenho mensagem para a humanidade, mas de uma coisa eu tenho certeza, eu não posso ajudá-lo, eu não posso ajudá-lo a resolver o seu dilema básico ou salvá-lo de seu auto-engano, e se eu não posso te ajudar, ninguém pode". (8)   

É claro que UG ou qualquer outra pessoa como um ego não pode ajudar a resolver o dilema básico de qualquer pessoa da falsa identificação, do sentir-se separado, mas o dilema pode ser revelado, isto se o discípulo estiver disposto  a permitir esta revelação, depois de chegar ao fim de suas forças, e com toda a ajuda disponível.   
Vemos que esses dois homens foram presenteados com um começo de vida rico em contato com fontes para  relembrar a verdade. Ambos também tiveram processos místicos e de yoga de natureza dramática surgidos ou espontaneamente ou por meio de práticas de um tipo ou de outro. Os dois finalmente chegaram ao ponto de ver jnana ou conhecimento verdadeiro como não sendo a posse ou a experiência do ego e da mente conceitual, e ambos também passaram a ensinar que a idéia de um professor era falso e, portanto, por inferência, alguém pode também supor que tudo é graça. A única conclusão que posso tirar de tudo isso é que sua compreensões, enquanto genuínas, e até mesmo úteis, era - no entanto- incompleto. O equilíbrio necessário é encontrado na obra de Paul Brunton no "Caminho longo" e o "Caminho Curto"- ambos os professores se beneficiaram do primeiro, mas depois de se graduar no último, denunciaram desnecessariamente o primeiro como falso, ao passo que as duas abordagens em conjunto são necessários na maioria dos casos.Veja The Long and Short of It neste site].  

Mesmo assim todos os professores são merecedores da nossa gratidão, e o testemunho e a companhia dos amigos espirituais em todos os lugares a nossa bênção. Há uma ajuda para ser encontrada em cada etapa. Como disse ainda Kirpal Singh  "há livros em riachos e sermões em pedras." Para dizer a verdade, eu até que gosto desses caras.


JK - Nirvana UG - O que você vai fazer com o Iluminismo? (1) Alguns acham que Aos Pés do Mestre foi escrito por Leadbeater, Krishnamurti se lembrava de nada sobre isso, de acordo com a SR Vas, em The Mind of Krishnamurti (Jaico Publishing, 1971) (1a) Paul Brunton, de referência deslocada (2) Kirpal Singh, Godman (Franklin, New Hampshire: Sáb Sandesh Books, 1971), p. 152 (3) Os Cadernos de Paul Brunton (Burdett, New York: Larson Publications, 1988), vol. 16, 3.399 (4) ibid, vol. 10, 2.511 (5). Terry Newland, ed, Mente é um Mito: Conversations inquietantes com o homem chamado UG (Goa, Índia: Dinesh Publications, 1988), p. 16 (6), Ibid, p. 20 (6) Mukunda Rao, um esboço Vida de UG Krishnamurti, corpo, mente e alma - que eles existem, O Enigma do Estado Natural, Anti-ensino:? Chamando-lhe como é, Rir com UG (pós-internet) (6b), Wei Wu Wei, Pergunte ao Desperto , 2002, p. 174-175 (7) Rodney Arms, a mística do Esclarecimento: As idéias unrational de um homem chamado UG (Goa, Índia: Dinesh Vaghela, 1982) (8) Newland, op. cit., p.23

Fonte em português :http://alsibar.blogspot.com.br/2013/12/os-dois-krishnamurtis-two-krishnamurtis.html

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