terça-feira, 3 de julho de 2012

QUEM TEM MEDO DE U.G. KRISHNAMURTI?

Upaluri Gopari Krishnamurti
( Achei este artigo na Internet sobre  U. G. Krishnamurti que muitos confundem com J. Krishnamurti. O autor ( ou seria autores?) traça um pouco da  vida, personalidade e  ensinamentos deste iconoclasta aparentemente mais radical que o próprio Krishnamurti. Vale a pena conferir.)
Falar sobre U.G. Krishnamurti (Upaluri Gopari Krishnamurti ) não é fácil. Trata-se de um filósofo radical e polêmico, que suscita reações extremadas com relação a seu ensino. Veja aqui uma pequena amostra de suas mensagens, verdadeiros artefatos explosivos a detonar conceitos estabelecidos:
"Fazer amor é guerra; causa-efeito é o lema de mentes confusas; yoga e dietas saudáveis destroem o corpo; o corpo é imortal, e não o espírito; não há nada dentro de você exceto medo; comunicação é impossível entre seres humanos;  Buda foi um excêntrico..."
Que significa tudo isso? a meu ver, é iconoclastia pura. Ele destrói todos os ícones, e derruba todos os conceitos afirmando as antíteses dos mesmos, chocando aos leitores.
Muitos sairão correndo perante o louco, o anticristo, o nihilista. Tais declaraçoes, porém, têm o poder de nos revelar a nós mesmos, o quanto somos apegados ao nosso mundo interior, edificado sobre o medo e a esperança, e formado por palavras, imagens, conceitos, crenças e descrições que fazem sentido para nós e de algum modo nos dão segurança e conforto psicológico.
Os que desejam a religião como uma estrada pavimentada até o Divino recusarão mesmo o simples tomar conhecimento de suas mensagens, e, com isso, certamente estarão afirmando e defendendo a si próprios, ou, seja, aquelas opiniões, crenças e ideologias com que se identificam.
Vejamos mais um trecho das declarações de U.G.:
"Todas as palavras que usamos são "sobre", "a respeito de", "acerca de"... elas não têm realidade. São abstrações mentais, agem no plano virtual."
De fato, tudo o que sabemos, conhecemos, vem de fora de nós. Quando nascemos, somos como tábula rasa em matéria de conhecimentos, crenças, etc (mas não em matéria de tendências ou propensões, que são inatas).
O que acontece então? Em primeiro lugar nossos pais vão nos ensinando os nomes e descrições das coisas. Depois as escolas, universidades, igrejas, a cultura vigente, etc., vão formando nosso ego mental, nossa personalidade (que, como se sabe, vem do grego: PERSONA, quer dizer Máscara).

Note-se que a sociedade, seus valores e suas leis, sistemas políticos e religiosos, produz um grande conjunto de informações e valores que, paulatinamente, vai sendo incorporado às crianças, recriando em suas mentes uma cópia do mundo que os envolve.
Em toda essa massa de informações estão incluídos inúmeros conteúdos psicológicos, de natureza tribal, política, moral ou religiosa, que definem, condicionam e limitam a consciência humana. E nesses limites, estreitos ou amplos, surge e se desenvolve a noção sermos, cada um de nós, um sujeito pessoal, permanente, único e separado (que chamamos de ego), o qual tende a se apegar a esses valores e defende-los tenazmente, recusando qualquer visão de mundo que possa ameaçar seus conteúdos fundamentais.
Veja o leitor por si mesmo, ao ler algumas impiedosas declarações de U.G., caso sinta alguma opinião ou valor sendo confrontado, se instintivamente não se "fecha" em si mesmo, recusando tais mensagens:
"serviço humanitário é um total cultivo do ego; ir à igreja ou ir ao bar para um drink são idênticos; Deus, Amor, Felicidade, o inconsciente, morte, reencarnação e alma são invenções de nossa rica imaginação; Freud é a fraude do século 20, enquanto J. Krishnamurti é sua maior impostura..."
Note que U.G. derruba todas as imagens e conceitos, não poupando nada nem ninguém, chegando a atacar imagens consideradas intocáveis ou sagradas como Buda, Jesus, Freud e mesmo Jiddu Krishnamurti, o famoso sábio indiano do século XX, com o qual ele, U.G., tem bem mais que o nome em comum (nos nomes próprios indianos, o sobrenome vem primeiro, e o nome vem por último).
Ressalte-se que U.G. teve uma relação forte com J. Krishnamurti, que também o respeitava; na verdade, U.G. bebeu nas águas límpidas desse sábio maravilhoso, antes de perder tudo na vida, a partir dos 49 anos de idade, quando teve início um processo que ele chamou de "calamidade", levando-o a separar-se de sua família, perder suas posses, seu prestígio (era um orador muito conceituado), e também a viver um bom tempo como mendigo na Inglaterra, indo depois à Suiça e ao Consulado da índia a fim de pedir repatriamento para a sua terra natal, pensando consigo mesmo:

"Lá (na índia ) ao menos eles não poderão me expulsar, afinal eu nasci naquele país. Quem sabe eu possa sentar-me sob uma árvore banyan e mendigar meu sustento para as pessoas que passam".
Quem recusar sumariamente sua mensagem e passar adiante, conservando intacto seu edifício mental, perderá a grande oportunidade de ver transformar-se em cinzas suas convicções, que não são suas, posto que não as descobriu nem criou, apenas aceitou por medo ou conveniência.
Desabando esse edifício, o Ser, até então limitado ao pequeno ego mental, terá oportunidade de se liberar de toda sorte de entulho e poderá então, por assim dizer, se reconciliar com o Mistério de onde veio. Normalmente, porém, nós não apenas consideramos que essas convições não são obstáculo ao famoso "religare" com o princípio Divino, mas, muito ao contrário, consideramos que as mesmas são exatamente o caminho para esse objetivo...
Isso mostra o quanto somos escravos de nossos conteúdos mentais; isso é inegável, embora raramente o percebamos. O pensamento e a palavra são a base de toda crença; mas a palavra, seja ela qual for, é sempre SOBRE, acerca de, a respeito de alguma coisa.
Tudo o que temos são idéias, pensamentos, palavras que representam alguma coisa, e tudo vai aos poucos formando a nossa interpretação sobre uma certa Realidade que permanece intocada. Nossa visão sobre o mundo espiritual fica limitada pelas crenças que temos, e, como disse U.G., a palavra torna-se a máscara da Realidade subjacente a todos nós.
Nossa existência é complexa, e o ser humano, ignorante acerca dessa Realidade além do mental, além das projeções humanas, e sem perceber absolutamente que ele "não sabe e não sabe que não sabe", e que, além disso, não se pode traduzir essa Realidade em crenças, palavras e conceitos, se entope de lendas, mitos, ilusões e fantasias para ajudá-lo na incerteza e na falta de sentido de seus caminhos.
Dessa ignorância decorre que somos apenas as idéias e sentimentos que temos, idéias essas que nos são passadas pelo convívio social e pela experiência. Nossa mente é formada por seus conteúdos, os quais estão continuamente se manifestando e chocando-se uns com os outros, em conflito, alternando-se no "poder", etc.

É bem conhecida a metáfora budista que compara a mente a uma casa sem amo: cada vez que um dado conteúdo, na forma de pensamento, torna-se preponderante, faz o papel de amo da casa toda, e determina o rumo de nossa ação, o que causa inúmeras consequências, podendo ser inclusive motivo de dores e arrependimentos mais tarde. Pode-se dizer então que, como entidade independente, "a mente é um mito", como diz U.G.: há apenas conteúdos repletos de energia emocional que querem se repetir, propagar, se manifestar indefinidamente.
Ao perceber o constante ruído de emoções e pensamentos autônomos, compulsivos e conflitantes, surge naturalmente no ego o desejo de ficar livre de tudo isso, visando o sossego mental, a paz, a felicidade. Surgem então variadas técnicas de concentração, meditação, contemplação, rezas, terços, repetições de mantras, etc., as quais se transformam em práticas visando a um objetivo: o silêncio da mente, mediante o qual se pretende fazer a limpeza do elo de conexão com o Universo, a Verdade, o Divino.
Não percebemos, porém, que qualquer atividade onde há um "sujeito" (o ego) visando a um objetivo distante (o Divino, a Paz, a Felicidade, etc), exigirá o dispêndio de esforço ao longo do tempo, para obter méritos e aperfeiçoamento - e isso reforça o próprio ego que se deseja silenciar ou transcender.
Ou seja, enquanto houver "alguém" que quer atingir "algo", será recriada a relação dual que está na raiz da separação entre o homem e Deus.
Que fazer? ficamos então numa situação delicada: de um lado, a mente (muitas vezes comparada a um macaquinho pulando de galho em galho) nos leva a preocupações, ansiedade e todo tipo de tormentos; de outro, vemos que esse mesmo macaquinho quer encontrar uma solução para o barulho e a tagarelice, forçando-se ao silêncio, o que gera esforço mental inútil e até perigoso (aqui é bom que se saiba que o desgaste energético que o ego faz para se manter quieto, meditativo, contemplativo, etc., pode provocar danos neurológicos).
Acontece que o silêncio da mente não pode advir de uma ação intencional do ego, que é a raiz da tagarelice; ao tentar se anular, ele estará apenas de perpetuando. Mas pode advir da compreensão de que a idéia de ego também é uma construção mental, desprovida de realidade. Nesse caso, todo esforço torna-se inteiramente desnecessário; não se trata de religar o ego a Deus, mas simplesmente de perceber que não há nada separado da Totalidade, a não ser a idéia da separação - e, portanto, o movimento de busca de uma Realidade transcendente acaba sendo a perpetuação do buscador.
Por isso U.G., como um mestre radical que é, acentua que a busca é o último obstáculo do buscador, e deve cessar. Ele se refere ao "estado natural", como um lago tranquilo sem ondulações, que é a própria Felicidade - porém qualquer movimento, mesmo no sentido de encontrar essa bem aventurança, já insere a dualidade, a perturbação e a ansiedade.
O "estado natural" de que ele fala é sem dúvida um estado de silêncio, de vazio interior, sendo impossível de se conseguir intencionalmente pela prática de técnicas meditativas, terapias, rituais, contemplação, etc, visto que esses processos estão sempre recriando a relação sujeito-objeto, a qual supõe sempre o tempo, o esforço e o vir a ser.
Por isso U.G. diz que "o estado natural é acausal - está além do fazer, da causa e efeito".
Assim, se o ego, reconhecendo seu estado de tormento interior, percebe de maneira profunda, completa e total que nada pode fazer para atingir a união tão almejada com o Divino, então ele pode cessar todo o esforço e repousar exatamente nessa bem-aventurança.
Porém, a maior parte da humanidade prefere ter o conforto de uma crença "oficial", de uma religião organizada em cima do ensino dos grandes Mestres da humanidade. é verdade que, geralmente, não se trata de experiência própria; achamos que sabemos algo porque "acreditamos" em conteúdos, crenças e lições que ouvimos de terceiros, sendo essas crenças e práticas o suposto caminho para se livrar de nossas dores, temores e mazelas.
Pessoas assim, necessariamente, recuarão imediatamente ao tomar algum contato com U.G., tachando-o de hermético, radical, seco, autoritário, etc, o que é sem dúvida uma interpretação compatível com seus valores e crenças, porém inteiramente desprovida de liberdade: concordamos com quem concorda conosco, e discordamos de quem de nós discorda; porém, jamais vamos a um estado de consciência além do concordar e discordar.
Aqueles que, porventura, estiverem num processo que se pode chamar de "o despertar da compreensão", terão uma visão muito diferente. Não tendo conteúdos ou pontos de vista radicais a defender, poderão descobrir em U.G. uma extrema beleza e compaixão, que inclusive se recusa a se declarar como tal, preferindo que essa percepção surja naturalmente, espontaneamente.

Não será esse o extremo do amor, que, como o perfume de uma flor, não pede para ser apreciado, mas está disponível para todos?
Para terminar, mais um pensamento de U.G. Krishnamurti, que, de certa forma, resume todo o seu ensino:

"A assim chamada realização de si mesmo é a descoberta, para si mesmo e por você mesmo, de que não existe você mesmo para ser descoberto".
E.F.L. Costa  (Dhyan 1) e  JC Cavalcanti
Site do qual foi extraído o texto:

5 comentários:

  1. Cara, tenho este texto a anos, perdido entre os bites... Gênio cortante, U.G. Krishnamurti realizava o "mate o buda" dos verdadeiros Mestres Zen. Desprezou as imagens que impedem a compreensão, a imagem de Buda, de Krishnamurti,da existência... Opunha-se às imagens, aos nomes. O considero um dos maiores gênios do pensamento em si, ao lado de Jidu Krishnamurti, de Tolle... Sua espada não era caridosa como a destes dois, feria, cortava. Grande!!!

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  2. Antes de conhecer você, amigo Lobo, eu tinha uma certa desconfiança com o U. G. Pensava que ele era apenas um imitador barato do grande mestre Jiddu. Mas, graças a sua influência, pude olhar U.G. Krishnamurti com outros olhos. Fica aqui minha gratidão. Nãomaistê !!!

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  3. Profundo! Mas assim como acontece com J., ainda preciso de muito desenvolvimento para sequer ter uma breve idéia do real significado desses ensinamentos, se é que posso chama-los assim...

    Sergio

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  4. Sim, Sérgio- mas não é nada que não possa ser realizado, ou seria melhor dizer " percebido"? Grato, irmão!Confraterabraços!

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  5. Se se observar bem a pergunta de U.G., a mesma, desde o seu encontro com Shri Ramana Maharishi, se já era desvairada, neurótica tornou-se ainda mais visceral e acompanhada por uma carga de angústia existencial que não corresponde a um mero ceticismo intelectual ou cerebral, mas a algo que logrou tomá-lo intensamente; U.G. esteve por sete anos com Swami Shivananda e, na prática da sadhana, chegou a recitar - declaração dele em sua biografia - o mantra pessoal por cerca de 3 milhões de vezes! As pessoas são diferentes: prefiro o "iluminado contestador" ao "professor da revolução psicológica". Não acredito em utopias. Então, continua a minha mesma pergunta: A meu ver resultados diferenciados sucederiam aos indivíduos Jiddu e U.G. independentemente ( e não obstante) da intervenção dos ocidentais; o que, então, teria sucedido a Jiddu Krishnamurti e a U.G. Krishnamurti se ambos simplesmente tivessem a sua criação, educação e iniciação espiritual somente no âmbito do Hinduísmo ortodoxo, da Índia milenar? (até porque é perceptível, sensível - não apenas em Jiddu, mas em ambos-, o peso do resultado da alteração cultural, vivenciando a Índia, porém sem a seiva da sua ortodoxia...Talvez a nossa "comida" não fosse assim tão boa para eles, mas agora é tarde...

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